31 de outubro de 2011

Para ler: Quando as Bruxas Viajam

O Disco existe bem à beira da realidade. As coisinhas sem importância conseguem atravessar para o outro lado. Portanto, no Disco, as pessoas levam as coisas a sério.

Como as histórias.

Porque histórias são importantes.

As pessoas pensam que dão forma às histórias. Na verdade, é o contrário.

As histórias existem apesar de seus participantes. Se você sabe disso, esse conhecimento é poder.

Histórias, grandes fitas vibrantes de espaço-tempo modelado, agitam-se e desenrolam-se pelo universo desde o início dos tempos. E evoluíram. As mais fracas morreram e as mais fortes sobreviveram, engordando a cada vez que eram recontadas...

Histórias, ondulando e agitando-se na escuridão.

Sua simples existência forma um desenho numa camada tênue, porém insistente, sobre o caos que é a História. As histórias deixam sulcos profundos o suficiente para as pessoas seguirem da mesma maneira que a água segue certos caminhos nas encostas das montanhas. Quando novos atores caminham pelo trajeto da história, o sulco fica mais profundo.

Essa é a teoria da causalidade da narrativa. Significa que a história, uma vez iniciada, adquire uma forma. Ela capta as vibrações de todas as suas outras versões já contadas.

Por isso a história continua se repetindo o tempo todo.

Assim, mil heróis roubaram o fogo dos deuses. Mil lobos comeram a vovozinha, e mil princesas foram beijadas. Um milhão de atores passaram, alheios, pelos trajetos da história.

Hoje é impossível para o terceiro e mais jovem filho de qualquer rei — caso ele embarque numa busca em que seus irmãos tenham fracassado — não ser bem sucedido.

As histórias não se importam com quem toma parte nelas.

O importante é que sejam contadas, que se repitam. Ou, se você preferir colocar nestes termos, as histórias são parasitas que manipulam vidas a serviço apenas de si. Somente um tipo especial de pessoa pode reagir e se tornar o bicarbonato da história.

Era uma vez...
Muito bem, já que estamos no dia das bruxas, vamos falar de bruxas! Nós já conhecemos a trindade em Estranhas Irmãs: vovó Cera do Tempo, a líder que as bruxas do Disco jamais ousariam ter; Tia Ogg, terror de todas as noras e Maigrat, a donzela mística e futura rainha de Lancre.

Neste novo episódio da saga, Maigrat recebe como herança uma varinha de condão. Sendo uma boa menina, de coração puro e inocente, ela é uma bruxa com jeito para Fada Madrinha... Com a varinha, vem também responsabilidades: uma afilhada relutante, que curiosamente já tem uma fada cuidando de seus assuntos.

Esse livro tem um começo rápido e um pouco confuso, mas isso porque há uma série de surpresas pelo caminho que praticamente te desmontam do cavalo à medida que são reveladas – e se eu contar aqui, tudo perde a graça.

Quando as Bruxas Viajam talvez seja uma das histórias mais importantes de Pratchett, uma vez que aqui ele expõe em detalhes os mecanismos da narrativa, a força que ‘contar histórias’ e a manipulação da linguagem têm. Essa teoria, fé ou crença é a base de praticamente todo o Discworld.

Trata-se de um conto de fadas totalmente do avesso, em que o príncipe é um sapo, a princesa tem sonhos maiores que um casamento real e a fada-madrinha impostora tenta impor a todo custo sua própria visão de ‘felizes para sempre’. E as bruxas, sempre as terríveis bruxas com seus caldeirões, ultrapassam uma vez mais o que se espera do arquétipo e representam não apenas a Justiça, mas também a Verdade.

Somente Pratchett para conseguir tecer uma teia de histórias como essa – e, não pela primeira (nem última) vez, encantar completamente seu leitor.


A Coruja


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