28 de dezembro de 2020

O Resumo da Ópera - Uma Salada de Títulos


Chegamos ao fim do ano e, com ele, está na hora de fazer o resumão de leituras do semestre - resenhas mais curtas e direto ao ponto (será?), passeando por vários gêneros, afinal, nada melhor do que um resumão bem eclético, não é mesmo?

Vejamos o que tem na lista dessa vez...


O Duque e Eu, de Julia Quinn
Tinha me esquecido do quão divertido são os livros da série Bridgerton. Agora que a série estreou, decidi reler o primeiro volume (equivalente a essa primeira temporada) e, mesmo tendo lembrança de tudo o que ia acontecer, a história conseguiu me envolver tanto quanto se me fosse inédita. Eu ainda estava na faculdade quando descobri a Quinn e praticamente devorei um volume atrás do outro de toda a bibliografia dela - e até hoje, vou atrás de todo lançamento já na pré-venda.

Gosto dos dois protagonistas e suas experiências antagônicas de família. Daphne, que cresceu com muitos irmãos, cercada de amor e cuidados, anseia por ter sua própria família. Simon, Duque de Hastings, perde a mãe no nascimento e é basicamente abandonado pelo pai obcecado com o legado familiar, que acha que o filho não está à altura do nome que tem - e por isso, jura que jamais vai casar e ter filhos, fazendo o título morrer consigo. A despeito de suas visões contraditórias, a atração fala mais alto, além de alguns escândalos pelo caminho, e eles ficam juntos. Mas isso é só metade do enredo.

O Duque e Eu tem vários momentos hilariantes, outros de apertar e aquecer o coração, e é nossa primeira apresentação ao clã Bridgerton. A série respeitou a essência dos (maioria) personagens e da história, com várias adições e adaptações que, pelo menos do meu ponto de vista, serviram para melhorar a trama. Agora é esperar a segunda temporada para reler O Visconde que me Amava.


O Príncipe e a Costureira, de Jen Wang
Que história adorável! O Príncipe e a Costureira é uma graphic novel com uma arte linda; um conto de fadas moderno e divertido, que quebra paradigmas - que fala sobre aceitação, sobre ser diferente, sobre sonhos e talento e o que fazemos com tudo isso.

Frances é uma costureira que deseja ser reconhecida por suas próprias criações. Após uma das clientes do ateliê em que trabalha lhe dar carta branca para ousar (e chocar), a criatividade e talento de Frances chamam a atenção de Sebastian, príncipe que, secretamente, gosta de vestir-se de mulher - e que está na cidade porque seus pais desejam que encontre uma noiva.

Sebastian contrata Frances para que ela lhe faça vestidos fabulosos e, assim, nasce a fantasia de Lady Crystallia. Mas, para além dos belos vestidos e do príncipe drag queen, o que O Príncipe e a Costureira nos traz é uma história de amizade, companheirismo, que acaba se transformando em amor. Adorei!


Three Men in a Boat, de Jerome K. Jerome
Ok, então, toda a razão para eu ter ido atrás desse livro é o fato de ele ter servido de inspiração para Connie Willis escrever o absolutamente hilário To Say Nothing of the Dog. Eu tinha uma vaga noção de que se tratava de um livro sobre uma viagem de bote pelo tâmisa, e havia um cachorro pelo meio. Fora isso, nenhuma grande expectativa, além da curiosidade de entender a ligação entre ele e uma das minhas histórias favoritas.

George, Harris e Jerome estão cansados da monotonia de seu cotidiano em Londres e assim decidem tirar férias e passar uns dias navegando com um bote a remo pelo rio Tâmisa - acompanhados, claro, do fiel Montmorency, um fox terrier com possivelmente mais bom senso que seus companheiros bípedes. Remos perdidos, discussões sobre quem está trabalhando mais que os outros, aventuras gastronômicas, chuvas torrenciais, há de tudo um pouco por aqui.

Inicialmente pensado como um guia de viagem - e é possível seguir perfeitamente o roteiro feito pelos personagens, parando em vários dos marcos históricos, pubs e hotéis citados no texto - Three Men in a Boat é um triunfo de humor nonsense, com três protagonistas que agem ora aparvalhadamente, ora com marota astúcia. Algumas das piadas não fizeram muito sentido pra mim - não sei se por não ser britânica ou se pela falta de algum contexto histórico vitoriano, mas, no geral, é uma leitura bem divertida e descompromissada.


