16 de junho de 2023

Resumo da Ópera - Acelerado em 3x na Via Expressa


Fazendo um balanço do meu sabático, cheguei a conclusão de que, mesmo sem me colocar a obrigação de resenhar o que leio (e de escolher minhas leituras já pensando em resenhá-las), não houve muita diferença na quantidade de volumes que me passam pelas mãos: continuo devorando tudo de forma rápida e voraz.

Mesmo sem ter colocado oficialmente metas de leitura para o ano (“vou ler um livro por semana” ou “vou terminar a bibliografia de fulano e sicrano”), ou prazos de qualquer tipo (exceto para as leituras do clube do livro, por razões óbvias), cheguei à conclusão que estou tão ‘treinada’ em certos comportamentos que continuo a ter dificuldade de diminuir o ritmo e, bem, essa era a verdadeira meta para esse ano.

[E isso me faz lembrar uma tirinha do Raphael Salimena sobre a produtividade do lazer…]

Devo me resignar simplesmente a ser uma pessoa meio acelerada mesmo quando não estou acelerando rumo a um objetivo específico? Coisas para discutir na terapia…

Enfim, elucubrações sobre a velocidade da vida cotidiana à parte, o que não mudou (e nem faço assim tanta questão de mudar) é a vontade de trocar figurinhas sobre as coisas que leio. O que significa que… sim, estamos na época de mais um maravilhoso Resumo da Ópera por aqui no blog.

‘Bora aos finalmentes…


Cartas a Théo, de Vincent Van Gogh
Quando anunciaram que a exposição interativa do Van Gogh chegaria por aqui, comprei meu ingresso com três meses de antecedência e fui atrás de ler as cartas que ele escreveu para o irmão como preparação. Mas eu já tinha uma longa história de amor e compaixão pela figura do pintor - na época da escola, uma amiga que era quase obcecada por ele convenceu-nos a tê-lo como tema do nosso trabalho da feira de ciências, e o grupo inteiro acabou caindo de cabeça na história.

Não sou pintora, só desenho boneco de palitinho; nem entendo o suficiente de teoria de cores ou estilo de pincelada para falar com precisão sobre as características pelas quais Van Gogh ficou tão conhecido no mundo da arte. Mas sei da emoção que me inspira ver seus quadros, o que senti quando tive oportunidade de visitar alguns deles pessoalmente no D’Orsay. E essa carga emocional se torna muito maior quando entendemos o contexto em que tais obras foram criadas.

Conhecer Van Gogh por suas cartas foi agridoce. Sua sensibilidade artística era apurada não apenas para as telas, mas também para as palavras - há trechos dessas epístolas que são pura poesia. Por outro lado, o sofrimento e melancolia que acompanharam-no por toda a vida são visíveis em cada linha, e é possível perceber o declínio de sua sanidade. Cartas a Théo é um livro pungente, que convida a várias reflexões, e abre uma brecha na psiquê de um dos maiores artistas modernos. Emocionante.


Ideologias, de Gabriela Priori
Direto ao ponto sem ser excessivamente resumido, didático com pitadas de bom humor e pensado para provocar a reflexão e sair do lugar comum de usar certos termos como insultos genéricos. Ideologias é uma boa introdução ao assunto e, num ambiente menos intolerante e extremado, valeria a pena compartilhá-lo com seu grupo (o zap da família?) para levar ao debate.

Até fiquei com vontade de enviar meia dúzia para algumas pessoas que não têm noção dos delírios que falam, mas desconfio que o presente seria visto como uma ofensa? enfim, gostei, cumpre o que se propõe a fazer e pode bem surpreender quem está acostumado a pensar em ideologia como algo preto no branco.


Tirando de Letra, de de Chico Moura e Wilma Moura
Para o que se propõe, esse livro acerta em cheio. São boas dicas de escrita, sem preocupações com extremo formalismo e sempre acompanhadas de exemplos práticos.

Não é um manual voltado ao escritor de literatura - como uma oficina de escrita, por exemplo - , mas sim um compêndio de orientações gerais, que servem para todo mundo (mas também ao já citado "escritor") que precisa escrever um texto claro, objetivo, quer seja um trabalho de faculdade, redação do ENEM, ou tantos artigos para várias finalidades.

Conciso e bem organizado na forma como se orienta para as dúvidas mais comuns, Tirando de Letra é uma boa pedida para manter a mão e consultar sempre que precisar entregar um texto para avaliação ou para o público.


