29 de fevereiro de 2016

1 Ano, 365 Contos - Fevereiro


Fevereiro, mês de Carnaval… eu passei o feriadão enfiada em casa, assistindo série e pondo leitura em dia, acompanhada de vários tampões de ouvido para evitar ouvir os ‘sucessos’ da temporada. Felizmente, onde moro é relativamente tranquilo e nem precisei dos tampões para manter meu retiro espiritual literário...

Esse foi um mês razoavelmente tranquilo pra mim, e não foi difícil dar continuidade ao projeto do 1 Ano, 365 Contos. Tive o ENORME prazer de passar a primeira quinzena na companhia do mestre Bradbury e a segunda com o delicioso Gabo. Estilos muito diferentes, sem dúvida, mas que prazer os dois proporcionam…

Sem mais… vamos ao diário das leituras desse mês.

1 Ano, 365 Contos: Fevereiro

Dia 01 – 18h29
Uma Pequena Viagem de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 10 páginas, 8 min.

Após passar janeiro às voltas com releituras e autores que me eram já bastante familiares - a ponto de não ser difícil prever o que viria a seguir - comecei esse mês com Ray Bradbury, autor que só vim conhecer “pessoalmente” ano passado, mas de quem muito já ouvira falar porque Gaiman é fã do cara (com razão).

Esse primeiro conto tem um toque de melancolia que eu não esperava. É curioso: comecei a história bastante cética com as velhinhas querendo participar de uma excursão interplanetária para se aproximarem de Deus, levei quase um susto ao entender que elas DE FATO estavam em Marte e cheguei ao final meio zonza com a ação e reação da narradora…

Para um conto tão curto e tão aparentemente simples, ele me fez ficar um bom tempo refletindo sobre as motivações da narradora e o final surpreendente.


Dia 02 – 07h40
O Lixeiro de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 9 páginas, 5 min.

Estou uma vez mais impressionada - e sinto que isso se tornará um padrão enquanto leio esse livro. Não se deixe enganar pela concisão de Bradbury: ele consegue criar um forte efeito mesmo em poucas linhas.

Esse conto começa com o narrador pensando em sua rotina como lixeiro e razoavelmente satisfeito com sua vida… até receber a notícia de que os caminhões de lixo passarão a recolher corpos humanos também, após explosões de bombas atômicas.

O início tranquilo nos deixa completamente despreparados para o que vem a seguir. Considerando que os conto foi originalmente publicado na década de 50, e que dialoga com uma preocupação que existia de fato à época, ele continua ainda bem atual (não tanto pelo medo da guerra atômica, mas certamente vem à mente os corpos dos refugiados nas praias européias…).

Dia 03 – 19h24
O Visitante de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 19 páginas, 11 min.

É impressionante como Bradbury é capaz de inserir questões de crítica social sob histórias aparentemente prosaicas em universos futurísticos.

Como em Uma Pequena Viagem, estamos em Marte, que se trnou uma espécie de colônia para pessoas em estado terminal de uma estranha doença chamada ferrugem do sangue. Entre o isolamento e a doença, essas pessoas vão perdendo a sanidade… até que a chegada de um telepata hipnotizador jogue essa pequena sociedade de inválidos num frenesi de violência pela ‘posse’ do homem que é capaz de de iludir suas mentes com imagens daquilo que eles deixaram para trás na Terra.

De certa forma, é bom que meu projeto faça com que eu esteja restrita a ler um único conto por dia: há tempo para digerir o que li… e esse é um daqueles contos que merece ser digerido com algum vagar.

Dia 04 – 19h06
O Messias de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 14 páginas, 8 min.

Que belíssimo conto! É interessante o uso que Bradbury faz da religião em suas histórias - algo que eu não esperava, em definitivo. Não me vem normalmente à cabeça a idéia de associar ficção científica com religião, embora muitos clássicos do gênero se apoiem em questionamentos em cima dessa relação.

Contato, do Carl Sagan, definitivamente me veio à cabeça, a título de comparação.

O desejo de experimentar o divino, de ser arrebatado pela fé, está no centro desse conto - e é um desejo tão forte que chega a transformar a própria natureza das coisas. Há muitas maneiras de interpretar o que ocorre aqui, com argumentos contra e favor da religião… mas o que acho realmente interessante é a forma como Bradbury consegue criar esse tipo de situação, essa ambiguidade.

