6 de abril de 2010

Neil Gaiman – Parte Final: Além da Terra dos Sonhos


“Para eles (não importa o quanto estejam mortos; e a morte é relativa, não absoluta. Uma pessoa pode estar meio morta, como pode estar meio grávida), para meus avós, eu sempre serei um garotinho.

Eu também tenho minhas imagens mentais deles: momentos congelados do passado, nos quais os mortos são capturados em pequenos loops de movimento.

(...)

Cada imagem carrega consigo um sentimento de perda, mesmo que seja uma perda tingida, ainda que suavemente, de um certo alívio. A idade carrega estranhos fardos, e um deles, talvez, inevitavelmente, é a morte.

Mas eu não devo divagar. O caminho da memória não é reto nem seguro e viajamos correndo riscos. É mais fácil fazer viagens curtas pelo passado, lembrando em miniatura, construindo pequenas peças de marionetes em nossas cabeças.

Este é o caminho.”


(Neil Gaiman – The Tragical Comedy ou Comedy Tragedy of Mr. Punch)

Eu já comentei alguns dos grandes romances do Gaiman, bem como sua obra-prima, The Sandman, nos artigos anteriores. Talvez pudesse ter terminado após discorrer sobre a epopéia de Morpheus, mas então, meu trabalho não estaria completo – eu não poderia fechar essa longa incursão pelo mundo fantástico de Gaiman sem pelo menos um breve passeio por algumas obras menos conhecidas, mas que, ainda assim, são verdadeiras jóias literárias e artísticas.

Esse trechinho com que abro hoje, retirado de Mr. Punch – que está previsto para sair aqui no Brasil esse ano – é uma pequena amostra do lirismo com que Gaiman, muitas vezes, nos brinda em seus roteiros. É qualquer coisa de melancólico, de nostálgico, de sombrio, de terrível, de fantástico.

E essa é outra das marcas registradas de nosso querido autor-herói da vez.

Podemos ver isso nos dois contos de Criaturas da Noite, com o gato negro que defende uma família incauta de um demônio quase à custa da própria vida e à pobre filha das corujas, cuja beleza e suposta vulnerabilidade atiçam a luxúria de todos os homens de uma vila – com conseqüências bastante funestas para eles.

Ou ainda no A Paixão do Arlequim, que revisita as antigas pantominas, iniciando seu conto com o Arlequim, muito literalmente, pregando seu coração na porta da mulher que escolheu para ser sua Colombina.

Devo acrescentar que fiquei de coração partido, ao final, por conta do Pierrot.

Eu poderia passar aqui dias, semanas, comentando cada uma dessas minisséries em quadrinhos e cada um dos contos que formam as antologias Coisas Frágeis e Fumaça e Espelhos - para citar apenas aquelas que tenho certeza foram traduzidas aqui no Brasil.

É uma tarefa quase impossível...

Conheço poucos autores que sejam tão prolíficos quanto Gaiman e que tenham experimentado tantos formatos midiáticos, tantas linguagens diferentes para atingir o leitor – especialmente a se considerar que várias de suas obras não estão necessariamente interligadas; não formam uma coleção, um mundo – como o faz Terry Pratchett com Discworld, para citar apenas um exemplo.

Você pode encontrar personagens como Sherlock Holmes numa Inglaterra vitoriana controlada por uma família real bastante... peculiar. Ou a Madrasta e a Branca de Neve em posições curiosas – para não dizer, verdadeiramente aterrorizantes. Misturam-se às referências mitológicas clássicas que já citamos antes monstros que nos fazem lembrar de Lovecraft; Susan Pevensie, antiga rainha da Nárnia de Lewis – tudo isso de forma incrivelmente original, mesmo que ele os esteja pegando emprestado de outras histórias e outros autores.

E a memória continua a se misturar com o sonho; o belo continua convivendo com o terrível... E não pela primeira, nem pela última vez, nos damos conta do quão verdadeiramente incrível é esse cara, “o troll sob a ponte”.

Passei os últimos três meses lendo e relendo tudo em que conseguia colocar a mão que tivesse o nome dele na capa. No final das contas, eu descobri – para minha surpresa, porque eu não tinha me dado conta – de que Neil Gaiman é o autor de quem mais tenho livros.

E eles continuam aparecendo.

A essa altura, não sei o que mais posso dizer do assunto. Talvez eu possa citar ainda que volta e meia Gaiman faz roteiros de filmes e que ele é o responsável pela adaptação em inglês do filme do Miyazaki (outro mestre) Mononoke Hime... e de Beowulf... entre outros filmes e episódios de série de TV... que é um escritor compulsivo em seu blog e no twitter... que está noivo da Amanda Palmer...

Tavez eu possa dizer que depois de mais de ano esgotado, Sandman está de volta em português, agora em edição de luxo, recheada de extras, pela Panini - e eu estou me mordendo porque, como sou apressada, comprei as edições que me faltavam em inglês, brochura, sem todos esses tesouros.

Grrrr... Talvez eu cometa uma loucura e dê de presente os dez volumes para poder comprar essa edição nova em quatro. Se bem que eu vou ter de esperar ainda... Só o primeiro volume está na pré-venda...

Tenho que me controlar, tenho que me controlar, tenho que me controlar...

Ok, se alguém quiser me dar de presente Sandman: a edição definitiva, volume 1, eu aceito.

Passado o momento cretino... acho que vocês já podem tirar suas próprias conclusões. Na verdade, acho que vocês devem agora ir procurar um livro do Gaiman para ler – especialmente se ainda não leu nenhum – nem que seja apenas um conto (e nunca vai ser uma experiência de “apenas” – vá por mim...), e depois voltar aqui para me dizer o que acharam.

E eu acabo de chegar à trigésima página do Word.

Chegamos então ao final da minha tentativa – quase um trabalho de Hércules – de apresentar a vocês (caso não tenham ainda sido apresentados) esse autor delicioso, elencando todos os motivos pelos quais ele é meu herói.

Vou ali erguer uma estátua para Mr. Gaiman. Enquanto isso, percam-se na miríade de mundos que esse cara genial criou. Vocês não vão se arrepender.

Neil Gaiman em sete partes

Neil Gaiman - Parte I: À época do dilúvio
Neil Gaiman - Parte II: Olhos de botões, o exército de um homem só, a farra dos mortos e outros contos de fadas não tão cor-de-rosa...
Neil Gaiman - Parte III: Nos subterrâneos de Londres
Neil Gaiman - Parte IV: De que matéria são feitos os deuses?
Neil Gaiman - Parte V: Perpétuos
Neil Gaiman - Parte VI: Dream a Little Dream of Me
Neil Gaiman - Parte VII: Além da Terra dos Sonhos

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... e a lista continua ad infinitum...


A Coruja


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2 comentários:

  1. Quanto livro, e só do Gaiman! Pontinha de inveja... =P

    Devorei o Stardust em menos de 3 horas, depois que comprei e ainda estou procurando o Deuses Americanos a um preço acessível.

    Mas há esperanças! Descobri que a Gibiteca de Fortaleza tem Sandman completo DE GRAÇA!!! =DDDDD

    ResponderExcluir
  2. Já são mais de 20, André... e a lista só aumenta...

    Tenta procurar Deuses Americanos nos sebos... ou, se você lê em inglês, prefira encomendar; às vezes sai por mais da metade da tradução...

    E leia Sandman! Especialmente Sandman de graça! Eu estou quase para doar a minha coleção para poder comprar a edição Absolute. *.*

    Mais uma vez, preciso dizer: os livros me levarão à falência...

    ResponderExcluir

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