28 de agosto de 2018
A Arte do Romance: Dois Livros, um só Título
Resenha de hoje é dupla, de dois livros tão parecidos que poderiam ser irmãos: ambos são coletâneas de ensaios sobre a literatura, foram escritos por autores de renome por seus trabalhos com ficção, e têm o mesmo título! Provavelmente, se quisesse pesquisar, encontraria até mais volumes com todas essas características, porque ‘a arte do romance’ é realmente um título muito óbvio para um livro de crítica literária, mas comprei esses dois juntos e li um seguido do outro mês passado, então vamos nos ater a eles. Começando cronologicamente!
Descobri por acaso A Arte do Romance Virginia Woolf, lançada pela L&PM. Dei uma olhada na bibliografia da autora para confirmar o que percebi na leitura e entendi que a escolha dos ensaios que estão nesse volume foi da editora aqui no Brasil, já que eles apareceram originalmente em separado ou em outras antologias. Seja como for, estava na livraria, dei de cara com ele e fiquei imediatamente interessada. Primeiro, pelo nome, claro, já que adoro livros de crítica literária; segundo, pela autora.
Gosto muito de Virginia Woolf como ensaísta. Lembro de descobrir O Leitor Comum na biblioteca da faculdade (vivo tentando achar esse livro em sebo, já que ele está aparentemente esgotado nas livrarias); e um pouco depois, Um Teto todo Seu. Creio que foi depois de ler Woolf que pela primeira vez tomei consciência das diferenças de tratamento da literatura escrita por mulheres e por homens. Sobre como o que chamamos de cânone ocidental tem tão poucos nomes femininos antes do século XIX. Do impacto e importância da posição de mulheres como Jane Austen, as irmãs Brontë, Elizabeth Gaskell, Mary Shelley e tantas outras. Tenho um pouco mais de dificuldade com a Woolf romancista - exceto por Flush, que é leve, adorável e tem o mesmo efeito reconfortante de uma xícara de chocolate quente num dia de chuva - porque não consigo realmente gostar da técnica de fluxo de consciência típica do modernismo. Mas isso é um problema meu, que nada tem a ver com a qualidade da escrita dela.
Enfim, por tais motivos, A Arte do Romance entrou na minha lista de desejados, depois vi-o em promoção e pouco depois ele já chegava lá em casa. Sendo um volume de bolso, pequeno e curtinho, enfiei na bolsa para leituras em filas e salas de espera.
De forma geral, acho os ensaios de Woolf são agradáveis de ler: boas análises, repletas de exemplos, e entrelaçadas com humor e boas doses de ironia. A Arte do Romance traz nove textos da autora, nos quais ela fala de literatura clássica e contemporânea; as diferentes leituras que fazem o jovem e o leitor maduro; mulheres romancistas; o ofício do escritor, do crítico e do resenhista.
Como um estudo história da evolução da literatura - inclusive para se refletir sobre o livro como objeto de debate na esfera pública - é um volume muito bom. Mas alguns dos comentários e questionamentos dele estão bem datados, e não só pelas referências a autores, jornalistas ou críticos da época, que escapam ao leitor comum, mas pela própria tecnologia, na forma como recebemos e compartilhamos informações hoje em dia.
Não acho que esses sejam os melhores ensaios produzidos por Woolf, mas achei o livro interessante mesmo assim, inclusive pelo fato desses textos serem inéditos aqui no Brasil. De toda forma, já vi que há outro lançamento dela nessa linha, chamado A Leitura Incomum, numa edição linda da Arte e Letra. Coloquei nos desejados. Quem sabe não ganho de presente?
E agora, vamos ao segundo A Arte do Romance. Dessa vez, reunindo escritos do tcheco Milan Kundera.
Kundera já está no meu radar faz algum tempo. Tenho uma amiga que vive me indicando a leitura de A Insustentável Leveza do Ser, e ele tá lá na lista de futuras aquisições, mas não entrava nas prioridades. Não conhecia nada do autor, nunca tinha pesquisado nada sobre ele e os títulos com os quais cruzava me davam a impressão de estar diante de uma prateleira de autoajuda. Não sei explicar o porquê desse preconceito, mas fato é que fiquei enrolando levar a sério a indicação (desculpa, Vivi!).
Aí vi umas referências a Kundera no epílogo de Censores em Ação, e isso pescou meu interesse. Decidi dar uma olhada no que o autor escrevera de não-ficção; achei A Arte do Romance e Os Testamentos Traídos e coloquei ambos na lista, esperando uma oportunidade ou promoção para comprar. Finalmente, achei o primeiro título com um excelente preço, e na edição capa dura ainda por cima! Não tinha como adiar mais: pouco depois dele ter chegado, já comecei a ler.
O livro é dividido em sete partes, entre ensaios, entrevistas e discursos, e até mesmo um pequeno dicionário de citações. Kundera começa fazendo uma defesa do romance como gênero e aventura, frente às experiências modernas com a forma da escrita e estudo psicológico, trazendo Dom Quixote como expoente; questiona a eterna necessidade de esmiuçar a biografia do escritor para explicar a obra; faz uma das melhores análises de Kafka que já tive o prazer de ler; fala de tradução, do processo de escrita dele mesmo (e dei risadas com a história da busca inconsciente do número sete em seus livros); a importância de ritmo, compasso numa comparação entre literatura e música, e apresenta ainda outros tantos títulos que eu não conhecia mas sobre os quais fiquei curiosa.
Talvez o mais interessante seja a verdadeira aula da história do romance que Kundera apresenta nessas páginas, um panorama que vale a reflexão. Discordo em alguns pontos dele, especialmente na forma como ele desconta a questão do contexto biográfico do autor como ferramenta de interpretação, mas há muito aqui por ser aproveitado. Em seus melhores momentos, a A Arte do Romance me lembrou muito os livros sobre literatura de Eco, com suas análises detalhadas e seu autêntico entusiasmo pelas obras que comenta. Curioso é que, embora Eco fosse um professor de semiótica e Kundera seja o romancista de profissão, ainda acho que numa comparação entre os dois, Eco sai ganhando pelo humor com que injeta sua crítica.
Ao final, gostei o suficiente do livro para decidir que quero ler mais do Kundera. Vejamos qual será o próximo da lista.
A Coruja
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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
ResponderExcluirA Leitora Incomum da Arte e Letra é a coisa mais linda! <3 Os ensaios são muito bons e a edição é de colecionador mesmo, de tão maravilhosa. Gostei muito!
Pois é, tô com olho bem grande nela. Mas vou dizer que o livro da Woolf que eu mais queria que fosse relançado era o danado do Leitor Comum. Eu vivo dando uma olhada nele para ver se não relançam, porque ele está esgotado e as edições nos sebos são bem carinhas ou muito antigas - algo nada bom para minha alergia...
ExcluirOlá, tudo bem? Amei a sua resenha! Recentemente li o livro e elaborei minhas impressões a respeito do livro se quiser conferir.
ResponderExcluirhttps://literaturasobria.blogspot.com/2019/07/impressoes-literaria-sobre-literatura-e.html