Estou cada vez mais fascinada com o cara...

Dia 05 – 17h10
A Autêntica Múmia Egípcia Feita em Casa de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 19 páginas, 13 min.

Quando olhei para esse título, imediatamente me lembrei de um conto extremamente divertido do Poe (acho até que vou procurá-lo depois para colocá-lo no desafio desse mês). Só que, embora Poe e Bradbury tenham muita coisa em comum, este aqui e o Pequena Conversa com uma Múmia não têm muito a ver um com o outro.

Seja como for, A Autêntica Múmia Egípcia Feita em Casa provavelmente se tornará meu conto favorito dessa antologia. Talvez até entre todos os do Bradbury (embora seja cedo ainda para afirmar assim, considerando as centenas de contos que o cara escreveu).

Essa história tem o mesmo tom de fantasia e delírio poético de Algo Sinistro Vem Por Aí. Só por isso já servia para me apaixonar, mas o fato de que essa é uma história sobre contar histórias que me fez ficar tão encantada.

Charles, o protagonista, começa a história entediado, e busca a ajuda do coronel Stonesteel para resolver o problema de que nada parece acontecer na pequena cidade em que vivem. A solução do Coronel é criar uma múmia e deixar que o povo da cidade a descubra, ensinando, no processo, o valor da imaginação ao seu jovem amigo.

É um conto cheio de humor, e com a prosa poética que já comentei - e embora pareça uma grande piada à primeira vista, falou-me exatamente das coisas que às vezes preciso ouvir.

Em resumo? Vou ali criar uma múmia também...

Dia 06 – 09h52
A Cidade Inteira Dorme de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 23 páginas, 12 min.

Tenho de dizer que a forma como Bradbury USA a linguagem é algo que me deixa emocionada, impressionada e quase invejosa, a cada novo conto que leio. Aliás, dei-me conta hoje de que esse cuidado com a palavra era algo que se podia ver muito em Lovecraft também, embora Lovecraft use o vernáculo de forma mais científica, ao passo que Bradbury trabalha mais ritmo.

A Cidade Inteira Dorme, que dá nome à antologia, é um suspense, algo diferente dos outros contos que li até o momento nessa antologia. Aqui há um assassino serial à solta e uma moça que parece confundir coragem com assumir riscos desnecessários.

O problema não é desafiar o medo - sua ida ao cinema é ainda aceitável (ainda que ela insista nisso logo depois de encontrar uma das vítimas do assassino, alguém que ela além de tudo conhecia). Mas ter se negado a ficar na casa das amigas, ter recusado a companhia da policial, ter preferido passar pelo atalho da ravina para chegar em casa, sabendo que era naquele lugar que o assassino desovava suas vítimas? Isso foi uma tolice.

Não há nada de precisamente diferente no enredo, nada além da forma como Bradbury escolhe contá-lo. A expectativa da violência que parece permear todo o conto transforma-se em algo quase belo através das palavras que ele escolhe usar. Mas é perigoso encantar-se por esse tipo de narrativa - parece nos tirar do eixo.

Talvez a mosca se sinta assim, aterrorizadamente fascinada, presa na teia da aranha. Porque essa é a exata sensação que temos, protagonista e leitor, lendo esse conto.

Dia 07 – 17h55
O Homem Ilustrado de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 18 páginas, 15 min.

De novo um circo. Bradbury tem uma certa fascinação por circos demoníacos, não?

Eu já tinha ouvido muito falar em O Homem Ilustrado e achava que era esse conto… mas descobri após uma rápida consulta ao Google que o homem ilustrado famoso de Bradbury não é esse conto, mas um livro inteiro.

O livro é uma outra antologia de contos que, se bem entendi, é narrada por um homem coberto de tatuagens, em que cada tatuagem conta uma das histórias narradas. De certa maneira, é um conceito que está interligado ao que ocorre nesse conto, mas de forma bem mais funesta…

William, o homem tatuado desse conto, trabalha no circo, e faz as tatuagens com uma mulher idosa que tenho certeza absoluta é uma bruxa. As imagens em seu corpo são tatuagens vivas, capazes de predizer o futuro… um futuro de crime e morte, que se refletem ad infinitum.

