7 de julho de 2009

Vampiros Por Trás da Máscara || Parte IV - Veementes Paixões e Instintos


Finalmente, FINALMENTE, eu cheguei à parte que realmente me interessava escrever em toda essa discussão vampiróloga...

Livre arbítrio.

Ok, como de hábito, eu provavelmente não estou fazendo sentido num primeiro momento. Mas vocês sabem que embora eu seja um tanto prolixa, eu sempre chego a um ponto e toda a aparente enrolação de antes serve para explicar alguma coisa importante.

No caso, as três primeiras partes desse artigo serviram para mostrar que a ideia de vampiro na mitologia, como um arquétipo e não um personagem literário, é muito diferente da que anda em moda por agora.

Esqueçam vampiros bonzinhos, angustiados com a perda da sua humanidade e lutando para controlar sua sede. Aliás, esqueçam qualquer tipo de maniqueísmo de bar que usualmente impera nesse gênero.

Eu culpo Anne Rice. Foi Louis quem começou com essa onda de vampirismo emo. Ok, peço desculpas à Régis, que sei que vai me engolir viva depois desse comentário. Mas não estou discutindo - ao menos, não no momento – a qualidade literária de Entrevista com o Vampiro.

Na verdade, aproveito sugestão da própria Régis e falarei de Carmilla para poder explicar meu ponto.

Não existe realmente bondade ou maldade quando não existe uma escolha. O conceito de crime é um conceito moral que pressupõe livre arbítrio. Um vampiro, portanto, não pode ser considerado um assassino, tendo em vista sua incapacidade de sobreviver sem sangue humano.

Como já dito anteriormente, estou traçando aqui a identidade do MITO, não do EGO LITERÁRIO.

Consideramos o vampiro, como várias outras criaturas do imaginário sobrenatural, como maligno, mas isso porque o julgamos a partir da nossa moralidade, quando ele seria amoral; instinto animal e não razão humana.

Um vampiro é, ao final das contas, um morto que simula vida; um cadáver animado por artifícios que podem ou não ser considerados demoníacos – ao que posso depreender dos mitos, tanto existem aqueles que foram amaldiçoados como paga por seus crimes em vida quanto aqueles que morreram em sofrimento.

A concepção de vampiros como personagens atormentados pela perda de sua humanidade é extremamente sedutora, sem dúvida, e muito mais interessante que uma criatura regrada apenas por seus desejos e instintos. Mas é uma ideia criada pelos escritores, em especial, por autores góticos.

E eis então que entra em cena Carmilla, de Le Fanu. Este conto foi escrito pelo menos uns vinte e cinco anos antes de Drácula, possuindo dentre suas várias peculiaridades a referência a um relacionamento lésbico entre a personagem principal que narra a história – Laura – e a vampira cujo nome batiza a novela.

Como é um conto curto, não há muito espaço para desenvolver a relação entre as duas jovens e mesmo, este não parece ser o interesse de Le Fanu. A história é maravilhosamente bem escrita, num tom crescendo de suspense e expectativa.

E é em seus parágrafos finais que encontrei o conceito literário mais aproximado do vampiro mitológico.

Por exemplo, a palidez mortal que se atribui a essa classe de espectros é pura ficção literária. Em realidade, tanto na tumba como quando se mostram publicamente, têm um aspecto saudável. Quando se abre seu caixão, aparecem os mesmos sinais que demonstraram que a condessa de Karstein, falecida século e meio antes, era um vampiro.

O mais inexplicável era e continua sendo como podem sair de sua tumba e retornar a ela. A dupla vida dos vampiros se mantém graças ao sono cotidiano na tumba. Sua monstruosa avidez de sangue de seres vivos lhes proporciona a energia necessária para subsistir durante as horas de vigília. O vampiro está propenso a ser vítima de veementes paixões, parecidas com as do amor, ante determinadas pessoas. Para obter seu sangue, põe em jogo uma paciência infinita e recorre a toda classe de estratagemas a fim de superar os obstáculos que o separam do objeto desejado. Não desiste de sua empresa até que sua paixão seja satisfeita e pôde sorver a vida da cobiçada vítima. Chegam inclusive a contrair matrimônio com ela, prorrogando seu prazer criminal com o refinamento de um epicúreo. Mas, com mais freqüência se encaminha diretamente a seu objetivo, vence pela força e devora a sua vítima em um festim.

