16 de setembro de 2010

Sobre a história da leitura


Estou prestes a me mudar novamente. Em torno de mim, na poeira secreta de cantos insuspeitos, revelados agora pelo deslocamento dos móveis, elevam-se pilhas instáveis de livros, como rochas desgastadas pelo vento numa paisagem desértica. Enquanto ergo pilha após pilha de volumes familiares (reconheço alguns pela cor, outros pela forma, muitos por detalhes nas capas, cujos títulos tento ler de cabeça para baixo ou de um ângulo esquisito), pergunto-me, como já fiz tantas vezes, por que guardo tantos livros que sei que não lerei novamente.

Digo a mim mesmo que, sempre que me desfaço de um livro, descubro dias depois que era exatamente aquele que estava procurando. Digo a mim mesmo que, não existem livros (ou poucos, muito poucos) em que eu não tenha achado alguma coisa que me interessasse. Digo a mim mesmo que os trouxe para dentro de casa por algum motivo e que esse motivo pode surgir novamente no futuro. Invoco desculpas: meticulosidade, raridade, uma vaga erudição. Mas sei que a razão principal de me apegar a esse tesouro sempre crescente é uma espécie de ganância voluptuosa.

Adoro olhar para minhas prateleiras lotadas, cheias de nomes mais ou menos familiares. Delicio-me ao saber que estou cercado por uma espécie de inventário da minha vida, com indicações do meu futuro. Gosto de descobrir, em volumes quase esquecidos, traços do leitor que já fui - rabiscos, passagens de ônibus, pedaços de papel com nomes e números misteriosos, às vezes uma data e um local na guarda do livro, levando-me de volta a um certo café, a um quarto de hotel distante, a um verão longínquo.

Eu poderia, se precisasse, abandonar esses livros e começar de novo, em outro lugar; já fiz isso antes, várias vezes, por necessidade. Mas então tive de reconhecer também uma perda grave, irreparável. Sei que algo morre quando abandono meus livros e que minha memória insiste em voltar a eles com uma nostalgia pesarosa. E agora, com os anos, minha memória relembra cada vez menos e parece-me uma biblioteca saqueada: muitas das salas foram fechadas, e, nas que ainda continuam abertas para consulta, há enormes vazios nas estantes. Pego um dos livros remanescentes e percebo que várias páginas foram arrancadas por vândalos. Quanto mais decrépita minha memória, mais quero proteger esse repositório do que li, essa coleção de texturas, vozes e odores. A posse desses livros tornou-se fundamental para mim, porque agora sinto ciúme do passado.

Eu não me lembro agora exatamente quem me indicou o autor; ou se li algum comentário em algum lugar que me deixou curiosa - o caso é que estava com esse livro para na estante há alguns dias e, terminada a prova do MPU, acabei por resgatá-lo na frente de vários outros que estavam com preferência na fila...

E foi paixão às primeiras páginas.

Uma História da Leitura é exatamente o que promete o título... e muito mais. A prosa de Manguel é deliciosa, despretensiosa e o livro é recheado de curiosidades e anedotas históricas sobre autores e leitores, não esquecendo das próprias referências pessoais de Manguel sobre a sua história como leitor.

Sabe quando um livro está falando diretamente com você? Quando você se identifica tão completamente com um romance que, mais que um personagem, você se enxerga no livro? Essa foi a sensação que tive lendo Uma História da Leitura, a sensação de me reconhecer a cada linha, de dizer "ei, eu também passei por isso!".

Terminei esse livro quase vibrando, num estado de espírito muito próximo de quando termino de ler Eco, que é uma das minhas maiores paixões literárias. Manguel entrou na minha lista de favoritos e mal posso esperar pela possibilidade de deitar mãos em outros livros dele.

Dizer mais do que isso é estragar a diversão de quem for ler (e eu recomendo MUITO a leitura); fora que cada capítulo merecia um inteiro artigo para comentá-lo. Fica a dica - para quem se interessa por literatura e linguagem, ou para quem simplesmente gosta de uma boa história, não vai se decepcionar com esse livro.



A Coruja


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Um comentário:

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