Como Bradbury consegue fazer isso? Fiquei de queixo caído quando cheguei ao final. Sério, como ele consegue? Acho que vou começar a estudar a sério o estilo dele, é algo que merece ser aprofundado num ensaio lá no blog.
“Passando a porta, chegava-se a uma sala vazia e silenciosa e no centro da sala vazia, estava uma mulher idosa.

Seus olhos estavam costurados com fio resinado vermelho. O nariz estava selado com barbante preto encerado. As orelhas estavam também cozidas, como se uma libélula fina feita com agulha tivesse costurado todos os seus sentidos. Ela estava sentada, imóvel, na sala deserta.”
Eu olho para esse pequeno parágrafo e penso ‘eu deveria estar horrorizada, não? Horrorizada com a imagem de pesadelo da mulher com olhos e boca costurados… mas então ele joga ali uma ‘libélula’ e embora a imagem ainda seja horrível, parece haver uma leveza, uma delicadeza por trás desse aparente terror’.

Dá para entender porque estou tão impressionada, dia após dia?

Dia 08 – 17h49
O Homem em Chamas de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 10 páginas, 7 min.

Li ontem da hora que acordei até a hora em que fui dormir e acho que esse é o motivo de ter hoje acordado meio zonza, como se estivesse com crise de labirintite… Depois de tomar remédio e dormir quase o dia todo, estou mais ou menos melhor e aí… já vim ler mais um pouco.

Eu sou meio masoquista, já disse isso antes?

O Homem em Chamas parece ser da mesma cepa de O Homem Ilustrado e A Cidade Inteira Dorme. É um dia quente de verão, quente o suficiente para cozinhar a lama no caminho para o lago, formando golems de pura maldade.

Eu teria dado um pulo na cadeira quando cheguei ao final desse conto, não fosse a pulsação das minhas têmporas por causa da enxaqueca. Mas, enfim, aprendam, crianças: se alguém estiver pedindo carona numa estrada completamente deserta… passe por cima!

Dia 09 – 18h31
As Frutas no Fundo da Fruteira de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 15 páginas, 8 min.

Acton comete um assassinato. Não há motivação aparente (embora se possa depreender que aconteceu algo envolvendo sua esposa). Não o surpreendemos no ato. O impulso da violência está quase ausente.

Em vez disso, As Frutas no Fundo da Fruteira são 15 páginas do assassino compulsivamente lustrando a cena do crime. E depois a casa toda. NÃO PODE FICAR UMA ÚNICA DIGITAL PARA TRÁS!

Descrevendo assim, pode parecer algo bem estranho, mas, pra variar, Bradbury consegue te deixar tão obcecado com a história quanto Acton em limpar os vestígios de seu crime (o faqueiro, eu toquei o faqueiro. Limpar, limpar um por um, oh, meu, olha a hora, mas não posso deixar nada, nada, nada). A forma como o enredo se desenvolve consegue criar ainda mais suspense e ansiedade do que se tivesse sido contado de forma estritamente convencional.

Como ele faz isso? Bradbury, revele-me seus segredos!

Dia 10 – 20h32
O Dragão de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 5 páginas, 3 min.

Esse é um conto que se você piscar o olho, perde o momento da revelação. Você se perde no meio da estrada, junto com os cavaleiros à espera do dragão, e quando entende o que cargas d’água realmente aconteceu, fica com o queixo na altura do joelho, sem acreditar naquilo.

Aí você tem de decidir se a explicação é um rasgo no tecido do espaço-tempo contínuo, ou se os personagens fugiram de um asilo, ou estão realmente envolvidos num jogo de RPG. Todas as interpretações me parecem possíveis.

Não dá para contar muito mais sobre a história para não entregar o que acontece. O fato é que tudo se desenvolve de maneira tão inesperada que o que acontece não chega a entrar nem nas nossas hipóteses.

E ele consegue esse efeito em cinco páginas. CINCO PÁGINAS!!! Vejo em meu futuro a bibliografia completa dele… (quando crescer, quero ser Bradbury).

Dia 11 – 20h41
O Pedestre de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 7 páginas, 5 min.
“Ocupação ou Profissão?”

“Acho que poderiam me chamar de escritor.”

