14 de abril de 2022

O que você precisa saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe


Em meio à pandemia de Covid-19 que assolou o mundo em 2020, Fernanda Medeiros e Liana de Camargo Leão lançaram a seguinte pergunta a atores, diretores, escritores, críticos e professores de várias partes do Brasil e do mundo: o que você precisa saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe? A proposta era que os convidados tentassem, da maneira mais verdadeira possível, responder a essa provocação e que o fizessem rápido, na urgência do momento, para que o livro ficasse impregnado da pressão de uma vivência inédita. As contribuições foram chegando, somando as 57 “falas” que aqui estão. Há Shakespeares diversos ― locais e universais; de uma única peça ou de um único personagem; mais ou menos feministas; trágicos e cômicos; renascentistas e contemporâneos; ingleses e cosmopolitas. E há estilos diversos também. Dos textos curtíssimos aos ensaios mais longos; dos depoimentos orais às pequenas coleções de pistas. O resultado é uma obra brilhante, que sem dúvida viverá para muito além desta pandemia.

Tão logo vi o anúncio dessa publicação, fiquei ansiosa para deitar as mãos nela - mas também um pouco receosa, perguntando-me se o calhamaço (são mais de 500 páginas) seria mais voltado a uma crítica acadêmica, menos acessível ao leigo ou se seria apenas um resumo de cada obra com algum contexto histórico jogado pelo meio. Tenho alguns excelentes volumes de reflexões sobre o bardo (Mil Vezes mais Justo me vem à mente), mas também já me deparei com alguns cuja secura técnica serviu-me de remédio para insônia.

Não demorou para que tais receios fossem dispersados, contudo. O que você precisa saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe é espetacular. A despeito do tamanho, não é uma leitura cansativa: a pluralidade de pontos de vista, de estilos e de experiências conta muito para isso. São 57 textos, entre ensaios, relatos pessoais, estudos acadêmicos, diálogos com outras obras, até uma cena imaginada em conto; tudo isso escrito por atores e diretores, literatos e juristas, tradutores e amantes da obra shakespeariana, com especialistas do Brasil e do mundo.

Essa comunidade bardólatra encarou a pergunta do título frente a realidade da pandemia - mas de uma forma a não enraizar suas conclusões apenas ao recorte históricos que temos vivido. Através das peças de Shakespeare, o que se questiona aqui é o papel da Arte em um mundo caótico. Entre vírus globais, governos autoritários, crises migratórias e climáticas, tensões geopolíticas, por que devemos nos importar com a Arte?

Bem, a resposta óbvia não é tão difícil de enxergar. Tendo passado meses trancados em casa, entre a angústia e a incerteza, foi à arte que apelamos para não enlouquecer. Horas de streaming em filmes e séries, lives musicais, visitas virtuais e museus e monumentos pelo mundo e, claro, livros. Nos momentos difíceis, a arte nos distraiu, congregou, confortou.

E por que Shakespeare? Pensei muito nisso quando li e resenhei Estação Onze (tenho que ver a série adaptada dele agora…), pois é uma questão que perpassa toda aquela obra. Como muitos dos ensaístas que contribuíram para esse livro lembram, Shakespeare viveu o terror da peste e a melancolia do luto na perda do filho Hamnet. Ao mesmo tempo, ele fez parte de uma Inglaterra em plena Renascença, com avanços extraordinários em diversas áreas do saber.

O mundo em que ele vivia tinha recentemente se expandido: vivíamos o auge das Grandes Navegações; a revolução copérnica, que literalmente tirou a Terra do centro do Universo; e também o crescimento das religiões protestantes, com o nascimento da Igreja Anglicana ainda às vistas do espelho retrovisor da História.

Em outras palavras, William Shakespeare escreveu numa época de grandes mudanças e isso se reflete em seus personagens, que deixam de ser meros joguetes nas mãos dos deuses e tomam o centro do palco com solilóquios que nos revelam sua profunda humanidade. Tempos conturbados, repletos de rupturas e inovações. Não parece algo familiar?

O bardo fez parte da minha quarentena. Lá no início do isolamento, o canal do teatro Globe disponibilizou gratuitamente gravações de algumas das peças que tinham passado por seu palco e, sempre que uma nova estreava, eu ia lá assistir. Devo dizer que continuo detestando Romeu, mas ver a montagem no palco me fez mudar algumas opiniões sobre ele. Reli algumas das peças refletindo sobre as questões políticas que apareciam nelas (inspirada por Shakespeare in a Divided America) - e como alguns dos tiranos do bardo espelham tão bem o que vemos hoje no noticiário político.

O que você precisa saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe me fez repensar opiniões, encarar pontos de vista surpreendentes e ficar morrendo de vontade de reler (ou, em alguns casos, ler pela primeira vez) toda a bibliografia do bardo (um projeto que tenho há tempos e para o qual volta e meia retorno. Uma excelente obra de referência, para a qual certamente retornarei no futuro.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: O que você precisa saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe
Autor: Fernanda Medeiros e Liana de Camargo Leão (org.)
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2021

Onde Comprar

Amazon


A Coruja


____________________________________

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sobre

Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.

Cadastre seu email e receba a newsletter do blog

powered by TinyLetter

facebook

Arquivo do blog