14 de agosto de 2012

Para ler: The Somnanbulist

Esteja avisado. Este livro não tem qualquer mérito literário. É uma peça lúrida de absurdos, convoluta, implausível, povoada por personagens pouco convincentes, escrita numa monótona pedestriana prosa, freqüentemente ridícula e intencionalmente bizarra. Desnecessário dizer que você não acreditará em uma palavra dele.
Quando eu estava a umas cem páginas do final desse livro, tive que parar por um momento, respirar fundo e dar duas voltas em torno da mesa, repetindo para mim mesma: “mas que livro maluco! Que livro MA-LU-CO!”. Eu continuo sem conseguir chegar a uma conclusão sobre ele, mesmo depois de inteiramente digerido, porque, sério, ele é muito louco.

No começo, eu achei que tinha tropeçado por acaso em uma obra-prima. A narrativa em primeira pessoa foi uma boa sacada, especialmente porque o narrador misterioso volta e meia confessa que está omitindo ou embelezando a verdade e que você não deve acreditar nele, embora tudo o que ele conte seja verdade – ao ponto em que você começa a se questionar se aquilo tudo não é uma alucinação, um pesadelo do narrador.

Você começa com assassinatos totalmente bizarros que parecem ter sido cometidos por uma criatura saída da imaginação de Lovecraft, para então ser empurrado em um submundo de ‘aberrações’ – pessoas com diversos tipos de mutações genéticas que se cruzam entre bordéis especializados em mulheres barbadas e o circo dos horrores com o homem mosca.

O herói, se assim pode ele ser chamado, é Edward Moon, um ilusionista com pendor para detetive que é quase o irmão perdido de Sherlock Holmes (sério, houve trechos do livro em que tive de pausar de novo para ter certeza que não tinha trocado de volume sem perceber e estava a ler algum dos meus pastiches ou contos originais do Doyle...). Seu companheiro é o Sonâmbulo, um gigante que mesmo fora do palco, não sangra quando você enfia uma espada nele, não fala, comunicando-se ao escrever na plaquinha que sempre carrega consigo e que nada me tira da cabeça, é parte golem.

Moon é chamado para a investigação dos assassinatos bizarros – dois homens que aparentemente caíram de uma torre abandonada num bairro pouco recomendável de Londres. Estranhamente, o quarto de onde eles teriam caído para a morte (em ocasiões separadas) tem vidro jogado dentro do aposento (o que significa que alguma coisa veio de fora para dentro... e a altura da torre, bem como sua localização, dizem que isso é impossível) e um banquete em estado de decomposição.

Os assassinatos fazem parte, contudo, de uma trama muito mais complicada, uma conspiração que aparentemente deseja a queda de Londres. O Diretório, um órgão super secreto do governo, representado na figura do Albino, tenta cooptar Moon para dar jeito na tal conspiração. Mas Moon tem um passado com o Albino, que foi responsável pela queda de graça de seu antigo companheiro (e possivelmente amante), Barabbas.

Moon, que começa como um paradigma da racionalidade – a despeito de não haver explicação para aquilo que o Sonâmbulo faz – acaba envolvido com uma vidente; com um homem que diz viver de trás para frente, já tendo visto o futuro e acordando a cada dia no passado (e que talvez seja uma antropomorfização da própria cidade de Londres); e um culto a ninguém menos que o poeta Coleridge. E a coisa toda vai ficando mais e mais complicada, porque o narrador detesta Moon e não perde uma oportunidade de cutucar o ‘herói’ e dar pistas falsas e embolar tudo até que você tenha a impressão de que está preso num labirinto ou numa daquelas casas de espelhos de parques de diversões.

Vou dizer que casas de espelhos, ilusões que te fazem perder o sentido de si mesmo, me deixam de cabelo em pé e a forma como a história começa a te prender e sufocar com tantas tramas se enredando me deu a impressão de estar presa em um desses brinquedos, num labirinto em que em vez de sua voz responder igual no eco, ela vem com outros tons e risadas sombrias.

Pra lá do meio e até pouco antes do grande final, o autor parece ele próprio se perder um pouco nesse labirinto – e foi nessa hora que tive de parar para dar voltas em torno da mesa – mas ele ainda consegue amarrar a história, te jogando no limbo de que falei no começo, de tentar entender o que é real ou não na história narrada no livro; se existe alguma explicação para tudo aquilo que é inexplicável, bizarro e, francamente, aterrorizante.

Terminei a história mais que perplexa, mais que perdida, ainda tonta com toda a fumaça feita para esconder o truque... que não consegui desvendar qual era. E talvez este seja o grande horror de The Somnanbulist - a impressão de que todos os planos mirabolantes, toda a carnificina resultante deles, tudo foi feito para servir a nenhum propósito, por simples crueldade, mesquinhez ou ignorância.

E, talvez, nenhum horror seja maior do que esse...


A Coruja


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