“Sem profissão”, disse o carro de polícia.

“Pode-se dizer que sim”, disse o sr. Mead.
O Pedestre me parece uma metáfora para o ofício de escrever e não apenas pelo fato de que Leonard Mead é um escritor.

Suas caminhadas noite após noite por ruas vazias, um expectador que observa sem se envolver, tentando adivinhar o que acontece por trás das janelas iluminadas é uma boa metáfora do processo de encontrar uma história, e criá-la.

Dia 12 – 07h46
O Alçapão de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 13 páginas, 6 min.

Após anos vivendo na mesma casa, uma solteirona descobre que tem um alçapão para um sótão. Pouco depois, começam os barulhos esquisitos à noite. Parecem ratos na primeira vez, ratazanas enormes na segunda, gatos ou guaxinins daí por diante.

Clara tenta racionalizar o que está acontecendo… mas, às vezes, as explicações racionais não têm como fazer sentido…

O curioso nesse conto é que nunca nos é dada uma resposta clara sobre o que está acontecendo. O que existe no sótão? O que aconteceu ao dedetizador? Como Clara vai se safar dessa?

Ao leitor fica o encargo de imaginar o que se esconde por trás da porta do alçapão e se tudo não passa de coincidências e a imaginação da protagonista ou se há algo mais po baixo dos panos...

Dia 13 – 11h17
A Hora Zero de Ray Bradbury. Lido na coletânea A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos. 15 páginas, 7 min.

Último conto do livro, hora de me despedir do mestre. Creio que não me importaria de passar o resto do ano desse projeto lendo apenas contos do Bradbury - ele é tão prolífico que há bastante para suprir a demanda, e está sendo passeando por gêneros, de forma que não se tornaria repetitivo.

A Hora Zero tem um pouco de tudo dos outros contos que formam essa antologia: a paisagem suburbana, ficção científica que se aproveita de situações aparentemente comuns, e uma boa pitada de suspense.

Além disso, esse conto é provavelmente um bom argumento para não ter filhos e fugir de crianças de uma maneira geral.

Vai me deixar saudade esse autor… Mas prometo que ainda nos encontraremos nesse desafio (afinal, muitos dos clássicos de Bradbury não estão nessa antologia… e ele tem pelo menos um conto que está na lista The 50 Best Short Stories of All Time, da Online Classes, que é uma das minhas guias base para esse desafio…).

Dia 14 – 18h32
Boa viagem, senhor presidente de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 37 páginas, 22 min.

Começando hoje uma nova antologia de contos, pulando do americano Bradbury para o colombiano Gabriel García Marquez. Recebi esse livro do pessoal do TAG - Experiências literárias em dezembro e gostei muito da proposta do autor, da trajetória dos contos ‘peregrinos’.

(a introdução do livro é quase um conto em si mesmo…)


Essa primeira história traz um presidente deposto que, no exílio, visita Genebra para tentar tratar uma doença terminal. Lá ele termina por encontrar um conterrâneo que é motorista de ambulâncias. Homero, o motorista, aproxima-se do presidente a princípio interessado em dar-lhe um golpe… mas acaba se deixando levar pelo charme do homem.

É um conto saboroso, divertido e quase ingênuo. Gostei de como começamos.

Dia 15 – 18h14
A Santa de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 20 páginas, 12 min.

Estamos dessa feita em Roma, onde um pai tenta uma audiência com o Papa para mostrar o corpo preservado da filha morta há anos, descoberto após um acidente ter forçado o desenterro de todos os corpos do cemitério da cidade.

O caso tornou-se questão nacional, e o pai e a filha foram mandados à Roma a fim de pleitear a canonização da moça. Contado em primeira pessoa por um narrador que primeiro conheceu o caso quando era ainda um jovem estudante, é uma história com tom de nostalgia e termina concluindo que o verdadeiro santo é o pai, tão paciente à espera, por anos, de ser ouvido pelo Vaticano.

Soa mais como crônica que conto, mas é muito bom assim mesmo.

Dia 16 – 20h19
O avião da Bela Adormecida de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 9 páginas, 6 min.

Estou no terceiro conto do livro e creio que vou gostar tanto dessa leitura quanto gostei de Bradbury. Mas, bem, Gabo é ele também um mestre, embora de um gênero muito diferente.

