14 de novembro de 2022

Toil & Trouble: uma história do Oculto pela ótica feminina


E assim, chegamos à ideia de bruxaria e ocultismo como ativismo, como rebelião. Após tudo o que vimos, o título de bruxa, com todas as suas conotações complicadas, foi reivindicado com entusiasmo.

Estiquei o olho para Toil and Trouble tão logo me dei conta de que se tratava de uma obra das mesmas autoras de Monster, She Wrote. Aqui, contudo, em vez de uma coletânea de breves biografias de escritoras pioneiras no horror/terror, Lisa Kröger e Melanie Anderson nos apresentam um apanhado histórico feminista do que chamamos, de forma genérica, de Oculto.

Pelo tema, era para eu ter resenhado esse volume durante o All Hallow’s Read, mas questões de tempo e outros compromissos só me permitiram terminá-lo agora. Enfim, está valendo…

De forma geral, Toil and Trouble é uma leitura interessante, rápida e cativante, mas que se ressente de um trabalho melhor de editoração. Falta certa linearidade da apresentação das figuras históricas escolhidas, indo e voltando no tempo, em diferentes temas e até julgamentos.

Num momento estamos lendo sobre a histeria em Salem, no fôlego seguinte estamos pulando de Samantha, de A Feiticeira para Elvira, A Rainha das Trevas e questões de representatividade e visibilidade trans. Convivem no mesmo espaço médiuns (sobre as quais várias vezes termina-se o perfil lançando a questão da fraude); detetives sobrenaturais (incluindo especialistas em desmascarar as já citadas médiuns); fundadores da Wicca; bruxas modernas que tomaram o título como forma de ativismo e performance social, pânico satanista/comunista com maior acesso feminino ao trabalho fora de casa, e por aí afora.

Em parte, o livro me lembrou muito Mulheres Confiantes, da Tori Telfer, um livro sobre golpistas que usam principalmente da credulidade do público para fazer suas trapaças (aliás, algumas personagens de Toil and Trouble me eram familiares por causa dessa outra leitura). De outro turno, ele também segue a linha de História da Bruxaria, de Jeffrey Burton Russell e Brooks Alexander, investigando a caça às bruxas, suas consequências e a mentalidade que permitiu tais perseguições. São duas ótimas referências comparativas, exceto pelo detalhe de que há algo antagônico entre elas.

O ponto principal do livro é que as mulheres se voltaram para o ocultismo como uma forma de se fazerem ouvir numa sociedade que as relegava continuamente a papéis subalternos e silenciosos. Elas exploram a ideia de que, em tempos antigos, qualquer tipo de independência feminina poderia fazer valer uma acusação de bruxaria; mas, a partir do século XIX, com a ascensão de espiritualismo como religião, mulheres médiuns podiam se sustentar financeiramente com amostras de seus poderes e também apresentar opiniões na esfera pública com a perfeita desculpa de estarem incorporando espíritos - algumas médiuns negras puderam falar contra a escravidão dessa maneira.

Até aí, maravilha. Só que uma parte dessas médiuns e ocultistas não estavam apenas tentando conquistar espaços que lhe eram negados, ícones de um proto-feminismo que toma para si o termo “bruxa” e o ressignifica - elas estavam espoliando pessoas vulneráveis, que, no mais das vezes, tinham perdido entes queridos e estavam desesperadas para encontrar algum tipo de consolo. E as próprias autoras reconhecem quando essas médiuns estavam se utilizando de truques para enganar os mais (ou mesmo os menos) crédulos.

Entre um capítulo e outro você é apresentado a essas figuras primeiro como ícones pioneiras, e depois, como golpistas, desmascaradas por outra série de mulheres também admiráveis, que se especializaram em encontrar essas "predadoras". Há primeiro uma tentativa de isenção, depois o julgamento do que é socialmente aceitável, mas aí se deixa implícita uma admiração pelo que elas foram capazes de fazer porque, afinal de contas, elas eram "contra o patriarcado". E aí vem o que me incomoda: se é para celebrar, então o faça abertamente e sem pudores, mas não venha com firulas.

Talvez o maior problema seja o formato em que todas essas mulheres, suas ideias e contextos são apresentados, com perfis separados. As mesmas informações, num texto ensaístico, em que as autoras pudessem argumentar à vontade, para além dos dados biográficos, funcionaria muito melhor. Não estou falando em reescrever a História, em deixar de fora aquilo que é menos abonador às biografadas, mas explorar melhor a conjuntura dos fatos. Fora que um ensaio te permite ser bem mais pessoal e assumir suas opiniões.

Toil and Trouble quer ser abrangente, e acaba despejando tudo no mesmo caldeirão, mesmo quando os ingredientes não combinam bem. Não é um livro ruim, pelo contrário, há muita coisa fascinante nele; mas, continuando minha metáfora gastronômica, há tempero demais na mistura e às vezes você deixa de reconhecer os sabores de base porque só sente a pimenta. De novo, uma série de ensaios, cada um num único tema, com um encadeamento mais fechado, teria funcionado melhor.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: Toil and Trouble: A Women's History of the Occult
Autor: Lisa Kröger e Melanie R. Anderson
Ilustrações: Caitlin Keegan
Editora: Quirk Books
Ano: 2022

Onde Comprar

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