Discursos contra Hitler: Ouvintes Alemães!, de Thomas Mann
Terminei Discursos contra Hitler com uma enorme vontade de começar imediatamente na ficção de Thomas Mann. Ao mesmo tempo, terminei pensando em como esses discursos - escritos para serem lidos no rádio entre 1941 e 1945 - tocam em pontos e feridas abertas muito recentemente. Tanta coisa que Mann fala, tanto que ele fala dos crimes e exorta em termos de resistência é, infelizmente, familiar...

Não é surpresa, considerando que vimos nesta última década um ganho cada vez maior de terreno para discursos fascistas, nacionalistas, anti-imigração, intolerantes em todas as suas vertentes.

Não se pode perder de vista que são peças de propaganda, uma parte importante na máquina de guerra contra os nazistas. Talvez por isso, a despeito da extraordinária lucidez que permeia esses discursos, há uma defesa do regime de Stálin que me incomodou. Eu me pergunto se Mann tinha alguma noção do que estava por vir pelo lado da URSS, se ele era ingênuo ou apenas pragmático. Não conheço o suficiente da biografia dele para ter uma opinião, mas lidos quase oitenta anos depois, há uma certa ironia nessa questão.

Enfim, considerando o quanto algumas dessas peças e falas me deixaram eletrizada, não posso negar o poder delas, e pensar no impacto que tiveram enquanto a guerra se desenrolava. Mann tinha uma voz poderosa e usou-a com maestria para defender suas convicções. Agora quero ir atrás dos romances, o conjunto da obra que lhe rendeu não apenas o Nobel literário em 1929, mas também o ódio do regime nazista (que lhe retirou a cidadania alemã inclusive).


Fangirl, de Rainbow Rowell
Fangirl está na minha lista há, talvez, uma década e pouco. O que primeiro me chamou a atenção nele foi, claro, a sinopse referenciando fanfics - o que aconteceu numa época em que eu não apenas lia, como também escrevia esse tipo de história. Achei que ia amar o livro, por ele fazer parte de uma cultura em que eu mesma me inseria.

Por uma razão ou outra, sempre acabava adiando; não por conta de qualquer crítica ou coisa parecida, mas porque sempre havia alguma outra prioridade na agenda. Ironicamente, embora esse aqui estivesse na fila há mais tempo, passei outros livros da autora na frente e, embora não os tenha achado ruim, não posso dizer que consegui me conectar com eles… o que me levou a continuar adiando meu encontro com Fangirl, desconfiada de que acabaria me decepcionando com ele.

Enfim, vi o mangá que está sendo lançado com base nele, folheei, fiquei curiosa e acabei por ler os dois volumes disponíveis (o terceiro de um total de quatro está previsto para esse ano) num único dia. Sem ter o final na versão em quadrinhos, migrei para o livro para terminar a história e não me arrependi - especialmente, não me arrependi de ter lido metade em quadrinhos e metade em prosa.

Fangirl tem uma história fofinha, que trata de família, relacionamentos e encontrar seu lugar no mundo. E é isso: é fofo, mas nada particularmente extraordinário. O romance tem sérios problemas de ritmo, algo que se resolve bem melhor na adaptação para quadrinhos. São mídias diferentes e a possibilidade de narrar o que está acontecendo através de imagens ajuda a limpar a prosa repetitiva do livro - inclusive para tornar a protagonista mais simpática ao leitor.

Sério, fiquei com a impressão de que teria achado a Cath insuportável se tivesse começado pelo livro em vez da HQ, porque passamos muito tempo enrolados nos pensamentos dela, suas recorrentes crises de insegurança e justificativas para não interagir com o mundo. A Sam Maggs fez um baita trabalho de adaptação, extraindo o que havia de melhor no original.


Great Short Books, de Kenneth C. Davis
Essa foi uma das minhas primeiras leituras desse ano e não faço a menor ideia de como esse volume entrou no meu radar, mas sou grata assim mesmo. A premissa é exatamente o que promete o título: Davis apresenta cinquenta e oito noveletas, livros com menos de 200 páginas, que ele leu durante um ano - no auge da pandemia -, costurando alguns comentários pessoais com contexto da obra e do autor, sugestões de mais leituras, etc, etc.

Não chega a ser um volume de crítica, porque ele não se aprofunda muito nos temas e significados de cada título. É mais como um livro de pequenos “perfis” em que o gancho é menos a biografia e mais uma obra escolhida de cada autor a ser apresentado. Davis é mais conhecido como um autor de História e, como tal, concentra-se mais nos fatos que em interpretação.

