24 de outubro de 2011

Clube do Livro (Outubro) - Estranhas Irmãs

Ao contrário dos magos, que adoram uma boa e complicada hierarquia, as bruxas não se interessam tanto por uma elaboração bem estruturada do plano de carreira. Cabe a cada bruxa escolher uma menina a quem transmitir seu lugar quando morrer. As bruxas não são gregárias por natureza - pelo menos, não com outras bruxas -, e certamente não possuem líderes.

Vovó Cera do Tempo era a mais respeitada das líderes que elas não possuíam.

As mãos de Margrete tremiam um pouco ao preparar o chá. Obviamente, era tudo muito gratificante, mas também dava um pouco nos nervos começar a vida profissional como bruxa de aldeia entre Vovó e, do outro lado da floresta, Tia Ogg. Fora idéia dela fazer um sabá local. Achava que era mais... oculto. Para sua surpresa, as outras duas haviam concordado, ou, ao menos, não tinham discordado muito.

- Sabiá? - perguntara Tia Ogg. - Como é que a gente faria um sabiá?

- Ela quer dizer sabá, Gytha - explicara Vovó Cera do Tempo. - Como nos velhos tempos. Uma reunião.

- Arrasta-pé? - perguntara novamente Tia Ogg, cheia de esperança.

- Sem dança - avisara Vovó. - Não suporto dança. Nem cantoria ou animação, nem nada dessa bobagem de ungüentos e tal.

- Sair faz bem - dissera Tia Ogg, com alegria.

Margrete se decepcionou com a inadmissão de dança e ficou aliviada por não ter proposto uma ou duas outras idéias que estivera ruminando. Vasculhou o pacote que tinha levado consigo. Era seu primeiro sabá, e ela estava determinada a fazê-lo como convinha.

- Alguém quer bolo? - perguntou.

Vovó estudou bem o doce antes de comer. Margrete havia criado desenhos de morcego nele. Os animais tinham olhinhos feitos de passas.
Este foi o quarto livro da série Discworld que li – embora seja o sexto a ter sido publicado. Foi o primeiro que comprei também, em vez de ler na livraria – só posteriormente ganharia de aniversário o box com os três primeiros volumes e sairia garimpando em sebos para comprar os outros volumes (era estudante, tempo de vacas magras...).

O fato é que, se foi após Direitos Iguais, Rituais Iguais que passei a prestar atenção no nome de Pratchett, foi com Estranhas Irmãs que cheguei à conclusão de que o cara era um gênio e que eu precisava evangelizar o povo sobre a necessidade de lê-lo. Fiz Carol comprar os livros; salvo engano, mandei volumes de presente para a Ana e/ou a Régis (não me lembro, faz muito tempo) e passei muito tempo enumerando para quem quisesse me ouvir os muitos motivos para desbravar Discworld.

Infelizmente, naqueles tempos, eu não tinha blog. Teria feito minha vida muito mais simples...

Há algo de podre no reino de Lancre... O Duque de Felmet, instigado pela esposa, decide que é tempo de colocar um fim na atual dinastia. Assim, após algumas tentativas frustradas, ele consegue afinal matar o velho rei Verence. Para seu azar, contudo, um servo do castelo consegue salvar o herdeiro do trono, entregando-o para as três bruxas locais: Vovó Cera do Tempo, Tia Ogg e a jovem Magrat Garlick.

Juntamente com a coroa, as bruxas despacham o bebê com uma trupe de atores que passava por ali – ao cabo e final, o destino daria jeito de fazer a criança voltar para expor os crimes do Duque e recuperar o trono. Infelizmente, elas percebem que há um pequeno erro de cálculo em seu plano: o futuro rei só estará pronto para reclamar sua posição em, pelo menos, quinze anos – e quinze anos é muito tempo para deixar Felmet e sua duquesa no trono, impuros e livres para cometer todo tipo de atrocidade.

Assim é que elas decidem parar o tempo em Lancre, enquanto o resto do mundo continua a andar célere, e o jovem príncipe cresce.

Mas claro que sendo bruxas, elas acabam por se meter no caminho de Felmet de qualquer maneira – afinal de contas, meter-se na vida dos outros faz parte de ser uma bruxa.

Para conseguir o apoio do povo contra as bruxas, o duque decide chamar uma companhia de atores a fim de representar uma peça em que ele e a duquesa sejam apresentados sob uma luz favorável, e as bruxas sejam retratadas terrivelmente. Assim, mandam o bobo da corte procurar os tais atores.

E enquanto isso, o rei assassinado desliza pelos corredores do castelo, clamando por vingança.

Estranhas Irmãs mistura temas e elementos de duas das mais famosas tragédias de Shakespeare - Macbeth e Hamlet (Pratchett fará as bruxas revisitarem o bardo também em Lords and Ladies). Há o assassinato à traição do rei, instigado pela esposa; as três bruxas que interferem no destino do reino; um fantasma com sede de vingança; uma peça em que toda a verdade é revelada; sangue e insanidade em altas doses.

A forma como Pratchett consegue combinar todos esses elementos e criar algo completamente novo e surpreendente sempre me deixa de queixo caído. E o final de Estranhas Irmãs... céus, o final desse livro é algo que você não espera nem em um milhão de anos.

Já nem sei mais quantos livros do Pratchett já li... mas se há algo que nunca muda é a maneira como ele sempre, sempre cria uma enorme reviravolta de acontecimentos e as coisas nunca terminam como você imaginou que terminariam.

São poucos os autores que conseguem, de verdade, fazer isso. Na maioria das vezes, só de olharmos para a capa, já podemos prever como a história termina. É magia, em estado puro, o que o homem do chapéu faz com as palavras.

Pra você, Pratchett, especialmente pra você, eu tiro o meu chapéu. Vida longa ao rei!


A Coruja


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