Conclusões finais a que chegamos depois de pesquisar e escrever páginas e mais páginas sobre o assunto... (1) gosto mais das versões literárias de vampiros, mas, apesar disso, (2) considero a discussão da verdadeira natureza do vampiro como um mito e arquétipo dentro do conceito de humanidade como muito interessantes.

Por que interessantes? Simples: existe nessa discussão algo bem menos simplório que uma criatura que crava os caninos em pescoços insuspeitos, mas uma catarse para instintos que, embora nem sempre sejam louváveis, estão presentes no ser humano. Fazem parte do pacote.

Incrivelmente, discutir a natureza de um vampiro – ou de um lobisomem, de uma bruxa ou qualquer outra criatura do folclore sobrenatural – é um exercício de filosofia e psicologia. E, do ponto de vista de um escritor, compreender essa parte do mito é um ponto importante para poder subverter toda a ideia central e criar seu próprio personagem.

Algo como ter de aprender a desenhar em estilo clássico antes de começar a fazer os rabiscos incompreensíveis que costumam chamar de arte abstrata. Tudo bem, eu admito que não entendo patavinas, mas pelo que já ouvi de amigos meus conversarem, pincelar de forma aparentemente aleatória exige técnica e precisão.

E eu tagarelei, tagarelei e tagarelei... Agora é hora de ouvir a opinião de vocês. Vamos ver o que pensam da história toda...


A Coruja


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4 comentários:

  1. Olá Luciana,

    Primeiro antes de mais nada gostaria de dar meus parabéns pela graduação em direito. Acredito já ter feito isso antes, mas como é um evento que deva ser comemorado, refaço os votos.
    Me tornei um leitor assíduo do coruja, e estive acompanhando suas postagens sobre vampiros. Tendo lido sua última parte, resolvi fazer um daqueles BREVES comentários, porém acredito ter ultrapassado o limite de caracteres pois não estou conseguindo postar de jeito nenhum. Para não perder a idéia ea chance, resolvi mandar um e-mail com o comentário.
    Seu blog está excelente. E peço desculpas pela liberdade de dizer que a achei muito bonita pela foto que vi do convite de formatura.
    Um abraço, segue abaixo o comentário:

    Bem... vamos lá. Essa última parte casa com meu conceito sobre vampiros. Anne Rice é um ótimo exemplo se colocarmos de lado toda aquela chatice e negativismo do Louis. O objeto de estudo seria na verdade (ao que eu vejo) seu personagem principal, Lestat. Este sim sabe viver a vida. Se alimenta de uma pessoa bonita aqui e ali, e depois de saciado, vai praticar seu esporte favorito, que é caçar na alta sociedade. O cara é um hedonista. Quer desfrutar dos prazeres da vida e tudo o que a sociedade possa oferecer como música, conforto, muito alimento, não somente para o corpo como também para o ego. Ele precisa de humanos não somente para se alimentar, mas também para fazer lindos vestidos para sua cria, ou lhe ensinar piano, carregar sua bagagem ou qualquer outro serviço que se ofereça, uma criatura inteiramente em simbiose com a sociedade. Viver para sempre jovem, saudável e bonito, porém imutável, onde foi na verdade, a grande sacada da história explicada por Armand. O mundo muda, o vampiro não. Essa é a grande ironia que acaba os matando. O indivíduo com o passar dos anos, vai se distanciando da época da sociedade que o gerou. Com isso vai se estreitando os laços que o unem a sociedade, renegando-o a viver a sua margem. Alguns por não conseguir, ou simplesmente não quererem se conectar a sociedade atual, definham e morrem.

