31 de dezembro de 2022

Retrospectiva Literária 2022


E, finalmente, chegamos ao final de 2022! Foi um ano difícil, com vários ataques de pânico pelo meio do caminho (compreensível…), mas sobrevivemos! E lemos um bocado ao longo desses doze meses também.

Sendo, pois, o último dia de 2022, é claro que não poderíamos findar sem a tradicional Retrospectiva Literária com nossa listinha dos melhores do ano - e também um balanço de tudo que passou em termos de leituras por aqui.

Já faz alguns anos que utilizo minha própria versão alterada para minhas necessidades do Registro de Leituras do Book Riot. Quem se aventurar por ele pode achar que é uma coisa meio bizarra fazer registros tão detalhados, especialmente se você não tem exatamente um uso para isso. Mas eu acho interessante fazer essas anotações e observar meus hábitos de leitura e minhas tentativas de torná-las mais diversas, de sair da minha zona de conforto - e até de observar as mudanças reais que vêm ocorrendo nos últimos anos.

A quantidade de não ficção que leio tem aumentado ano após ano, ao passo que minhas leituras em formato digital ultrapassaram e muito a quantidade de livros físicos que tive em mãos. Essa segunda é uma mudança que começou quando comprei o kindle e se acentuou nos últimos dois anos quando comecei a ter sérias dificuldades em encaixar livros novos na estante, tendo de fazer um jogo de tetris toda vez que chega caixa nova, e sempre separando alguns volumes já lidos para doação.

Em termos de gênero, eu realmente leio de tudo - minha versão do Log tem nove classificações e eu li alguma coisa em todos eles. Satisfatoriamente, consegui alcançar um equilíbrio entre autores homens e mulheres: foi 50% para cada um exatamente. Por outro lado, bem mais que a metade - 64,8% para ser exata - foram de autores do eixo Reino Unido-Estados Unidos. Nenhum autor africano apareceu na lista, mas descobri que finquei bandeira na Austrália, conquistando a Oceania (um continente que quase nunca aparece nos meus registros ao fim do ano…). Mais de 90% foram autores brancos, mas tive quase 20% de autores queer. Pouco mais de 30% foram títulos em inglês; com quase metade dos livros novos comprados na Amazon - seguido de perto pelo Catarse, com 25,5% das minhas compras literárias.

Eu penso sempre na literatura como uma ferramenta para descobrir e entender o Outro, para se colocar numa posição e ponto de vista que você normalmente não teria. Então, ano após ano, tenho me esforçado para buscar leituras fora do meu padrão de vivência, sair da ‘bolha’: porque conhecimento e compreensão são maneiras de se lidar com a intolerância, com nossos preconceitos - questões que, por vezes, sequer notamos no nosso dia a dia, tão arraigadas que deixamos passar sem achar que há algo de errado com aquilo.

Mas, bem, as coisas têm ficado tão esquisitas que tem gente por aí enchendo o peito para dizer que o avô fez parte da SS. Quer queiramos ou não, os últimos anos serviram para abrir a tampa do bueiro e tornar ‘normal’ discursos de ódio. Nesses casos, é difícil NÃO notar o quão louco o mundo tem estado - e, de novo, educação, conhecer outras culturas, respeitar essas diferenças, tudo isso é essencial e nossas escolhas de leitura também fazem parte desse processo.

Somos nós, como leitores, que escolhemos o que queremos ler. Se procuramos diversificar nossas leituras, isso gera uma resposta para as editoras, que também vão trabalhar para esse processo. Já discuti um bocado sobre o assunto cá no blog, mas sempre é bom voltar ao assunto.

Mas, enfim, depois de todos esses percentuais, vamos ao que interessa hoje! A lista dos melhores do ano!

A aventura que me tirou o fôlego:
A Memória de Babel, terceiro volume da série Passa-Espelhos, da Christelle Dabos, que saiu aqui pela Morro Branco. Li o segundo volume esse ano, meio que me arrastando, mas esse terceiro fluiu de uma maneira muito melhor, com Ophélie finalmente tomando as rédeas da própria vida e embarcando numa jornada alucinada pelas Arcas e a história por trás dos espíritos familiares.


Só falta mais um volume para terminar a série e acho que já vou começá-lo em janeiro.

O mistério mais enigmático:
Continuando na leitura - e releitura - da bibliografia de Agatha Christie, é claro que ela encabeçaria qualquer referência nessa categoria. Irei com Depois do Funeral, que li pela primeira vez esse ano e me passou uma rasteira - eu não desconfiei nem por um único instante de quem era o real culpado. Ponto para a Rainha do Crime!