Porém Bruxa, de Carol Chiovatto
Eu pensei em um mundo de referências lendo Porém Bruxa - e, como todo mundo por aqui sabe, gosto das minhas palavras cruzadas literárias e de enxergar ligações em tudo. Mais que isso, porém, devo dizer que a autora conseguiu me vender muito bem a ideia de uma sociedade de bruxos que policia o mundo, protegendo a humanidade de ameaças sobrenaturais - sendo Ísis, a protagonista do romance, a responsável pela região São Paulo. Embora haja relativamente pouco sobre a Cidade dos Nobres e toda a construção de mundo em torno dessa sociedade, o que está lá é suficiente para fisgar a atenção.

O trabalho de Ísis é muito ligado a intuição e é isso que faz com que ela se envolva em três casos distintos que parecem não ter conexão alguma entre si: um ataque a um terreiro, o sequestro de uma criança e o desaparecimento de uma mulher que, possivelmente, foi vítima de violência doméstica. As pistas estão todas lá, não é difícil resolver o mistério se você estiver prestando atenção (descobri o vilão um pouquinho antes da metade); mas a jornada em si é muito interessante e o elenco de personagens que gira em torno da protagonista cativa tanto que eu não me importaria de vê-los em histórias próprias.

Para além de tudo isso, considerando se tratar de um volume até curtinho, Porém Bruxa traz uma miríade de temas pesados, que ligam especialmente as personagens femininas do enredo. A certa altura dos acontecimentos, me veio à mente uma passagem de Virginia Woolf sobre autoras mulheres e ressentimento, como o que elas passam no dia a dia se traduz na forma como escrevem. Abuso de autoridade, intolerância religiosa, transfobia, assédio moral e sexual… São pequenas e grandes violências, contra vários grupos e minorias, que em mais de um momento ecoam o que vemos no noticiário. Ressentimento, indignação, frustração, são todos sentimentos que estão claros nas entrelinhas da história e houve momentos em que senti nó na garganta com eles.

É mérito da autora que Porém Bruxa desperte essas sensações, mas não deixe de ser uma leitura prazerosa, e que nos deixa com gosto de quero mais.


Notre-Dame, de Ken Follett
Peguei esse livro por acaso numa das últimas visitas que fiz à livraria, folheei rapidamente e quando me dei conta, já tinha começado e terminado de ler. É, afinal, uma edição de bolso curtinha, na qual Follett trata tanto da história da mais famosa catedral do mundo, como de seus próprios sentimentos quando do incêndio do edifício, em abril de 2019.

Eu conhecia algumas das histórias e personagens que Follett apresenta aqui - sempre que faço uma viagem, faço extensivas pesquisas sobre os lugares que pretendo visitar e há muito para aprender numa visita, se você não estiver só passando para tirar selfies -, mas é relevante ver as correlações que o autor faz aqui. Da construção de Notre-Dame como uma obra coletiva (havia uma exposição interativa muito interessante sobre isso na cripta que fica um pouco à frente da prédio e muita gente nem percebe que está ali) à sua importância econômica, cultural (é claro que Victor Hugo tinha de aparecer!) e histórica (eu não conhecia a história com Charles de Gaulle), Follett monta um painel que explica muito bem a comoção mundial causada pelas imagens do fogo na catedral.

É um livreto interessante, mas creio que sua maior virtude seja o fato de que os direitos autorais foram doados para ajudar na reconstrução da Notre-Dame de Paris. Indiretamente, ao comprar o livro, você também está doando para esse esforço e ainda aproveita a leitura. Vantagem para todos.


The Unadulterated Cat, de Terry Pratchett
Ainda tenho alguns livros do Pratchett que não li e guardo por aqui, sem conseguir decidir se quero terminá-los de uma vez, ou se prefiro conservá-los para um dia em que esteja precisando. Durante anos, eu sempre tinha um novo volume de Discworld com que brindar o réveillon, e ainda custo a crer que quando eu terminar o resto da bibliografia fora dessa série, não terei mais nada inédito do Pratchett para ler.

Ao menos, posso fazer releituras...

Enfim, precisando de algo que me alegrasse dia desses, catei da lista o The Unadulterated Cat. É um livro bem curtinho, daqueles que dá para ler num dia só, no qual Pratchett defende os “gatos reais”. O que são gatos reais, você me pergunta? Em resumo, gatos sem qualquer pedigree, desses que andam pela rua e ameaçam até os cachorros e não nos deixam dormir de madrugada miando para a lua. Caçadores natos, mas que sabem muito bem como conquistar (dominar) seu humano. Independentes. Sádicos. Adoravelmente ronronantes.

