7 de novembro de 2022

Presença de Antígona: o poder subversivo dos mitos antigos


Antígona foi encenada pela primeira vez em Atenas, em (supõe-se) 442 a.C. Hoje é encenada no mundo inteiro. Desde 2016 tem sido apresentada, com outro enfoque, em Ferguson, no Missouri, e em Nova York. Antigone in Ferguson foi criada por Bryan Doerries depois do assassinato de Michael Brown Jr, rapaz de dezoito anos, por um policial, em 2014. É a leitura de uma adaptação da peça de Sófocles seguida por uma discussão com integrantes da comunidade, policiais e ativistas, sobre raça e justiça social.

Por que não se limitar a escrever uma peça sobre a morte de Michael Brown? Por que recorrer a Antígona para refletir sobre essa tragédia? Parte da resposta deve ser que o mito nos permite investigar situações extremas sem cair na deselegância de dramatizar detalhes específicos da morte de um jovem. E por isso os gregos antigos tomavam a mitologia como material para as tragédias. Peças encenadas sobre eventos contemporâneos causavam muito sofrimento a quem assistia. Os mitos gregos abordam também temas difíceis, sobre abusos de poder e fraquezas humanas. A possibilidade de explorar questões como, por exemplo, o que torna boa uma liderança ou como resistir ao Estado fascista permite projetar diretamente esses temas em eventos particulares locais.

Esse livro me conquistou de cara pelo título e subtítulo - sério, adoro quando se fala no clássico subvertendo expectativas. É um volume curtinho, de leitura bem rápida e fluida, que costura referências modernas com mitologia, exploradas especialmente de um ponto de vista feminista.

Em certa medida, Presença de Antígona me lembrou o trabalho da Natalie Haynes em Pandora’s Jar. A diferença é que o foco de Haynes, embora traga muitas referências modernas, é a interpretação mesma dos mitos; já Morales utiliza os mitos para jogar luz em questões contemporâneas, sendo esse debate o ponto central do livro.

Assim é que Morales traz as Amazonas, Lisístrata e suas compatriotas, Hipócrates, Ovídio e suas Metamorfoses, Diana, e a própria Antígona (entre tantos outros) para reflexões sobre violência armada nas escolas, a liderança de figuras como Greta Thunberg, Malala Yousafzai e Beyoncé, apropriação cultural, imposição de padrões de beleza e dietas insanas, o movimento #MeToo, busca por identidades não binárias, e por aí afora.

Parte da ideia aqui é apresentar essas figuras dos mitos greco-romanos - tão imbuídas no tecido cultural ocidental, parte de uma herança latina que se tornou globalizada - como referências modernas de ativismo social. Mitos que, em sua origem, foram utilizados para reforçar padrões patriarcais, retomados sob uma nova forma de resistência.

Há muitos insights interessantes, e outras interpretações que me pareceram forçar a barra para se encaixar no tema de que a autora desejava tratar. Não é exatamente um problema, porque, no final das contas, o estilo informa, e a mistura de ensaístico e biográfico abrem espaço para como a autora decide definir seus textos-base. Como diria Eco, os limites da interpretação passam também pelas experiências que o leitor traz como bagagem ao fazer sua leitura.

De maneira geral, Presença de Antígona é uma abordagem criativa e surpreendente dos velhos mitos aplicados aos problemas de sempre. Vale a pena a leitura, especialmente como um texto introdutório para debates e reflexões sobre a intersecção dos mitos que são fundacionais de nossa sociedade e o uso que podemos fazer deles para subverter expectativas e abrir interpretações.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: Presença de Antígona: o poder subversivo dos mitos antigos
Autor: Helen Morales
Tradução: Angela Lobo de Andrade
Editora: Rocco
Ano: 2021

Onde Comprar

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A Coruja


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2 comentários:

  1. Olá!

    Que interessante... Eu não conhecia esse livro, vou procurar para lê-lo, pois estou numa vibe de ler obras envolvendo Mitologia Grega, hahaha.

    Até mais,

    Samantha

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    Respostas
    1. Somos duas, Samantha! Eu cheguei a conclusão que vou de ciclos, às vezes me canso, mas sempre acabo retornando a mitologia. E é bom ter esse aprendizado, essa possibilidade de enxergar velhas histórias por pontos de vista que não suspeitávamos antes - possibilidades e interpretações que não tinhamos notado. É uma maneira interessante de compreender como evoluímos como leitores também.

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