9 de dezembro de 2021

O Resumo da Ópera - Bate o Sino...


Fim de ano significa, claro, mais um resumo da ópera aqui pelo Coruja. Como de hábito, vai uma miscelânea de coisas que andei lendo pelo segundo semestre - quadrinhos, vários romances LGBTQ+, ensaios, livros sobre escrita e sobre astronomia, e até poesia.

Foi um ano bem movimentado em termos de leituras por aqui - quebrei todos os meus recordes, ao menos desde que comecei a compilar os títulos que ia lendo - e estou contente de perceber que saí um bocado da minha zona de conforto, navegando por uma miríade de gêneros.

Enfim, Natal está quase aí à porta, e uma piscada, já estaremos no ano novo… mas enquanto 2022 não chega, continuemos lendo...


Biblioteca Gaiman - Volume 1, de Neil Gaiman
Neil Gaiman é um daqueles autores que, se ele publicar a lista de compras de supermercado dele, eu vou querer ler. Assim é que logo cresci o olho quando esse volume foi anunciado - mas vou confessar que ele apelava mais a meu desejo como colecionadora que leitora. Isso porque o volume 1 da Biblioteca Gaiman é uma edição de encher os olhos, mas eu já tinha lido todos os cinco contos que o compõem - mesmo em suas versões adaptadas para quadrinhos, apenas uma delas não me era familiar.

Acho As noivas proibidas dos demônios desfigurados da mansão secreta na noite do desejo sinistro hilário, do título, ao conteúdo, com um mundo totalmente gótico em que um escritor trata o que conhecemos como cotidiano por fantasia. A inversão de cenários é deliciosa e dá um destaque ao significado do que é escrever ficção fantástica. Criaturas da Noite apresenta duas fábulas em que brilham um gato preto defensor contra demônios e uma jovem vingada por corujas. Mistérios Divinos está no meu top 10 de histórias do Gaiman consistentemente e toquei muito nessa história quando falei da questão do livre arbítrio em Belas Maldições.

A verdade sobre o desaparecimento da srta. Finch era a adaptação que eu ainda não tinha lido. O interessante dela é que, embora a versão em prosa não tenha me capturado tanto, apresentada em quadrinhos ela ganhou novos significados. Arlequim Apaixonado traz um dia dos namorados com uma refeição bem macabra. Gosto muito do enredo, do uso da commedia dell'arte, mas, de todas as histórias apresentadas neste volume, é a que menos gosto da arte.

Enfim, Biblioteca Gaiman é um daqueles volumes que serve de excelente porta de entrada para o trabalho do autor. Para os fãs de longa data, é um material realmente fantástico para colecionar. Que venham então os próximos volumes!


Flash Fire, de T. J. Klune
Ano passado, emendei à leitura de The House in the Cerulean Sea (que, por sinal, será traduzido ano que vem pela Morro Branco!) o primeiro volume da série The Extraordinaries. Diverti-me imensamente com Nick, que é sem noção pra caramba, e se mete nas situações mais ridículas, mas não deixa de ser adorável. E o Seth é um fofo, a amizade dos dois dá vontade de apertar bochechas. Não é exatamente um livro surpreendente - você realmente enxerga de longe como tudo vai terminar -, mas entrega exatamente o que promete.

Assim é que o segundo volume (do que, claro, será uma trilogia…), Flash Fire, estava há meses na minha lista para esse ano e comecei-o tão logo ele chegou da pré-venda… e fiquei desapontada. Em parte, é o velho problema de criar muitas expectativas após se surpreender com um novo autor. Mas, nesse caso, também é um problema de ritmo e, de novo, expectativa, mas sob um outro ângulo.

A impressão que eu tive é que Klune fez uma lista das críticas que recebeu no primeiro volume (em especial a questão da violência policial) e do que o público mais esperava a seguir, e saiu fazendo cenas como uma espécie de checklist, elevando cada situação ao ponto mais estrondoso possível. Se Flash Fire fosse uma das fanfics escritas por Nick, ela teria a tag crack fic. Separadas, são cenas hilárias; juntas para compor uma história elas te fazem perder a credibilidade naquele mundo - o que é uma pena, porque Klune tinha feito um bom trabalho de criação de mundo em The Extraordinaries.


One Last Stop, de Casey McQuiston
Ano passado eu me diverti imensamente com Alex e Henry em Red, White and Royal Blue - tanto que terminaram como ‘O Casal’ na minha retrospectiva literária. Por isso Casey McQuiston foi outro nome que inseri na minha lista de autores para ficar de olho e, por consequência, One Last Stop entrou no meu radar meses antes de ser lançado e criei altas expectativas para ele.