Nunca tendo possuído um gato, não tenho como comparar com o comportamento verídico desses animais, mas, a julgar por Pratchett, gatos são criaturas quase demoníacas com potencial para dominação mundial. O humor característico do autor é complementado por tirinhas de Gray Joliffe, com direito a histórias anedóticas, evolução histórica e teorias hilariantes.


Miranda in Milan, de Katharine Duckett
Como bardólatra assumida que sou, é claro que fiquei de olho grande nesse livro quando vi os primeiros anúncios: uma continuação de A Tempestade do ponto de vista da Miranda? Isso muito me interessava! Gosto de releituras de Shakespeare, as obras dele se prestam muito bem a adaptações, não apenas por sua natureza teatral, mas pela atemporalidade e atualidade dos enredos. Mesmo em histórias que apenas emprestam temas e circulam em torno das palavras do bardo em vez de usá-las literalmente - como os excelentes Estação Onze e Semente de Bruxa - a conexão é o que primeiro me prende.

Dito tudo isso, Miranda in Milan foi uma leitura interessante, mas não excepcional. Talvez por ser uma noveleta, fiquei com a impressão de que as coisas acontecem rápido demais - fora a quantidade de narrativas e temas que se sucedem. Há lá pelo meio uma espécie de cruzamento com Frankenstein, jogado no mesmo caldeirão de bruxas imigrantes, retratos misteriosos e jornadas através de sonhos. A autora enfatizou o caráter autoritário de Próspero e os elementos sobrenaturais da peça, invertendo várias das conclusões a que o original nos leva.

Terminei com a impressão de que tinha em mãos algo com potencial, mas que a ânsia da autora de misturar tantos ingredientes deixou a coisa truncada.


Viagem ao Redor do Meu Quarto, de Xavier de Maistre
Já contei por aqui a história de como descobri esse livro - e até relatei minha própria jornada por terras tão familiares. Mas agora tratemos de Xavier de Maistre e sua curiosa invenção de viajar sem deixar o lugar mais familiar de todos - porque esse título foi bem mais divertido e curioso do que eu imaginara quando primeiro fui atrás dele..

Condenado por participar de um duelo a quarenta e dois dias de prisão domiciliar, de Maistre passa seu tempo demorando-se em escrever sobre cada detalhe de seu espaço de confinamento. São capítulos curtos, com uma boa dose de sarcasmo, alternando-se entre se derramar em elogios acerca de sua cama, ou das gravuras penduradas em suas paredes, com outros em que trata de questões mais filosóficas.

É um livrinho despretensioso, do tipo que se lê em um dia, e sim, entendi porque o Brás Cubas de Machado de Assis diz se inspirar nas memórias de Maistre para escrever as suas próprias. Algo do humor é definitivamente parecido.


Genius and Ink, de Virginia Woolf
Esse livro traz uma coletânea de ensaios e resenhas publicados originalmente The Times Literary Supplement pela jovem Virginia Woolf, antes de ela se tornar uma romancista. Há relampejos aqui do gênio ensaísta da autora - especialmente quando trata de outras escritoras mulheres, lembrando muito assertivas que apresentou em Um Teto Todo Seu.

Não é dos meus volumes favoritos de crítica; não me deixou a mesma sensação de anseio por ler cada obra citada, algo que sempre acontece com Eco ou Manguel. Mas é um ponto de entrada para a obra de Woolf, suas primeiras experiências em publicação - algo que lhe deu a independência financeira que reputa tão importante em seu mais famoso ensaio. Valeu pela curiosidade.


Coraline, de Neil Gaiman
Já escrevi mais de uma vez sobre Coraline aqui no blog, de forma que não é surpresa alguma se eu disser que esse é um dos meus livros favoritos do Gaiman (a essa altura, difícil é dizer qual livro do Gaiman não é um favorito). Coraline, a protagonista, é uma daquelas heroínas que eu queria ter conhecido criança, para ter como um modelo.

Sempre que passo por esse volume na estante, penso com meus botões sobre ele ser essencialmente um conto de horror para crianças - e sobre como as crianças são bem mais resilientes e corajosas do que imaginamos. Mas, bem, a história, em essência, trata de coragem para enfrentar seus medos, um tema que aparece de forma constante em contos de fadas (muitos dos quais são decididamente histórias de horror).

Essa nova edição, em português, magnificamente ilustrada pelo Chris Riddell, tem um projeto gráfico que é de encher os olhos de fato. Capa dura, corte das páginas e letras coloridas, além das gravuras que abrem cada capítulo. Edição para colecionador mesmo.


A Coruja


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