Mais uma vez, a história é narrada em primeira pessoa, num tom de confissão, e começa com um encontro fortuito no aeroporto, onde o narrador aguarda o fim de uma grande nevasca para embarcar num vôo para Nova York.

Não há nada de excepcional, nenhum grande enredo, plot ou mistério, mas Gabo nos convida a vislumbrar um momento de intimidade e beleza.

Creio que, se tivesse de escolher uma maneira de adjetivar o livro até o momento, seria confortável: os contos peregrinos que aqui nos são apresentados têm uma aura de nostalgia e alguma outra característica que não sei ainda bem definir, mas que se assemelha em minha mente a sentar-me para tomar uma xícara de chá num dia de ventania. Confortável, acolhedor e gentil, sim, acho que é isso que posso dizer.

Dia 17 – 20h55
Me alugo para sonhar de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 10 páginas, 5 min.

O título desse conto é das coisas mais poéticas que já li: já pensou, alguém pergunta pra ti com que tu trabalhas e respondes “me alugo para sonhar”? Isso é lindo. Tô apaixonada.

A história é sobre uma moça que se arvora vidente - seus sonhos servem como orientação para a família que a emprega, que ela praticamente controla, visto que eles não fazem nada sem o seu aval.

O narrador a conheceu quando jovem, reencontrou-a anos depois quando num cruzeiro com Neruda e agora, hospedado num hotel após um estranho acidente, relembra-se dela em virtude de um curioso anel com formato de serpente.

Considerando que não se deixa claro se a moça era ou não uma charlatã, não posso dizer que o conteúdo seja tão poético quanto o título, mas gostei de conto assim mesmo.


Dia 18 – 13h27
”Só vim telefonar de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 23 páginas, 10 min.

Acho que vou ter pesadelos com esse conto…

Quando seu carro quebra na estrada para Barcelona, onde seu marido a aguarda, María pega carona num ônibus repleto de mulheres que ela acredita serem freiras… Elas lhe prometem que uma vez tendo chegado ao seu destino, a mulher poderá telefonar para o marido e resolver como voltar para casa.

E assim María chega ao que acredita ser um convento, apenas para telefonar… e termina sendo internada como louca: aquele era um asilo para deficientes mentais e ela não tinha qualquer documentação nem nada com que comprovar quem era e que realmente só viera até ali para telefonar.

É ou não é um enredo assustador?

Dia 19 – 21h50
Assombrações de Agosto de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 5 páginas, 3 min.

Acabo de ver a notícia da morte de Eco. Quase perdi até a graça de ler e escrever o diário hoje… Mas temos de continuar o desafio e assim, seguimos na companhia do Gabo.

Talvez de forma bastante conveniente, esse seja um conto de fantasmas que se passa na cidade italiana de Arezzo. O narrador e sua família passam a noite em um castelo aonde um terrível crime foi cometido. O que advir daí, não posso falar, porque o conto é curtinho e as coisas acontecem tão rápido que dizer mais que isso seria entregar o final.

Vou ir dormir e tentar fingir que não existo por algum tempo...

Dia 20 - 20h35
Maria dos Prazeres de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 21 páginas, 12 min.

Ora vejam, que curioso: o conto de hoje é sobre uma brasileira de Manaus exilada na Barcelona dos tempos de Francisco Franco. Vendida pela mãe quando criança, foi largada do outro lado do Atlântico onde para ganhar a vida, terminou num bordel.

Velha, aposentada de sua profissão, morando agora de forma que julga respeitável, com sonhos que parecem prenunciar sua morte, Maria preocupa-se em comprar uma sepultura num cemitério que não inunde, assombrada pelas imagens de sua infância, quando uma enchente do Amazonas levou corpos do cemitério correnteza abaixo.

É um conto melancólico, com Maria tomando todas as precauções, dividindo seus pertences, fazendo o testamento, visitando o cemitério para plantar naquele que será seu túmulo, e até ensinando seu cachorrinho, Noi, a chorar junto àquela que será sua lápide.

Apesar do tema meio mórbido, é um conto belamente escrito.

Dia 21 - 10h08
Dezessete ingleses envenenados de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 19 páginas, 10 min.

