21 de maio de 2020

Shakespeare in a Divided America: o que suas peças têm a nos dizer sobre nosso passado e futuro


"Nas peças históricas e tragédias que Lincoln achava tão atraentes, Shakespeare coloca seus protagonistas, a maior parte deles líderes, sob pressão insuportável. Entre os momentos mais poderosos dessas peças estão os discursos em que personagens confrontam dilemas morais e dão voz à culpa e o sofrimento que os esmagam. Que esses personagens sejam frequentemente malignos - Ricardo III, Macbeth, Claudius - pouco importava a Lincoln; o que lhe interessava era seu grau de autoconsciência, o quanto eles compreendiam das difíceis decisões com que eram confrontados."

Esse livro me apareceu numa das últimas listas de recomendação que o Goodreads envia, baseado no fato de que já li e avaliei positivamente outros livros do autor. O tema - a ideia de Shakespeare usado no debate político americano - chamou-me bastante a atenção, e como andei assistindo várias peças do bardo nas últimas semanas, decidi passá-lo à frente da lista e começá-lo logo. É um volume relativamente curto (pouco mais de 300 páginas), e o assunto é bem complexo; mas a prosa de Shapiro é estimulante, provocativa e a leitura acabou passando muito mais rápido do que eu previra.

Shakespeare in a Divided America tem dois objetivos básicos, primeiro, de demonstrar como os Estados Unidos - a despeito de sua cisão com a Inglaterra - adotaram Shakespeare como parte de sua cultura praticamente desde sua fundação; segundo, de analisar algumas das principais problemáticas da história americana refletidos através do comentário shakespeariano ao longo dos séculos. Shapiro faz isso em oito capítulos, ligados a um episódio histórico e uma específica peça.

No capítulo sobre miscigenação, Otelo é analisado do ponto de vista de John Quincy Adams, segundo presidente dos EUA, que escreveu mais de um artigo sobre a "abominação" que é o relacionamento da branca Desdêmona e do mouro Otelo; algo tristemente irônico a se considerar que John Adams advogou contra a escravidão, sendo hoje considerado um abolicionista por sua atuação no Congresso. Em seguida, questões de gênero, cultura armamentista e tipos de masculinidade são trazidas através de Romeu e Julieta. Continuando, Macbeth e uma rusga entre atores fomentam os tumultos do Astor Place em 1849, que tinham por base mais que rivalidades teatrais, a luta de classes em Nova York. Júlio César serviu como inspiração para John Wilkes Booth, o assassino de Lincoln, e as leituras que ambos faziam de Shakespeare tinham muito a ver com o conflito entre Sul e Norte que terminou numa Guerra Civil. O Calibã de A Tempestade representando o imigrante num período em que os EUA começam a restringir a imigração. A Megera Domada e as mudanças no papel das mulheres e do casamento no período pós-guerra. E, para terminar, Shakespeare in Love, adultério, o caso de Monica Lewinsky e o movimento Me Too; e (de novo) Júlio César numa montagem com um sósia de Trump no papel do tirano que iniciou um conflito enorme nas redes sociais e revelou muito do que é hoje a direita e esquerda no país.

Ler Shakespeare a partir de tais contextos históricos e utilizá-lo como base para debates políticos é um novo ponto de vista para mim, mas achei essa montagem de argumentos muito interessante. E, embora à primeira vista muito do que seja discutido no livro pareça se aplicar exclusivamente à cultura e política americanas - inclusive porque não temos por aqui a mesma identidade cultural anglo-saxã -, os temas e reflexões que Shapiro traz são bem familiares, especialmente no que diz respeito a polarização política que temos vivido. Gostei do livro muito mais do que tinha imaginado que ia gostar e certamente recomendo a leitura para quem se interessa pelo bardo.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)

Ficha Bibliográfica

Título: Shakespeare in a Divided America: What His Plays Tell Us About Our Past and Future
Autor: James Shapiro
Editora: Penguin Press
Ano: 2020

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