9 de abril de 2015

Para ler: Alerta de Risco


“Há aqueles que acreditam que fosse adoração ao demônio”, disse Oliver. “E eu acho que eles estão errados. Afinal, o deus de um homem é o demônio do outro. Não é?”

Na introdução de Alerta de Risco (cá entre nós, prefiro a tradução literal de alerta de gatilho), Gaiman começa explicando o que sejam os ‘avisos de gatilho’ que dão título ao livro. A reflexão dele é interessante e algo com que eu já tinha me deparado antes andando pela internet – por um lado, esse tipo de alerta pode evitar situações em que uma pessoa que tenha sofrido um trauma ou violência seja pego de surpresa por uma situação análoga num livro e isso lhe cause um novo episódio traumático ou um flashback. Por outro, ele pode servir como restrição e mesmo um primeiro passo para a censura.

Mas, ao final das contas, como bem observa Gaiman, às vezes precisamos ser confrontados com verdades dolorosas na ficção para ajudar no nosso próprio processo de autoconhecimento. Alguns dos livros mais importantes para minha história pessoal foram livros emocionalmente difíceis e, penso, essa é uma das marcas da boa literatura: a forma como ela nos faz olhar para nós mesmos e pensar.

Alerta de Risco é um desses livros. Os mundos que Gaiman nos apresenta aqui são fantásticos, delicadamente aterrorizantes, fascinantemente sombrios. Superficialmente, são excelentes contos, mas numa leitura mais cuidadosa, são histórias que nos forçam a refletir.

Eu já conhecia alguns dos contos que aparecem aqui de outras antologias – The Thing About Cassandra, A Verdade É uma Caverna nas Montanhas Negras, Feminine Endings, The Case of Death and Honey, The Sleeper and the Spindle... Mas relê-los em sequência – várias histórias do mesmo autor seguidas em vez de um autor no meio de outros, é uma experiência diferente.

Isso porque, numa antologia só de contos de Gaiman, é fácil perceber que ele se concentra em determinados pontos continuamente; é mais fácil reconhecer que ele tem um estilo muito próprio. Muitos dos contos têm um quê de biográfico e intimista – não à toa, a maioria deles é narrado em primeira pessoa – e esse tom que parece misturar memória, contos de fadas (em suas encarnações mais violentas) e sonho acentua a ambiguidade do caráter de seus personagens, bem longe de tradicionais maniqueísmos. E, claro, não podemos esquecer as reviravoltas que nos deixam completamente tontos.

Pra terminar o livro há um conto completamente inédito com o Shadow de Deuses Americanos. Se nenhuma das outras histórias fosse boa (e elas são, em sua absoluta maioria, excelentes), Trigger Warning já valeria à pena só por Black Dog. Shadow é, afinal, um dos personagens que mais gosto no meu livro favorito de um dos meus autores preferidos. Qualquer chance de reencontrá-lo é sempre muito bem-vinda.

Terminando... o volume inteiro é um exercício em versatilidade – Gaiman experimenta vários formatos e muitos pontos de vista. Trigger Warning é o autor em sua melhor forma e não tenho qualquer dúvida de que ele vai estar na minha lista de melhores livros lidos desse ano.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)

Ficha Bibliográfica

Título: Alerta de Risco
Autor: Neil Gaiman
Editora: Intrínseca
Ano: 2016

Onde Comprar

Amazon

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A Coruja


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8 comentários:

  1. Me pegou só pela explicação do título. <3

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    1. De fato, Tatá, não há nada de superficial em nenhuma das histórias do livro - a própria introdução já vale tudo pelo insight que nos dá da forma como Gaiman pensa literatura. Espero que saia logo em português para poder convencer o maior número possivel de pessoas a lê-lo.

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  2. Ainda estou lendo o Trigger Warnings, e não cheguei no conto do Shadow ainda! Consegui me conter e pular até ele, vou tentar ler conto-por-conto pra ter certeza que li todos! Heheheh...
    Ontem mesmo eu li "Orange" e "The Case of Death and Honey" - ambos ótimos, mas o "Orange" matou minha saudade de Neil Gaiman fazendo humor com situações sobrenaturais e por isso ganha vários pontos extras!
    E concordo quando você diz que nas antologias é mais fácil ver como ele se concentra em determinados pontos. Acho que o Gaiman mesmo disse em algum lugar que ele não conseguia evitar isso, e que o resultado era sempre pior quando ele tentava evitar! Rs

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    1. Tás lendo também! Vamos fazer uma sessão especial de comentários conto por conto ;)

      The Case of Death and Honey, quando li pela primeira vez, na antologia do Sherlock, considerei um dos melhores lá. Achei simplesmente genial e muito fiel ao personagem. Orange é divertido - vi gente dizendo que ficou confusa, mas não acho que esteja assim tão hermético entender o que aconteceu só a partir das respostas da Glorfindel (adorei o nome da menina. Lembrou-me a Pepper de Belas Maldições).

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  3. Afffffffff eu tinha prometido pra mim mesma não comprar mais nada em inglês até voltar a estudar e ler os que já tenho em casa, mas como lidar com essa resenha? Impossível! Terei que comprar essa antologia #fato hehehehehe...
    estrelinhas coloridas...

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    1. Assim, Mi, eu tenho fé que não vai demorar para que publiquem essa antologia cá no Brasil - eles têm trazido tudo do Gaiman afinal... Mas eu não consigo aguentar esperar... e a edição é muito bonita com capa dura e a luva de um papel que é ligeiramente áspero ao toque, muito bem acabada.

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  4. Desejo demais ler esse livro, pena q a minha lista de leitura esteja atrasadissima :/. Sim, estou comentando em praticamente todos os post pá realmente desejo ganhar o sorteio heheheheh

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    1. Huahuahua... mas é assim mesmo, Helen, tem de ir comentando ;)

      Eu acredito firmemente que não demora para traduzirem essa antologia aqui no Brasil. Então, dá para esperar, né ;)

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