Desta feita acompanhamos Dona Prudencia Linero, em peregrinação a Itália após a morte do marido, para ver o Santo Papa. A pobre criatura, que nunca saíra antes de sua cidade, Riohacha, na Colômbia, está chegando à Europa numa época complicada - a Segunda Guerra acabou há pouco tempo, ainda há problemas de abastecimento e muita confusão nas ruas.

A pobre mulher não fala italiano e acredita piamente que conseguirá chegar ao Papa e, quem sabe, até se confessar com ele. E claro que lá pelo meio do caminho tem os dezessete ingleses envenenados, com seus joelhos rosados parecendo “leitões pendurados nos ganchos de um açougue”.

Moral da história: nunca coma sopa de ostras no refeitório de um hotel...

Dia 22 - 18h16
Tramontana de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 8 páginas, 5 min.

Em Cadaqués, cidade litorânea espanhola, há uma temporada do ano em que sopra a tramontana, um vento ‘maligno’, sendo nos conta o narrador, relembrando fatos de uma sua visita à cidade.

Á medida que lia esse conto, afinal compreendi de onde vem meu sentimento de familiaridade com Gabo: ele me soa com a mesma cadência das histórias que ouvia na calçada da casa da minha avó e me causam extrema nostalgia...

Dia 23 - 18h36
O verão feliz da sra. Forbes de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 19 páginas, 10 min.

Não sei dizer exatamente o que senti ao terminar esse conto… Surpresa, num primeiro momento, já que o que aconteceu ao final era algo que eu não esperava. Curiosidade, por outro - queria entender o que havia por trás dos suspiros e cartas da Sra. Forbes. Desejo pela vívida imagem pintada pelo narrador da Sicília, uma vontade enorme de mergulhar com os dois irmãos e descobrir os torpedos esquecidos sob o mar e até, talvez, uma cidade submarina.

É curioso: ler esse conto deixou-me com vontade de escrever alguma história… Ele foi, talvez, um dos meus favoritos até o momento neste livro.

Dia 24 - 06h27
A luz é como água de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 5 páginas, 3 min.

Embora termine de forma bastante trágica, este é sem qualquer sombra de dúvida, o mais poético de todos os contos do livro (embora eu ainda continue apaixonada pelo título “Me Alugo para Sonhar”) - navegar num mar de luz é uma imagem metafórica bela por si só, mas de forma tão literal como acontece nessa história? É para se ficar bem fascinando, realmente.

Dia 25 - 08h01
O rastro do teu sangue na neve de Gabriel García Marquez. Lido na coletânea Doze Contos Peregrinos. 31 páginas,15 min.

Hoje é dia de fazer endoscopia, e tenho de passar de jejum até 09h30… Já sei que hoje não tomarei café da manhã… mas aí vamos logo tratar de ler o conto do dia, porque mais tarde eu estarei seriamente dopada para conseguir ler ou escrever qualquer coisa que seja…

Último conto do livro de Gabo, um dos maiores da coletânea, mas não posso dizer que tenha sido bem meu favorito - embora a imagem de sangue na neve sempre me deixe meio apaixonada (sério, tenho sempre de fazer um esforço consciente para não achar uma maneira de colocar sangue na neve em todo conto que eu mesma escrevo…).

Afinal, como raios uma pessoa pode se esvair em sangue por causa de uma picada de um espinho de rosa? Fez-me pensar na Bela Adormecida e Gabo já nos dera uma experiência dessa idéia alguns contos atrás…

Seja lá como for, gostei muito do livro. Só tinha lido do autor Crônica de uma Morte Anunciada, de que gosto bastante. Cem Anos de Solidão é um que está na fila para ser lido também, mas não é prioridade por enquanto… Até lá, fico feliz de ter tido esse contato com a obra do autor.

Dia 26 - 10h46
A Vida Secreta de Walter Mitty de James Thurber. Lido no site Altamente Ácido. 5 páginas, 5 min.

Meu irmão hoje foi embora para São Paulo quase de mala e cuia, para começar, semana que vem, a residência em cirurgia na USP. Não posso deixar de me perguntar se ele voltará - não digo de visita, mas voltar de fato para Recife. Ele diz que sim, mas quem sabe que tipo de oportunidades vão encontrá-lo por lá? Seja como for, boa sorte para ele nessa nova etapa.

