22 de outubro de 2019

Monster, She Wrote - As Mulheres que Foram Pioneiras no Horror e na Ficção Especulativa


Por que mulheres são ótimas em escrever ficção de horror? Talvez porque o horror seja um gênero transgressor. Ele força os leitores a lugares desconfortáveis, onde não estamos acostumados a pisar, e a confrontar o que naturalmente queremos evitar.

E mulheres são acusadas de serem transgressoras o tempo todo - ou, pelo menos, elas estão acostumadas a pisar fora das fronteiras cuidadosamente desenhadas que a sociedade colocou para elas. É dito às mulheres o que fazer e quem elas podem ser. Elas são ensinadas a serem dóceis, a cuidar das crianças, a ficar em seu lugar. Elas são empurradas para as margens da sociedade, onde é esperado que elas fiquem de boca fechada e cabeça abaixada. A marginalização feminina pode ter sido mais escancarada no passado, quando elas não podiam votar ou possuir bens ou trabalhar fora de casa, mas acontece ainda hoje. Mulheres ainda são instruídas a serem boas meninas.

Em qualquer era, elas se acostumaram a entrar em lugares desconhecidos, incluindo território do qual foi dito que elas não deveriam entrar. Quando escrever é um ato fora dos seus limites, contar sua própria história se torna uma forma de rebelião e de tomar de volta o poder.

Descobri esse livro na newsletter do Goodreads, entre os lançamentos do mês passado. Título, capa, sinopse; tudo conspirou para me chamar a atenção e embalada pelo espírito do All Hallow’s Read, providenciei o e-book e comecei a lê-lo quase de imediato. Não tinha terminado nem a primeira parte do livro ainda e cheguei à conclusão de que esse era um livro que eu precisava ter físico: o projeto gráfico é primoroso, lúdico, um daqueles volumes que faz gosto possuir. Para além da leitora, meu lado colecionadora foi fisgado ali.

Não falo isso apenas pela aparência; Monster, She Wrote é um valioso volume de referência. Fiz um monte de anotações de autoras e títulos para leituras futuras e pesquisas. O texto é bastante didático, além de bem humorado e inteligente nas comparações com escritores modernos mais conhecidos do grande público.

O livro é dividido em oito partes, sete delas agrupando escritoras por tema e época - pioneiras, contos de fantasmas, ocultistas, pulp fiction, casas assombradas, popularização do gênero nas décadas de 70 e 80, e novas góticas - com a última seção tratando do futuro do horror e da ficção especulativa. Cada autora tem uma pequena biografia, cuidando da importância das mesmas para o gênero, análise de seu estilo, além de sugestões de leituras e em outras mídias - autores que fazem referência ou são modelos para a biografada; adaptações de obras, outros filmes que tenham tirado inspiração delas. Há páginas de citações e quadros informativos (alguns fazendo graça de estereótipos), tudo isso acompanhado de ilustrações cartunescas que combinam bem com o estilo do texto.

São pouca mais de quarenta biografadas, mas há muitas outras escritoras citadas ao longo do texto, especialmente entre as indicações de obras relacionadas e na última parte do livro. Nomes atuais se cruzam com tricentenárias, contextualizando inspirações numa verdadeira genealogia do horror.

Uma coisa que é importante notar é que muitas das escritoras mais antigas - especialmente as ‘mães fundadoras’ do gênero - têm bem poucos fatos anotados de suas histórias pessoais. A não ser que elas estivessem envolvidas em algum escândalo (posso dizer que fiquei fã de Margaret ‘Mad Madge’ Cavendish?), suas vidas foram quase invisíveis. Por uma dessas curiosas coincidências, eu comecei esse livro no mesmo dia em que iniciei Mulheres e Ficção da Virginia Woolf e o ensaio que dá título à coletânea parecia ser um comentário a essa observação:

De nossos pais sempre sabemos alguma coisa, um fato, uma distinção. Eles foram soldados ou foram marinheiros; ocuparam tal cargo ou fizeram tal lei. Mas de nossas mães, de nossas avós, de nossas bisavós, o que resta? Nada além de uma tradição. Uma era linda; outra era ruiva; uma terceira foi beijada pela rainha. Nada sabemos sobre elas, a não ser seus nomes, as datas de seus casamentos e o número de filhos que tiveram.”

Pessoalmente, eu não conhecia muitas das escritoras citadas no livro. Das fundadoras, somente Mary Shelley e Ann Radcliffe me eram familiares. Elizabeth Gaskell eu li os romances e nem sonhava que tivesse um pé no horror. Mais recentes, tinha ciência só de nome da Shirley Jackson (que está na minha lista de futuras leituras), Daphne du Maurier (algum dia hei de ler Rebecca) e Toni Morrison; Anne Rice e Angela Carter eram das poucas que eu já lera alguma coisa.

Monster, She Wrote faz parte de um fenômeno editorial interessante, de livros que resgatam a história de mulheres em todos os campos de atuação, para servir de modelo e inspiração para novas gerações. O primeiro do tipo de que me lembro ter visto foi o excelente Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes, em 2017; desde então, vários títulos na mesma linha foram lançados, sempre com um projeto gráfico de encher os olhos e uma mensagem importante sobre papéis femininos ao longo da história.

Terminei o livro encantada com todo o material apresentado e a forma como essa apresentação é feita. E com uma lista do tamanho do meu braço de novas (antigas) escritoras por ler. Monster, She Wrote é uma boa obra de referência, que indico fortemente para quem se interessa sobre literatura de horror e/ou feminismo. Para ter na estante, definitivamente.

p.s.: as autoras do livro fazem parte de um podcast sobre horror chamado Know Fear. Uma boa pedida para quem não apenas é fã do gênero como se interessa pelo lado mais acadêmico da coisa.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)

Ficha Bibliográfica

Título: Monster, She Wrote: The Women Who Pioneered Horror and Speculative Fiction
Autor: Lisa Kröger e Melanie R. Anderson
Ilustrações: Natalya Balnova
Editora: Quirk Books
Ano: 2019

Onde Comprar

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