Não se trata de um livro excepcional, ou com uma ideia super-original - pesquise na internet e vai encontrar um monte de listas de indicações literárias, de todos os tipos, de acordo com o gosto do freguês. Mas é uma compilação interessante, que tenta trazer alguma diversidade para o que alguns considerariam cânone e funciona como um bom material de referência (ótimo para quem organiza clubes de leitura ou desafios literários).


Independência do Brasil: as mulheres que estavam lá, de várias autoras
Ganhei esse de presente ano passado - o que faz muito sentido, a se considerar que faço aniversário quase emendado no feriado de 07 de setembro. Demorei um pouco para começar, mas uma vez tendo tirado ele da estante, foi daquelas leituras de um dia só - tanto por ser um volume curtinho, quanto por não ter conseguido largá-lo uma vez iniciado.

São sete perfis de mulheres brasileiras ligadas a movimentos de independência brasileira ocorridos em várias épocas e diferentes lugares do país; cada um deles escrito por uma pena diferente, num misto de romancistas e historiadoras. Esses estilos diferentes podem causar estranheza no cômputo geral, mas, pessoalmente, gostei dessa alternância de autoras, de vozes - em nenhum momento me cansei da prosa e cada novo capítulo trazia uma surpresa.

E foram muitas as surpresas, de fato. De todas as mulheres apresentadas ao longo das pouco mais de duzentas páginas do livro, a única que eu conhecia de fato era a Imperatriz Leopoldina. Essas personagens, que foram tão importantes em nossa História, foram relegadas a notas de rodapé - isso se houvesse alguma nota/marido a quem associá-las.

Independência do Brasil: as mulheres que estavam lá é uma ótima pedida para quem se interessa pela nossa História; e uma excelente introdução para o papel feminino em nossa política ao longo dos últimos dois séculos. Destaque para as notas bibliográficas com várias sugestões de leituras para se aprofundar ao final de cada capítulo.


Old Babes in the Wood, de Margaret Atwood
Estava de olho nesse livro desde o ano passado, quando descobri que seria lançado. Atwood é uma das grandes escritoras da atualidade, mas li relativamente pouca coisa dela - mais seus ensaios (que são excelentes) que sua ficção (que, sinto, tem um certo potencial traumatizante para mim). Enfim, querendo me aventurar por sua bibliografia, pareceu-me fazer sentido em mergulhar na mais recente antologia de contos dela.

Primeiro de tudo então: gostei muito de Old Babes in the Wood. Não há nada muito fora da realidade nessas histórias - algumas exceções ficam por conta da lesma kafkaniana que se descobre num corpo humano -, mas é exatamente a forma como Atwood trabalha o prosaico e cotidiano que conquistam aqui. Considerando que muita gente celebra sua exploração de distopias e ficção científica (com alguns apocalipses pelo caminho), talvez haja quem torça o nariz, mas, tendo eu começado sem grandes expectativas, também não corri risco de desapontamento.

São dois “ciclos” de contos, com os que trazem o casal recorrente Nell e Tig formando o bolo principal do livro, mas com um tema em comum para todos eles: perda e luto. A certa altura dos trabalhos, lembrei do ensaio que ela escreveu em Burning Questions sobre a perda do marido, e não consegui deixar de relacionar a ficção com a realidade, de pensar que haveria algo de autobiográfico na figura de Nell rememorando o passado, lidando com a realidade da viuvez.

Não sei se pelo fato de que tenho refletido e lido muito sobre morte e o processo do luto, mas esse foi um daqueles títulos que me encontrou no melhor momento para elevar minha apreciação por sua narrativa. Eu dei risada e me emocionei, tive de parar alguns momentos para refletir melhor sobre as ideias que ela me inspirava, e terminei satisfeita com todas as histórias pelas quais passei na antologia.


Histórias de Miss Marple, de várias autoras
Sendo uma fã inveterada da grande dama do crime, enchi os olhos quando vi os primeiros anúncios deste livro, especialmente porque conhecia algumas das autoras convidadas para a coletânea. Mas controlei minha empolgação, porque sei que em coleções do tipo, as histórias costumam ter uma qualidade bem variável, do tipo, você começa com um conto mediano, segue-se um fenomenal e outro um tanto medíocre… que foi exatamente o que aconteceu aqui.

E foi exatamente isso que aconteceu aqui. Houve contos em que descobri o assassino antes mesmo de o assassinato ocorrer (as pistas estavam um tanto óbvias… mas tudo bem); outro em que não havia nenhuma pista real para que você tentasse desvendar o que aconteceu (o assassino nem aparece em cena; toda a resolução ocorre longe das vistas do leitor); mas também alguns plots geniais que souberam capturar de forma exemplar o espírito de Miss Marple.