August é uma jovem cínica, e solitária, que se muda para estudar em Nova York - e se afastar da obsessão investigativa da mãe, que vive em função de um irmão perdido na década de 70. Ela não acredita muito em deitar raízes ou estabelecer conexões com lugar algum - até cruzar no metrô com Jane - Jane com seus sorrisos e sua energia esfuziante, Jane que aparentemente está presa num lapso do tempo desde a década de 70, sem uma memória clara de como veio parar nessa situação.

O livro é divertidíssimo, tem ótimas tiradas e costura muito bem todos os fatos para fazer você acreditar nesse encontro impossível. Contudo… Bem, já comentei antes que às vezes é um tiro no pé esse processo de acumular anseios para uma narrativa. Assim é que, embora One Last Stop tenha me conquistado com seu elenco diverso, o mistério por trás do que aconteceu com Jane, e me deixado com desejo de comer panquecas, ele não teve o mesmo impacto que Red, White and Royal Blue, que li numa conjunção de fatores (no meio da campanha para a eleição americana de 2020) que fez uma enorme diferença no meu envolvimento com a história.


Heartstopper, de Alice Oseman
Heartstopper me pescou o olhar na hora em que vi o anúncio de sua publicação em português nas redes sociais da Seguinte. Eu gostei da arte e da sinopse, então fui pesquisar, descobri que a história ia virar série no Netflix e que a Oseman vem publicando os quadrinhos no Tapas. Pisquei e quando dei por mim, em dois dias tinha lido tudo, e já estava na expectativa de mais capítulos (a autora está em hiato por um tempo, depois de uma avalanche de trabalho, mas pelo menos o último arco que ela publicou ficou completo e não fechou num cliffhanger).

A série acompanha a jornada de dois adolescentes, Charlie e Nick, que parecem o oposto um do outro, mas que, ao começarem a se sentar ao lado um do outro numa classe, desenvolvem uma forte amizade que acaba virando amor. O relacionamento dos dois é construído de forma muito espontânea, com Charlie lidando com sua insegurança - depois de passar por um ano inteiro de bullying após ser revelado como gay na escola só para garotos que frequenta - e Nick se autodescobrindo, tentando entender seus sentimentos por Charlie e seu lugar no mundo.

A arte é muito fofa, de uma forma que realmente combina com o ritmo da história. E a Oseman consegue lidar com temas pesados de uma forma muito sensível - a revelação traumática da sexualidade do Charlie no passado e o impacto que isso teve sobre sua saúde mental, traduzidos numa desordem alimentar; o caminho de Nick em não apenas se descobrir como bissexual, mas se assumir para a família. Em torno deles há um elenco diverso e cativante, que te faz ir das gargalhadas às lágrimas, te acolhe, e consola. Essa é uma daquelas histórias que se revela um abraço em forma de livro. Adorável e apaixonante!


Nós e as Estrelas, de Kelsey Oseid
Cresci o olho nesse livro assim que a Darkside o anunciou por aqui. Não apenas pelo conteúdo - meu interesse pela astronomia é limitado ao deleite com a beleza de um céu estrelado e à curiosidade pela história daqueles que mudaram o modo de pensar sobre nosso lugar no universo -, mas pela apresentação: trata-se de um livro lindamente ilustrado, que encanta sem nem precisar de palavras.

Mas as palavras aqui usadas também são importantes. Oseid traz bastante informação, dos mitos por trás de cada nome para as constelações à ciência em torno delas, numa linguagem clara e didática, sem ser pedante. Só senti falta de uma carta estelar mostrando a localização das estrelas para que possamos identificá-las no céu. Seriam duas a quatro páginas mais, ou talvez um poster avulso, algo básico a se esperar de um título como esse.


Markheim: Uma História de Fantasmas de Natal, de Robert Louis Stevenson
Esse conto, disponibilizado pela editora Wish como parte da campanha de lançamento de sua antologia O Natal dos Fantasmas, começa com o narrador tentando comprar um presente de última hora, continua com um assassinato e segue com o aparecimento de uma entidade misteriosa prometendo fortuna e impunidade mediante um pacto sangrento.

Se Crime e Castigo encontrasse Um Conto de Natal, o resultado, provavelmente, não seria muito diferente de Markheim, contando ainda com uma pitada de tempero mefistofélico. Mas é uma história muito curta para explorar o potencial do enredo, do dilema do narrador entre destino, justiça e moralidade.

Ainda assim, é uma boa amostra para abrir o apetite na espera para a coletânea - e para ter um gostinho da tradição vitoriana de histórias de provocar calafrios em tempos natalinos.


Antropoceno: Notas Sobre a Vida na Terra, de John Green
Eu já tinha lido alguns dos romances do Green antes - mas quando ele começou a sair por aqui, eu já passara da idade do público alvo dele, de forma que o achei simpático, mas não excepcional. Muito mais cativante para mim foram seus vídeos sobre Literatura e História do Crash Course, que consumi com ávido apetite. Seja como for, quando esse volume foi lançado, o título me chamou a atenção - mas foi só depois de começar a lê-lo que descobri se tratar de uma compilação do conteúdo criado para o podcast The Anthropocene Reviewed (que agora estou ouvindo religiosamente).

