21 de outubro de 2021
The Five: a história não contada das mulheres assassinadas por Jack, o Estripador
Insistir que Jack, o Estripador, matou prostitutas também torna a história de uma série grotesca de assassinatos um pouco mais palatável. Assim como ocorria no século XIX, a noção de que as vítimas eram "apenas prostitutas" procura perpetuar a crença de que há mulheres boas e más; madonas e prostitutas. Sugere que existe um padrão aceitável de comportamento feminino e que as que se desviam dele devem ser punidas. Igualmente, ajuda a reafirmar o duplo padrão, exonerando os homens dos erros cometidos contra essas mulheres.
Lembro-me vagamente de quando estive em Londres sozinha, em 2014, descer do ônibus em Whitechapel a caminho de algum outro lugar, olhar as placas pelo caminho e pensar com meus botões "então foi por aqui que Jack andou fazendo das suas". Não cheguei a explorar nada no caminho, mas fiquei com o personagem na cabeça um bom tempo. Até cheguei a pensar em fazer um daqueles passeios guiados, mas não tinha tempo dentro da minha programação.
Quando comecei a ler The Five, recordei daquela caminhada e do fato de que, nem por um momento, pensei nas vítimas do assassino. Foi preciso Rubenhold e sua pesquisa para que o foco saísse do assassino para as vítimas esquecidas, desprezadas, vilipendiadas, reduzidas a detalhes sensacionalistas em jornais e ao rótulo de prostitutas. E daí já se tira a importância de ler esse livro - ele faz com que a gente questione a razão de, como sociedade, mantermos nosso fascínio no mistério em torno da identidade do assassino e simplesmente ignorar a existência de Polly, Annie, Elizabeth, Catherine e Mary-Jane, mantendo-as como meras figurantes do enredo.
Já se vão mais de cem anos desde os assassinatos de Jack, o estripador. Há vários documentos que ajudam a traçar o perfil dessas cinco mulheres, mas muito que atrapalha também - a falta de uma apuração aprofundada, despida de preconceitos - tanto por parte da polícia quanto da imprensa -, além de uma infinidade de testemunhos ambíguos ou absolutamente falsos são um desafio. Assim é que The Five tanto apresenta um retrato bastante crível da realidade que acabou colocando-as no caminho de Jack, como encerra em suas mais de quatrocentas páginas bastante especulação.
Talvez o ponto mais importante da investigação de Rubenhold é afastar o mito de que as vítimas do serial killer eram todas profissionais do sexo; uma imputação feita como que para culpá-las de sua vulnerabilidade, bastante típica do moralismo hipócrita da era vitoriana. Ainda que elas o fossem, não há justificativa para o que aconteceu, da morte violenta ao assassinato de suas reputações; para a maneira como suas vidas foram reduzidas apenas ao título de prostitutas e estripadas de tudo o mais que construía sua identidade.
O que The Five deslinda é a forma como a sociedade falhou com essas mulheres: os preconceitos que seguiam esposas que se separavam de seus maridos, a falta de oportunidades de trabalho, um sistema de auxílio social mais brutal que se manter em situação de rua, uma polícia intolerante e despreparada. Rubenhold não dá espaço à exploração dos crimes em si; não há conjecturas sobre a identidade de Jack, reconstituição dos assassinatos, detalhes mórbidos. Para além dos fatos concretos que ainda existem sobre Polly, Annie, Elizabeth, Catherine e Mary-Jane, há o estudo do contexto histórico-social da Londres vitoriana, especialmente para as mulheres da classe trabalhadora - da qual muitas delas vieram originalmente -, e da pobreza miserável que representava Whitechapel no imaginário coletivo.
O que é fascinante é que Rubenhold consegue descrever tudo de forma tão vívida que nos sentimos de fato transportados no tempo - sentir o ar viciado, as ruelas claustrofóbicas, a cacofonia das casas de trabalho. É uma não ficção que te absorve como um thriller, daqueles que não queremos largar antes de chegar ao final. Ao mesmo tempo, é uma leitura dolorosa, daquelas que te fazem abrir os olhos para os próprios preconceitos, que te fazem questionar padrões pelos quais normalmente passamos batidos.
Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)
Ficha Bibliográfica
Título: The Five
Autor: Hallie Rubenhold
Tradução: Carolina Caires Coelho
Editora: Wish
Ano: 2021
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Apoiei esse projeto também, e este livro é o próximo da lista para ser lido. O que me chamou atenção para ele, na época, foi justamente o fato de dar visibilidade às vítimas, contar suas histórias, em vez de tratá-las apenas como "prostitutas dando sopa para assassino nas madrugadas londrinas".
ResponderExcluirVale comentar ainda o costumeiro cuidado editorial da Wish, o livro também é visualmente lindo!
O trabalho gráfico da Wish é sempre de deixar a gente babando... esse foi um dos melhores livros que tive o prazer de ler esse ano, e super recomendo que você o passe à frente de tudo!
ExcluirQuero ler
ResponderExcluirVale muito à pena!
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