25 de outubro de 2010

O Único e Eterno Rei – Parte VII: Hic jacet Arturus Rex quondam Rex que futurus


Bem no centro da caverna, o chão elevava-se na forma de um divã de pedra; ali estava o cavaleiro mais formoso de todos. Sua cabeça repousava sob um elmo cravado de pedras preciosas e pequenos aros dourados em cuja parte superior estava esculpido um dragão. Uma espada desembainhada jazia a seu lado e na lâmina havia a figura de duas serpentes de ouro. A lâmina brilhava tanto que era como se das cabeças das serpentes saíssem duas línguas de fogo.

Alan Garner – A Pedra Encantada de Brisingamen

No grand finale de Arthur – após matar Mordred na batalha de Camlann, mortalmente ferido, ele devolve Excalibur à Dama do Lago (embora seja necessário mandar Sir Bedivere fazer o serviço três vezes...) e é levado numa barca por quatro rainhas – entre as quais sua irmã, Morgana – para uma ilha além deste mundo chamada Avalon de onde, um dia, retornará para ser novamente rei.

O retorno de Arthur tem uma de suas primeiras menções no Gesta Regum Anglorum de William de Malmesbury, historiador do século XII: “o sepulcro de Arthur não é visto em lugar algum, e assim, antigas baladas fabulam que ele ainda retornará”. Em algumas histórias, ele espera o momento de seu retorno em Avalon; em outras, o rei e seus cavaleiros dormem em uma caverna, até que venha o momento de despertarem e salvarem a Grã-Bretanha novamente.

Monmouth também escreve sobre esse miraculoso retorno de Arthur no Vita Merlini, bem como Malory, no Le Morte d’Arthur. A volta do rei se torna cânone – e não apenas literário.

Arthur é um grande herói das lendas celtas, povo esse que, no final, foram conquistados pelos anglo-saxões contra quem aquele rei lutara e vencera. Nessa Inglaterra de muitos povos, é óbvio que ocorreram diversas guerras civis e Arthur era um ideal, um exemplo, o combustível para pelo menos um dos lados.

Por boa parte da Idade Média, a Grã-Bretanha se digladiou em guerras civis. As histórias do retorno de Arthur serviam como inspiração para as revoltas galesas, de forma que em 1111, Henrique II, usando como base os textos medievais do ciclo arturiano visitou Glastonbury, muitas vezes identificada com Avalon, onde estaria o túmulo – vazio – do Rei Arthur.

Lá eles cavaram, encontraram dois corpos, que foram identificados como sendo de Arthur e Guinevere, e os exumaram num verdadeiro espetáculo público.

A história toda foi uma fraude do começo ao fim porque, embora tenha sido feito um grande alarde, ninguém viu nada de verdade e, no final das contas, o tiro acabou saindo pela culatra. A esposa de Henrique, Eleanor da Aquitânia, encomendou novos romances acerca de Arthur e seus cavaleiros, de Troyes entrou na história e já sabemos onde a coisa foi parar.

Eduardo I foi outro dos reis ingleses que sofreu com o fantasma de Arthur. Tendo finalmente conquistado o País de Gales - que à época ainda lutava por sua independência – decidiu dar um golpe de ânimos ainda mais definitivo do que o julgamento e condenação por traição do príncipe de Gales, Dafydd (que foi enforcado, depois afogado e por fim esquartejado).

Assim, em 1278, Eduardo I repetiu o espetáculo de Glastonbury. O resultado foi que o interesse acerca do ciclo mítico de Arthur e seus cavaleiros se reacendeu, especialmente fora da Inglaterra.

Curioso é o que Henrique VIII, antes de sua cisma com a Igreja Católica se identificava com Arthur. Na verdade, ele se identificava tanto que quando mandou reformar, por volta de 1522, a Távola Redonda – uma relíquia pendurada no grande salão do Castelo de Winchester, datada de por volta do século XIV (obviamente, não da época de Arthur...) – e pintou sobre o rosto de Arthur o seu.

Claro que após a reforma anglicana, ele mandou destruir o que podia do passado católico da Inglaterra, de forma que hoje só restaram as ruínas de Glastonbury, sendo impossível reencontrar o tal túmulo de Arthur – se é que o túmulo aberto por Henrique II e Eduardo I era realmente dele (o que se duvida muito).

E não podemos esquecer que os quadros do Parlamento Britânico retratam muitos dos episódios das histórias do Grande Rei e seus Cavaleiros – era sob o olhar deles que Vitória se preparava para suas sessões com os Lordes e os Comuns.

Deste ponto de vista, realmente, não podemos negar que Arthur vive. Não importa se houve ou não um Arthur. Se ele foi ou não um rei. Se existiu uma távola redonda e 150 cavaleiros ocupando cadeiras com seus nomes escritos nos espaldares em letras de ouro.

Arthur vive. Vive no imaginário de milhões de pessoas por todo o mundo, entremeado na cultura de sua nação. Vive em lendas, em histórias contadas a boca pequena ou ornados em grandes livros, tornou-se arquétipo de um herói benevolente, que acredita nas pessoas, que é traído, mas nem no último minuto perde sua fé.

E, um dia, ele retornará. O Único e Eterno Rei.

Especial O Único e Eterno Rei
O Único e Eterno Rei - Uma Introdução
Parte I - Receita de Herói
Parte II - Escritos e Escritores
Parte III - Meu amor é uma prece
Parte IV - Minha mão pela justiça
Parte V - Paganismo versus Cristianismo
Parte VI - Bebo para a morte e para a desonra
Parte VII - Hic jacet Arturus Rex quondam Rex que futurus

Na sua estante: A estante de Merlin
A verdadeira história de Camelot
Perdidos entre as brumas de Avalon
Guinevere/Lancelot
Camelot à moda Sertaneja

Resenhas
O Único e Eterno Rei de White
Here, There be Dragons
The Search for the Red Dragon
The Indigo King
The Shadow Dragons

Outras Fontes
The Camelot Project
Camelot or What?
Timeless Myths



A Coruja


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