14 de outubro de 2021

Mais Mortais que os Homens: Obras-primas do terror de grandes escritoras do século XIX


- E o que é isto, Paul? – perguntou Evelyn, abrindo uma caixinha de ouro manchada, examinando o conteúdo com curiosidade.

– Sementes de uma desconhecida planta do Egito – respondeu Forsyth, com uma súbita expressão nublada em seu rosto escuro, ao ver os três grãos escarlates na palma da mão alva levantada na sua direção.

– Onde as conseguiu? – perguntou a moça.

– Essa é uma história estranha, que só vai assombrá-la se eu lhe contar – disse Forsyth, com uma expressão distraída que mais atiçou a curiosidade da jovem.

– Por favor, conte-me, gosto de histórias estranhas, e elas nunca me assombram. Ah, conte-me; suas histórias são sempre tão interessantes – ela exclamou, com um olhar tão persuasivo e irresistível, que seria impossível recusar seu pedido.

– Vai se arrepender disso, e eu também, provavelmente.

Às vezes é um título que te chama a atenção; em outras, a capa te captura o olhar, ou ainda, é a sinopse que te abre o apetite. Há muitas razões para tirar um livro da prateleira, dependendo até do humor do dia. Fato é que Mais Mortais que os Homens apertou todos os botões certos para me fisgar, incluindo aí a conveniência de lê-lo antes de outubro para fazer parte das minhas resenhas para o All Hallow’s Read.

Trata-se de uma antologia reunindo vinte e seis contos de autoras pioneiras do terror - algumas hoje desconhecidas do grande público, outras muito famosas, embora em diferentes gêneros literários. Estão lá Mary Shelley, Louisa May Alcott, Edith Wharton, Elizabeth Gaskell… um elenco escolhido a dedo, muitas das quais me eram familiares por vir na esteira da leitura de Vitorianas Macabras e Monster, She Wrote. O interessante é que Davis fez questão de selecionar contos representativos do estilo dessas autoras, mas que não aparecem tanto em antologias. Com exceção de O Papel de Parede Amarelo, da Charlotte Perkins Gilman, eu não tinha lido antes nenhuma dessas histórias.

Cada conto abre com uma pequena biografia da autora e a edição brasileira veio repleta de notas explicativas que fazem uma enorme diferença para contextualizar as coisas. Pela introdução da tradutora, fiquei com a impressão de que boa parte das notas são uma exclusividade dessa versão em português, de forma que bato palmas para o cuidado dela e da editora.

Como toda antologia, Mais Mortais que os Homens tem seus altos e baixos. Há contos mais trabalhados, que te deixam com a respiração suspensa, outros cujas narrativas fantásticas atiçam mais o humor que o medo propriamente dito. Na maior parte do tempo, contudo, minha impressão foi de contos folclóricos, repletos de superstição e um sabor local (ou italiano, porque góticos têm uma certa fixação com a Itália), bem pouco aterrorizantes - mas não menos interessantes.

Um bom exemplo disso é A Porta Oculta, da Vernon Lee, que traz um narrador não confiável fazendo toda a diferença para o final da narrativa. Passei o conto todo curiosa, esperando para ver o que o narrador tinha libertado da câmara secreta (talvez um basilisco?) e cheguei no final dando risada. O Terreno Baldio, de Mary Wilkins-Freeman é de fato fantasmagórico, e há uma sugestão mais sombria de um crime inexplicado ao final; mas a cabeça dura do patriarca da família torna o conto cômico.

Em compensação, Inexplicado, de Maria Louisa Molesworth (cujo tamanho faz dele praticamente uma noveleta) me deixou realmente angustiada - mais pela sensação de impotência da narradora e sua família, e o senso de perigo real puxado pelo breve assédio sofrido por Nora que pela ameaça fantasmagórica que ali existe. À Solta, de Mary Cholmondeley me gelou o sangue quando o narrador se tranca na cripta e seu cão começa a agir de maneira estranha.

Há maldições de múmias, aparições de todos os tipos, mãos decepadas estrangulando pessoas por aí, vinganças frustradas e bem-sucedidas, traições, estátuas e xícaras de porcelana, missas sonhadas, cientistas malucos, assassinatos, casas construídas sobre túmulos esquecidos, mestres cruéis e castigos divinos.

Normalmente, sou uma medrosa para esse tipo de livro, mas devo confessar que contos clássicos de terror não me causam muito medo. Esse não é um daqueles títulos que vai te deixar de olho arregalado de noite, olhando paralisado para o canto mais escuro do quarto (ou se negando terminantemente a olhar), arrependido de não ter deixado o abajur ligado. Recomendo a leitura para amantes de romance gótico, curiosos ou estudiosos do terror - a organização cronológica faz do livro uma bela ferramenta de pesquisa - ou que se interessam pelo papel das mulheres na criação e popularização do gênero.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: Mais Mortais que os Homens
Autor: Graeme Davis (org.)
Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta
Editora: Jangada
Ano: 2021

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A Coruja


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