1 de novembro de 2022
Desaparecidos em Luz da Lua e outros mistérios a desvendar
— Não podemos simplesmente nos permitir sermos inimigos — interrompeu Thorn. — Você complica minha vida com seu rancor, precisamos imperativamente nos reconciliar. Não tenho o direito de entrar no Gineceu: me encontre na Intendência, me ofenda, me estapeie, quebre um prato na minha cabeça se quiser, e depois deixemos isso para trás. Seu dia será o meu. Essa quinta seria bom. Digamos... — Um som de páginas reviradas com pressa ressoou no telefone. — Entre onze e meia e meio-dia. Posso marcar na minha agenda?
Sem ar, Ophélie desligou o telefone com toda a raiva com a qual o bateria na cabeça de Thorn.
— Esse sol não vale de nada! — declarou tia Roseline, ao vê-la voltar. — Os lençóis são mais inteligentes que nós, eles entenderam perfeitamente que o sol é falsificado. Assim nem os ratos vão querer roer as roupas úmidas do rei.
Peguei a série A Passa-Espelhos por indicação de uma amiga - a Fernanda fez tanta propaganda que superei minha corrente aversão por histórias que se dividem em vários volumes e embarquei na aventura. Tenho de dizer que, de fato, Os Noivos do Inverno superou todas as minhas expectativas com sua engenhosa construção de mundo - da mitologia aos cenários deslumbrantes -, e bem sacado uso de tropes de romance - como o casamento arranjado - num cenário de fantasia. Assim é que parti para esse segundo volume com uma boa dose de empolgação.
O noivado de Ophélie e Thorn é agora conhecido no Polo, com a identidade da animista aberta a todos. Isso basta para que, embora ainda vista como estrangeira, Ophélie se veja envolvida em mais de uma das intrigas da Corte, chamando a atenção inclusive de Farouk, o espírito familiar do Polo. Para complicar as coisas, quanto mais Ophélie se vê no centro do furacão, mais Thorn tenta tirá-la das atenções, e mais ele muda de opinião sobre a noiva.
Curiosamente, uma boa parte dos obstáculos do primeiro volume é tirada de campo sem dó nem piedade. Ao ler Os Noivos do Inverno, cogitei que os irmãos e a avó de Thorn iam infernizar Ophélie até o final da série, mas eles saíram de cena rapidamente. A mesma coisa com a figura surreal e assustadora do Cavaleiro. Até Farouk, que parecia bem ameaçador, revela-se um possível aliado. É só ao final de Desaparecidos em Luz da Lua que temos um vislumbre de quem (supostamente) é o verdadeiro antagonista da série - e esse é um encontro que deixa mais dúvidas que respostas.
É um ponto de interesse acompanhar como o frio e pragmático intendente vai se deixando abalar pela coragem, competência desastrada, e empatia que a noiva demonstra em mais de uma ocasião. Thorn escolheu Ophélie como sua noiva por uma razão, e, a princípio, existia apenas seus interesses em ‘ganhar’ os poderes da Leitora e nenhum de se envolver ou se importar particularmente. Contudo, à medida em que ela se revela em toda a teimosia de puxar responsabilidades para si (uma qualidade que os dois compartilham, aliás), ele mesmo vai ‘degelando’ como um iceberg em águas tropicais, ansiando por ganhar o respeito da moça.
Ophélie percebe a mudança de sentimentos do noivo e, embora não se veja sendo capaz de retribuir esses sentimentos, ela admite para si mesma que, tanto quanto Thorn precisa dela, ela precisa dele. Tendo crescido numa família enorme, dominada pela mãe, e numa sociedade bastante conservadora em seus ideais (embora ela ainda não tenha noção do quanto esse conservadorismo controla Anima), ao ser levada para o Polo e para a órbita de Thorn e sua família, Ophélie ganha agência, segurança, liberdade de crescer e tomar suas decisões (ainda que ela não perceba isso de cara e ele não seja o melhor em deixar suas intenções claras).
Esse ‘fogo-baixo’ do relacionamento do casal principal funciona muito bem. Em outro tipo de romance, eu provavelmente estaria bastante frustrada pelo ritmo glacial como as coisas se desenvolvem; mas Dabos nos convence desse desenvolvimento, desse paulatino despertar de um e outro para o quão perfeitos eles seriam como um casal de verdade.
De mais a mais, Desaparecidos em Luz da Lua é, claramente, um volume de transição dentro da série. Há uma série de desaparecimentos a serem investigados, e eles estão de alguma forma relacionados com o Livro de Farouk, Deus, e o passado das Arcas. Ophélie tem a chance de mostrar toda a sua capacidade desvendando o mistério (a revelia de praticamente todos que a cercam) e chegar a algumas conclusões - ou, talvez melhor seria dizer, ela conclui que existem perguntas a serem feitas, situações sobre as quais nunca refletiu, mas que são, obviamente, suspeitas e há muito mais a desvelar sobre o mundo em que vive.
Embora haja grandes momentos para a protagonista, o livro coloca os personagens em posição e entrega algumas peças do quebra-cabeça, mas não avança tanto na narrativa em si. Junto com os segredos envolvendo “Deus”, a coisa toda me lembrou muito o espírito iconoclasta de Fronteiras do Universo. O final fica em aberto, sem nenhuma pista de como vão caminhar os próximos capítulos.
Felizmente, toda a série já foi escrita (e traduzida). Então, toca para o terceiro volume e A Memória de Babel...
Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)
Ficha Bibliográfica
Título: Desaparecidos em Luz da Lua
Autor: Christelle Dabos
Tradução: Sofia Soter
Ilustrações: Laurent Gapaillard
Editora: Morro Branco
Ano: 2019
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