Trata-se aqui de uma coleção de ensaios sobre o Antropoceno - termo cunhado por alguns cientistas para definir a presente era geológica, a partir do século XVIII, quando nossas atividades passaram a ter um impacto global significativo no clima e ecossistemas do planeta. O termo, derivado do grego, reconhece estarmos numa era centralizada no ser humano como principal catalisador de mudanças. E Green trata do assunto, usando um sistema de avaliação de cinco estrelas para temas tão distantes quanto o cometa Halley e um concurso de comer cachorros quentes.

Com um humor espontâneo e ligeiramente auto-depreciativo, sensibilidade e um genuíno entusiasmo em observar o mundo que nos cerca, Antropoceno: Notas Sobre a Vida na Terra celebra nossa capacidade de nos surpreender (aliás, um dos ensaios trata exatamente disso) e reflete sobre os efeitos de nossa atuação nem sempre benéfica ao planeta. Afinal, “quando as pessoas escrevem avaliações, estão, na verdade, escrevendo uma espécie de livro de memórias” pois, “no Antropoceno, não há observadores desinteressados; há apenas participantes”.


Never Say You Can’t Survive, de Charlie Jane Anders
Durante a pandemia, a Charlie Jane Anders começou uma série de artigos no Tor.com, tratando de como criar histórias pode nos ajudar a sobreviver a tempos difíceis. Ao final, os ensaios foram compilados neste volume - e, embora eu tenha lido acompanhando a publicação no site, a coletânea é daquelas que definitivamente quero ter na estante ou, melhor ainda, manter na cabeceira.

É um livro interessante para pensar sobre a escrita, mas aquilo em que ele se sobressai é na maneira como ele pensa no processo criativo como algo terapêutico, como uma maneira de você se encontrar, de fazer sentido, da sua dor, do seu medo, da sua raiva. Existe uma psicologia por trás da escrita, as engrenagens que nos fazem ter necessidade de inventar novos universos e povoá-lo com personagens.

Never Say You Can’t Survive realmente ressoou para mim - o suficiente para me fazer sair de uma longa estiagem narrativa e voltar a escrever contos, algo que vinha me fazendo muita falta. Só essa razão já seria suficiente para colocá-lo na minha lista de melhores do ano, mas a paixão que Anders consegue passar nessas páginas é um incentivo a mais. Recomendo demais!


Broken (in the best possible way), de Jenny Lawson
Alucinadamente Feliz é um dos meus livros favoritos, já recomendei para meio mundo de gente, dei de presente, emprestei (por sinal, preciso pedi-lo de volta antes que possam alegar usucapião dele…) e reli. Quando vi que ela estava para lançar um novo título esse ano, é claro que não resisti a ir atrás.

Broken continua a ser hilariante e doloroso, na forma muito humana como Lawson trata de sua saúde mental. Passei boa parte da leitura dividida entre dar altas gargalhadas e me enfiar debaixo da mesa abraçando os joelhos para tentar esquecer do mundo. Talvez por esse último ano ter aumentado meus problemas com ansiedade, Broken foi uma leitura mais árdua que Alucinadamente Feliz - embora continue na mesma veia de autobiografia episódica e anedótica.

Ao compartilhar sua jornada - e a longa luta com a depressão e outros problemas crônicos de saúde -, Lawson nos lembra a importância de se permitir vulnerabilidade e de aceitar o que é diferente e estranho. Esse é um daqueles volumes que realmente te faz ir de oito a oitenta, do cômico e do bizarro à reflexão.


Poems to Save the World With, de Chris Riddell
Esse volume faz parte de uma trilogia (até o momento) de coletâneas poéticas selecionadas e ilustradas pelo Riddell, cada uma com um tema central - no caso desse, o foco é ‘esperança’. Os outros são Poems to Live your Life By - que trata de tempo e crescimento - e Poems to Fall in Love With, cujo tema, claro, é amor.

Há autores clássicos e os usuais suspeitos em antologias desse tipo, mas também entram na seleção autores contemporâneos e até letras de música - e interpretações bastante atuais de poemas antigos, a partir da interpretação que Riddell faz ao juntá-los com suas ilustrações.

Sou suspeita para falar, porque adoro o estilo do Riddell e tenho vários volumes desenhados por ele aqui - em especial as parcerias que ele fez com o Neil Gaiman. Mas realmente gostei da forma como as imagens casam e comentam tão bem cada poema - e a seleção em si, foi excelente, gostei de todos os que foram apresentados. De forma geral, é um volume lindo, capa dura, delicado, perfeito para manter na cabeceira ou dar de presente.


A Coruja


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