Não posso perder a chance também de colocar aqui um mistério nacional que parece uma daquelas novelas de época, com um toque de sobrenatural e que foi uma das minhas últimas leituras desse ano: O Fantasma de Cora, da Fernanda Castro. A despeito de se tratar de uma trama de assassinato, ele é super divertido, leitura leve - um cozy mistery sob medida para desestressar do corre-corre de fim de ano.

O romance que me fez suspirar:
Li relativamente poucos romances esse ano… e quase deixei essa categoria passar em branco… mas aí cheguei na cena de A Memória de Babel em que Thorn e Ophélie FINALMENTE entram no mesmo compasso e, não vou negar, Thorn perdeu o controle e eu perdi o fôlego XD

A fantasia que me encantou:
Babel: An Arcane History, da R. F. Kuang, foi minha última leitura desse ano - uma leitura complexa, com seus altos e baixos; um final de tirar o fôlego e muitas reflexões sobre a questão da colonização, assimilação, e as dívidas - muitas vezes de sangue - que as nações europeias têm com os países que dominaram no passado. Também tem um sistema de magia muito interessante, que se fundamenta na palavra, nos significados, no processo de tradução de uma língua para a outra.


Coisa excelente é que já descobri que ele vai sair em português ano que vem, o que significa poder recomendá-lo para mais gente.

A ficção científica que me fez viajar:
Os dois livros de ficção científica que li esse ano foram releituras… mas, enfim, vamos com a coletânea de contos Impossible Things, da Connie Willis, porque não dá para errar com a Willis.

A saga que me conquistou:
A Passa-espelhos. Passei da metade da série com o terceiro volume, e agora só falta mais um título para descobrir afinal o que raios aconteceu com o mundo, o que foi a grande Ruptura, quem é Deus e o Outro e se Ophélie e Thorn vão finalmente parar de se desencontrar…

O clássico que me marcou:
Foi uma releitura, mas serviu para pensar em tanta coisa nova que não me veio à mente quando li pela primeira vez - e rendeu um debate tão rico - que não poderia deixar de indicar aqui O Fantasma da Ópera, de Gaston Leroux.

A leitura mais surpreendente do ano:
Fiquei pensando bastante sobre qual seria o título a vir pra cá… e decidi-me por Read Dangerously, da Azar Nafisi, que foi um livro que me chacoalhou as estruturas - falei muito dele para todo mundo que encontrei pelo caminho e até convenci o pessoal do clube do livro a organizar a agenda de leituras para o ano vindouro usando essa ideia do ‘ler perigosamente’.

A não-ficção que me envolveu:
Tenho notado que, ano após ano, minhas leituras de não ficção estão aumentando bastante, quase igualando as de ficção. Enfim, entre várias possibilidades para esta categoria, vou com O Infinito em um Junco, que se tornou um dos meus livros favoritos, uma das melhores leituras que fiz esse ano - e que, é claro, trata de livros! Como eu poderia resistir a isso?


O livro que me fez refletir:
Vou com dois títulos aqui, um que li lá no começo do ano e outro que já foi agora pelo final: Ghostland: in search of a haunted country é uma mistura memorável de biografia, crítica literária e diário de viagem, com toques de ornitologia. Se algum dia eu escrever minhas memórias, provavelmente pegarei a ideia emprestada - embora eu espere que não precise escrever uma autobiografia tão carregada de tragédias quanto a do Parnell.

O segundo é A heroína de 1001 faces, da Maria Tartar, que faz um estudo absolutamente maravilhoso da evolução da figura da heroína ao longo de mitos, contos de fadas, romances e mídia modernas, por cima da ideia de jornada do herói do Campbell. Livro excelente!

O livro que me fez rir:
Gente Ansiosa, do Fredrik Beckman. Engraçado que eu comecei meio capengando no livro, mas a certa altura a leitura acelerou e ele não apenas me fez dar altas gargalhadas como me rendeu algumas boas reflexões e citações que entraram em várias conversas ao longo do ano.

O livro que me fez chorar:
Terry Pratchett: A Life With Footnotes, a biografia de Rob Wilkins sobre o Pratchett. Fiquei de coração apertado em mais de um momento e perto do final eu tinha até dificuldade de avançar de tanto que a vista ficava turva. Para além do Pratchett ser meu autor favorito, a questão da doença dele é uma coisa que tem afetado minha família, com uma tia e minha avó, ambas com Alzheimer. Sensibilidade fica à flor da pele quando acompanhamos o declínio da mente genial do Pratchett e pensamos nas pessoas que temos próximas de nós que seguem o mesmo caminho.