    Quanto à moralidade, fica algo um pouco mais complicado, porque temos que analisar a coisa da seguinte maneira. Tem como nascer vampiro? Você ser parte de uma família onde papai vampiro se deita com mamãe vampira e sei lá quanto tempo depois nasce aquele pequeno e adorável sangue suga? Ou só existem vampiros criados a partir de um vampiro já existente? Ou seriam as duas opções ao mesmo tempo e agora?

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  2. Isso faz uma diferença enorme. Analisando a possibilidade de papai e mamãe vampiros terem nascido vampiros e gerando aquele pequeno e adorável "mata a sala inteira de aula", não podemos nos perder na palavra “vampiro” e sim prestar atenção na palavra “família”. Independente de serem vampiros ou não, eles são uma família. Matar para eles talvez não seja errado, de repente só não é educado. “Meu filho, você matou o filho do vizinho só porque ele não quis deixar você jogar?”. Eles viveriam entre nós, se relacionariam com seres humanos, se alimentariam da gente e nunca saberíamos da existência deles. Porem o conceito de família estaria ali. Respeito pelos mais velhos, não ser mal criado, ajudar aquela pobre velhinha a atravessar a rua (quem sabe ela não poderia servir de lanche mais tarde?), não conversar com o coleguinha na sala durante a aula (muito menos se alimentar de um). Educação, cultura, valores, tudo seria passado ao nosso jovem vampiro, porque mais do que ninguém, ele precisa ser sociável, precisa estar incluso na sociedade, onde mais ele arranjaria comida? É possível que uma ou outra família se contamine com nossa (humanos) moralidade e valores, contudo, sendo o sangue sua única fonte de alimentação, esta seria uma família que não faria grandiosos banquetes de sangue, e sim somente o necessário para crescerem fortes e saudáveis, mas o instinto de predador estaria ali. “Opa! Aquela ali não meu filho. Ela está esperando um bebê. Melhor esperarmos a criança nascer”

    -Querida, sabia que o filho do Rubens tomou coragem a pediu a mão daquela menina em casamento?

    - A Angela?

    - É! Eu a vi hoje toda boba numa loja escolhendo os enfeites para a festa de casamento. Aproveitei e desejei felicidade para os dois.

    - Poxa amor! Que bom! Eu sempre torci para que eles dessem certo.

    - É verdade, eles formam um belo casal.

    - Espero que os filhos sejam tão saborosos quanto os avôs.

    - Nossa! Nem me fale. Lembra da bagunça que fizemos?

    - Há há há há! Seu bobo.

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  3. Matar para um indivíduo desse núcleo não seria errado, o errado, e isso pode se observar em qualquer literatura, é se expor e conseqüentemente a seus iguais. Algumas pessoas podem achar estranha essa idéia da possibilidade de trocar altos papos com seu jantar (se é que precise matar para se alimentar), só que para eles isso seria normal. Os mais jovens e afoitos paquerariam ou praticariam sexo antes de “terminar” com o jantar, os mais velhos e maduros discutiriam pensamentos e ideologias antes de precisarem utilizar um guardanapo. Os ataques reservados aos filmes e contos de horror seria um fast food. “Misericórdia, olha só a hora! Vou pegar qualquer humano no caminho de casa mesmo, porque hoje não estou afim de dormir fora do caixão de novo”.

    Já as pessoas que são transformadas é que se tornariam os vampiros problemáticos. Elas trariam séculos de conceitos humanos acorrentados, a uma nova existência totalmente diferente a sua antiga condição. Enquanto que numa vida somos sempre adestrados pela sociedade, família, amigos, religião de que matar é errado, e se o fizer estará condenado, imagine o conflito que isso não geraria ao chegar numa nova vida em que precise matar para viver (isso se precisar matar para se alimentar).

    O Vampiro sempre será alvo de atenção e interesse. É uma criatura que detém várias características que fazem parte da ambição humana; beleza e juventude eterna, amantes, românticos, sedutores, ricos, poderosos, temerosos, implacáveis. Quem nunca admirou, desejou ou quis ser um vampiro?

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  4. Só uma observação:

    Quem criou o arquétipo de Vampiro Bonzinho e angustiado com sua condição foi a obra Varney o Vampiro ou Banquete Sangrento (1845-1847), e não a Anne Rice.

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