Em homenagem ao meu irmão, decidi hoje ler um conto que inspirou um filme de que nós dois gostamos. A Vida Secreta de Walter Mitty, de James Thurber, está lá naquela minha lista dos 50 Melhores Contos de Todos os Tempos e eu estava bem ansiosa para achar uma oportunidade de lê-lo.


Curiosamente, o conto é muito diferente do filme… exceto, claro, pelo protagonista, Walter Mitty, que prefere viver num mundo de fantasia e em algumas poucas horas enquanto espera a mulher mandona terminar seu apontamento com o cabeleireiro, encarna um capitão de uma fraga em meio a uma tempestade; um médico em meio a uma arriscada operação; um atirador de elite sendo julgado num tribunal, um capitão preparando-se para voar em meio a combate e um prisoneiro prestes a ser fuzilado.

Gostei muito do filme, pela forma como Mitty a determinada altura passa a viver de fato - e uma vida tão emocionante quanto seus sonhos. O conto é um pouco mais agridoce, mas não deixa de ter bom humor e tenho de confessar que me identifico fortemente com Mitty.

Que seja sonho ou ilusão, o belo da história é perceber o quão rica pode ser a vida interior de uma pessoa, quanta imaginação pode esconder uma fachada respeitável, ou mesmo um pobre senhor feito de gato e sapato pela esposa…

Temos todos um pouco de Walter Mitty e saber exercitar essa capacidade de sonhar é algo de que nunca deveríamos nos esquecer.

Dia 27 - 15h17
Como o Marquês Recuperou o seu Casaco de Neil Gaiman. Lido na coletânea O Príncipe de Westeros e outras histórias. 38 páginas, 29 min.

O Marquês de Carabas é um dos personagens mais interessantes e misteriosos criados pelo Gaiman - ao menos, na minha opinião. Ele está constantemente roubando a cena em Lugar Nenhum, e quase nada é de fato revelado sobre ele.

Talvez por isso, estava bem curiosa para ler esse conto. Pensei que teríamos algumas respostas… E, bem, eu consegui afinal confirmar para minha cabeça que o marquês é humano e não um gato (de Carabas age bem mais como o Gato do conto de fadas original que o suposto marquês)... mas fora isso, fiquei foi com mais perguntas ainda, especialmente quando surge em cena o Peregrino.

Sério, porque Gaiman não escreve um romance inteiro sobre de Carabas e o Peregrino? Eu ia amar, ABSOLUTAMENTE AMAR ler um romance sobre eles, porque os dois juntos nesse conto me fizeram ficar meio maluca tecendo mil e uma teorias.

Em todo caso… Como o Marquês Recuperou o seu Casaco continua um pouco depois de onde Lugar Nenhum terminou, com de Carabas se recuperando dos não tão exagerados rumores de sua morte e desesperadamente desejando ter de volta seu belo casaco, feito de couro da cor de uma rua molhada à meia-noite.

Para tanto ele passa por aventuras envolvendo o Elefante e também os terríveis Pastores, o povo Cogumelo e até uma dama da corte dos Corvos.

Gaiman é absolutamente fantástico na forma como cria imagens, como constrói seu mundo da Londres Debaixo. O grande problema desse conto é que ele não se estende por um romance inteiro: há tanto para se explorar aqui, tanto que fica no ar, que não posso deixar de crer que, talvez algum dia, Gaiman tenha pena de nós e afinal nos conte a verdadeira (ou não tão verdadeira assim) história do Marquês de Carabas.

Dia 28 - 08h33
Proveniência de David W. Ball. Lido na coletânea O Príncipe de Westeros e outras histórias. 24 páginas, 26 min.

Eu não conhecia o autor desse conto, nem tinha quaisquer expectativas quando comecei a ler… mas tenho de dizer que Proveniência talvez seja das melhores histórias que tive o prazer de ler esse mês - e fevereiro tem sido um mês de contos maravilhosos até aqui.

A história gira em torno de um quadro de Caravaggio roubado por nazistas durante a segunda guerra, julgado perdido por muito tempo, até ser ‘encontrado’ por acaso por um dedetizador e entregue a um marchand para fazer negócios por debaixo do tapete.