Os detetives de Christie são famosos mais pelo seu conhecimento da alma humana que pelo faro atrás de evidências escondidas. Tendo passado a vida inteira num vilarejo do interior, Miss Marple sabe o valor de se fazer invisível, quase banal - apenas uma senhorinha frágil com seu tricô -, de saber ouvir (é sempre possível destrinchar muitas das tensões que correm subterrâneas no elenco ao ouvir o que eles têm a fofocar), e de se utilizar das histórias que lhe são familiares do passado para puxar o fio do presente.

Ela desvenda mistérios não por se manter incrivelmente informada com o noticiário mais recente, mas sim por ser uma profunda observadora (e, às vezes, meter um bedelho) do vai-e-vem de St. Mary Mead. Os contos que souberam reconhecer sua natureza, e até seu simpático provincialismo, são os melhores do livro. Como fui vacinada, sem grandes expectativas, foi uma experiência satisfatória. Mas a original ainda é melhor.


Talvez você deva conversar com alguém, de Lori Gottlieb
Não esperava gostar tanto desse livro quanto gostei. O que é engraçado, porque não tinha qualquer tipo de expectativa para ele, nem mesmo de vê-lo comentado por alguém - apenas a curiosidade causada pelo subtítulo, pensando na minha relação com minha própria terapeuta. Mas é sempre uma experiência divertida se deixar levar pela simples curiosidade de tentar entender como uma coisa funciona em vez de começar uma leitura já com uma certa agenda (do tipo “quero entender o hype desse título”).

Talvez você deva conversar com alguém é uma amálgama de histórias que se cruzam no consultório da autora - incluindo a história dela mesma. Não se trata de um livro para você fazer sua própria terapia ou coisa parecida, não se trata exatamente de auto-ajuda (embora haja muitos insights que o leitor definitivamente pode aplicar a si mesmo). Mas é uma jornada de autodescoberta particularmente interessante pela maneira como puxa a questão de que estamos o tempo inteiro montando nossas próprias narrativas para fazer sentido do que acontece no nosso cotidiano, dos nossos traumas e arrependimentos.

Faz muito sentido que alguém que goste de ouvir histórias se torne terapeuta - que é uma das razões pelas quais Gottlieb escolhe seguir a profissão. E é também minha razão para ter gostado tanto do livro.

Lori e o rompimento conturbado com o Namorado, John e sua certeza de que está cercado de idiotas, Rita e seus mórbidos planos para seus 70 anos, a coragem e autenticidade de Julie… e, claro, as conversas de Lori com Wendell, seu terapeuta, e a forma como ela vai desbastando o conto que montou sobre sua razão para estar na terapia.

É uma história de final em aberto (afinal, a terapia termina, e a vida continua), com muitas idas e vindas - a alternância entre sessões de diferentes personagens com as próprias memórias da autora podem tornar a leitora um pouco quebrada para quem não está acostumado com esse tipo de narrativa mais fragmentada -, mas vale a pena conhecê-la. Fiquei com gosto de quero mais.


Cartas Extraordinárias: Mães, de vários autores
Esse livro faz parte do projeto Letters of Note, organizado pelo Shaun Usher: quando estava pensando no que seria meu presente de dia das mães esse ano, lembrei de tê-lo visto quando estava às voltas com o volume de Cartas Extraordinárias e descobri que livros menores e temáticos também tinham sido lançados dentro da mesma coleção.

Enfim, claro que antes de presentear D. Mãe, tive de ler para saber se era condizente com o que eu queria. E sim, cheguei à conclusão de que ele era uma ótima escolha para a ocasião. Sendo um volume de cartas, ele tanto funciona bem para o leitor voraz que devora o volume inteiro de uma sentada só (eu), quanto para aquele que prefere ler algumas páginas de cada vez e depois de vários dias voltar sem precisar se lembrar do que já lera antes (minha mãe). Alternam-se humor, conselhos, anedotas, traumas, despedidas e agradecimentos, em epístolas de mães para filhos e de filhos para mães.

Curto, numa edição pequena boa de carregar na bolsa, capaz de te fazer soltar gargalhadas ou arrancar lágrimas - e de tocar com a familiaridade de muitas das situações narradas nas cartas - é realmente um presente maravilhoso para dar a uma mãe em qualquer ocasião. Mais perfeito ainda se o filho se inspirar em escrever sua própria missiva, à parte ou numa dedicatória (ou, se for do tipo que gosta de uma edição anotada, encher as margens com comentários para compartilhar com sua figura materna). Fica a dica.


A Coruja


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