29 de junho de 2022

Projeto Agatha Christie: Morte na Mesopotâmia


"Ela era temperamental. Muitos altos e baixos. Querida com a gente num dia, e no outro não se dignava a nos dirigir a palavra."

Publicado originalmente em 1936, Morte na Mesopotâmia se passa como um manuscrito da enfermeira Amy Leatheran, em que ela reconta os fatos que a levaram a uma escavação arqueológica no Iraque, o crime em que se viu envolvida quando sua paciente é assassinada, e a investigação que se segue, capitaneada pelo detetive Hercule Poirot - que, convenientemente, andava viajando pelas redondezas, a caminho de embarcar no Expresso do Oriente.

A história começa com a estranha tensão que perpassa o grupo de cientistas e agregados, liderados pelo doutor Eric Leidner - tensão que parece centrada na esposa do arqueólogo, Louise Leidner, e que termina com o assassinato da mulher. O crime parece quase impossível de ter sido cometido, contando com uma janela de tempo risível e uma série de ausências coincidentes para acontecer sem que haja testemunhas da figura do assassino. Sem pistas materiais, Poirot começa sua investigação destrinchando o caráter da morta.

Louise é pintada como uma mulher casualmente cruel, uma natureza felina que não se furta a brincar com os ratos que tem sob as patas. Ela se compraz em descobrir fraquezas e manter outros sob seu domínio - não por ganhos reais, mas simplesmente pelo poder. A certa altura dos acontecimentos, ela é comparada com a figura do poema de Keats, “La Belle Dame Sans Merci”.

A despeito de sua inteligência e controle, quando a enfermeira Leatheran a conhece, Louise está aterrorizada com fantasmas de seu próprio passado, incluindo um marido supostamente falecido, mas que assina cartas ameaçadoras para sua viúva. Mas fato é que, quando se vai direto aos fatos, praticamente todos no acampamento tinham motivos para matar Louise. A questão é saber como foi feito.

Como de hábito nos romances de Christie, a despeito de centralizar na ocorrência de um crime violento, a leitura é leve, levada pelo humor de Miss Leatheran - como em suas tentativas de se justificar por escutar conversas escondidas, ou seus escrúpulos em receber souvenires de sua ex-paciente. É realmente um daqueles livros que, uma vez que começamos, não queremos largar até chegar ao final.

A solução, contudo, depende muito da capacidade do leitor de suspender sua descrença a achar plausível a “cegueira” de Louise, continuamente descrita como sagaz a acostumada a aferrar segredos. É um mérito de Christie que a despeito desse ponto, quando Poirot abre as cortinas do enredo, nossa lógica fique fora do palco.

Engraçado que eu me lembro de ter lido Morte na Mesopotâmia na escola, numa atividade em que meu professor de literatura pediu que trouxéssemos e trocássemos livros com os colegas de turma. Lembro nitidamente da imagem da capa, na antiga coleção da Record, e até do vizinho de carteira com quem troquei volumes (mas não sei dizer qual foi o livro que eu levei para a transação). Contudo, quando abri a primeira página para minha releitura de agora, mais de vinte anos depois, descobri que não lembrava de absolutamente NADA do plot.

Bem, são duas décadas, nada de errado com minha memória… De toda forma, agradeço o esquecimento, pois me permitiu ler agora como se fosse a primeira vez, o que é sempre mais divertido em romances policiais.

Enfim, pude colocar meu chapéu de detetive e acertei a identidade do assassino - e também a ocorrência de outro crime concomitante ao assassinato -, mas nem de longe desconfiei de como a ação foi feita. Vou me dar um sete e meio como investigadora.

Uma última observação: gosto muito das edições da Harper Collins, elas têm um projeto gráfico maravilhoso, com capas vistosas que te fisgam a atenção quando você entra numa livraria. Algumas escolhas na tradução, contudo, fizeram-me franzir a testa. Não são erros, mas escolhas de vocábulos que não condizem com o contexto ou a época em que a ação se passa. Entendo a necessidade de uma certa modernização para pegar leitores mais jovens, mas para quem está acostumado com os ritmos e linguagem de época, pode ser um estranhamento. Fica o aviso.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: Morte na Mesopotâmia
Autor: Agatha Christie
Tradução: Samir Machado de Machado
Editora: Harper Collins
Ano: 2021

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