Parte do que faz essa história tão interessante é ir descobrindo aos poucos a história do quadro e seus donos, contada pelo nosso amigo especialista em arte, o simpático Max Wolff. Caravaggio, Borghese, Walter Beck, Victor Maslov, Lonnie Mack… cada personagem - e cada um mais canalha que o outro - adiciona ainda mais sabor à história.

O final é surpreendente e digno da construção que se fizera até ali. Excelente história, em suma, daquelas que provavelmente me levarão a procurar mais do autor depois.

Dia 29 - 09h33
O Som do Trovão de Ray Bradbury. no site Contos Fantásticos. 10 páginas, 11 min.

Decidi terminar o mês da mesma maneira como comecei: com Bradbury. O Som do Trovão está na lista dos 50 Melhores Contos de Todos os Tempos, de forma que me pareceu bastante justo ir atrás dele para fechar fevereiro.

Tenho uma vaga lembrança de ler algo parecido com essa história, mas não exatamente o mesmo conto. Desconfio que minha memória talvez esteja embaralhando as coisas com H. G. Wells, mas seja lá como for, a idéia do efeito borboleta (aqui levado a um certo nível de literalidade) é um conceito de que gosto muito e pode ser por isso que fiquei com a sensação de déjà vu.

Um grupo viaja no tempo para participar de um sáfari para caçar tiranossauros. Existe um protocolo para evitar mudanças na linha temporal - qualquer coisa que possa eventualmente criar repercussões desastrosas na História. Claro que as coisas não saem bem como deveriam… e então se segue o som do trovão…

Confesso que não achei esse conto tão genial quanto outros que li na antologia com que abri meu mês de desafio… ele é interessante, sem dúvida, e deve ter feito muito sucesso numa era pré-Jurassic Park. Mas Bradbury consegue ser tão mais sutil e surpreendente que não posso tomar para mim esse conto como o melhor exemplo de sua bibliografia.

Conclusões

Como em janeiro, li esse mês dois livros inteiros, o início de um terceiro e dois contos avulsos. Não houve releituras dessa vez, mas não creio que posso dizer que tudo foi uma surpresa.

Conheci Bradbury no ano passado, no contato que tive com seus dois romances de dia das bruxas, e fiquei verdadeiramente fascinada pelo seu estilo de escrita. Mas nada me preparou para a variedade de seus contos, pela sua capacidade de passear por gêneros e pela maneira como ele consegue estruturar as histórias de uma maneira tão poética mesmo quando seus temas são tão espinhosos - crime e violência, medo e rancor.

Talvez a melhor maneira de resumi-lo seria dizer que Bradbury é assombrosamente belo, seja nas superfícies marcianas, seja em inteiramente prosaicas cidades de interior.

Doze Contos Peregrinos, que recebi em dezembro na caixa da TAG - Experiências Literárias é um título que me deixou extremamente nostálgica. O realismo fantástico característico do autor fez-me pensar nas ‘Histórias de Trancoso’, que eu costumava ouvir contadas pela vizinha da casa da minha avó, sentada à noite na calçada, sob as luzes da praça.

Essa nostalgia, contudo, não é fruto apenas de experiências pessoais, mas é intrínseca a todos os contos que são, em essência, crônicas de exílio, histórias em que se confundem memória e fantasia. Há, muitas vezes, um tom de confissão, de desenterrar de fatos, e o resultado final não é apenas de nostalgia, mas também melancólico.

Gostei muito de todos os contos que tive a oportunidade de ler ao longo de fevereiro. Aliás, fevereiro foi um mês de ‘tirar a barriga da miséria’, li tanto que houve dias de ficar tonta por causa de tanta leitura… e a maior parte dos livros que li foram excelentes, desde os clássicos até os mais modernos e modernosos.

Uma das coisas que me diverte na idéia desse desafio é a possibilidade de fazer estatísticas - e para que não é uma grande fã de matemática, eu adoro fazer esse tipo de exercício… Então, vamos às estatísticas do meu desafio de contos até o momento!

Contos: 60/365
Páginas: 1283 (461 lidas esse mês)
Tempo: 16 horas e 16 minutos (4h 52min de leitura esse mês)

Março temos encontro marcado com Rudyard Kipling!


A Coruja




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