Uma releitura necessária:
Fiz algumas boas releituras esse ano, mas as duas que achei necessárias - pela mudança de interpretação ou pela percepção de novos detalhes que me escaparam da primeira vez - foram ambas para o Clube do Livro: O Fantasma da Ópera e Piranesi.


O casal perfeito:
Então, lá em cima eu observei que não li muitos romances esse ano -, mas tenho um romance para indicar que me levou às lágrimas de riso e cujo casal me fez torcer muito por eles. Estou falando de Robin e Edwin, em A Marvellous Light, uma fantasia excelente, com um ótimo mistério no enredo e tiradas maravilhosas, que me fizeram virar uma noite para chegar ao final do volume.

Aliás, esse é um livro que poderia ter aparecido em várias categorias desse ano, mas tentei não ir com muita sede ao pote…

O(a) personagem do ano:
Francine, de O Fantasma de Cora, uma mocinha com que me identifiquei demais. As aventuras da dupla de primas investigando a morte de uma delas (bem, não pode ser spoiler, tem um fantasma no título!) são hilárias, mas o que realmente me capturou foi a força de caráter e determinação que a Francine tem de descobrir a verdade e fazer o certo.

O(a) autor(a) revelação:
A Freya Marske, de A Marvellous Light. Gostei muito do estilo dela.

O(a) autor(a) que mais esteve presente entre as minhas leituras: Agatha Christie, com oito títulos. Nenhum outro autor chegou nem perto dela esse ano.

O gênero literário que mais li:
O que mais li esse ano foram livros que tratam de mitologia e folclore, especialmente em volumes de ensaios que exploravam o ponto de vista feminino neles.

O melhor livro que li em 2022:
Fiquei bem dividida aqui, então vou indicar dois, um não ficção e outro ficção - na primeira, Read Dangerously da Azar Nafisi, que realmente mexeu demais com minha cabeça; e na segundo, A Marvellous Light, com o qual me diverti pacas.


O que mais gostei de escrever:
Eu gostei de pesquisar e escrever especialmente as resenhas de Robinson Crusoé e O Fantasma da Ópera - não necessariamente porque eu tenha adorado os livros, mas porque ambas foram resenhas que vieram na esteira de debates empolgantes no Clube do Livro. E, embora os dois tenham sido releituras, li como se estivesse pegando pela primeira vez, com olhos afiados para questões que nem me passavam pela cabeça quando os conheci.

É sempre muito interessante esse processo de revisitar uma obra e perceber o quanto você deixou passar - ou talvez fosse mais acurado dizer, o quanto a sua percepção do mundo mudou.

Também fiquei bem satisfeita com a resenha de Circe - que foi outra leitura para o clube - e O Mar sem Estrelas - que li no ano passado, mas só consegui escrever esse ano, o que me deu mais tempo para digerir a história e pensar em todas as referências que ela me lembrava.

Para completar, uma tradução - que é sempre um trabalho sensível, tentar encontrar as palavras certas e assim compartilhar tudo aquilo que aquele texto original te fez sentir -: o ensaio Rotas de Fuga, da Ursula Le Guin, que era um texto que eu estava procurando há bastante tempo, tudo por conta de uma citação erroneamente atribuída a Tolkien.

Li em 2022:
111 livros

A minha meta literária para 2023 é:
Decidi oficialmente que não me colocarei nenhuma meta numérica para 2023. E nem me forçarei a ler todos os não lidos da estante. Iremos ao sabor do vento (ou, pelo menos, tentaremos…), nada de planejamento com listas por cima de listas cada qual mais colorida que a outra.

Essa foi uma das lições que precisei aprender na terapia, que passei boa parte do ano trabalhando na minha cabeça: a necessidade de aprender a ser mais flexível. Então, é isso que farei, trabalhar minha capacidade de ser flexível, adaptar as mudanças, não planejar demais à frente, abandonar o que não está dando certo (oh, céus...) e não surtar de vez quando as coisas saírem do controle.

Desejem-me sorte!


A Coruja


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Um comentário:

  1. Desejo-lhe boa sorte! rsrsrs... Eu sempre me impressiono com essas quantidades massivas de livros lidos. Neste ano, li apenas 36. E de não ficção foi apenas um. E olha que desses 36, muitos foram infantis, lidos em uma sentada. Então, fui um leitor preguiçoso este ano.

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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.

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