10 de fevereiro de 2022

Projeto Agatha Christie: Morte no Nilo


– Amor? É isso? Amor? Mas a senhorita não sabe. Talvez ela tenha se casado só pelo dinheiro que tem!

– O senhor não viu a forma como ele olhava para ela?

– Oh, sim, mademoiselle. Vi tudo o que havia para ver. Vi até algo que a senhorita não viu.

– O quê?

Poirot respondeu vagarosamente:

– Vi, mademoiselle, linhas escuras sob os olhos de uma mulher. Vi mãos apertando uma sombrinha com tanta força que as articulações dos dedos ficaram brancas...

Rosalie olhava fixo para ele.

– O que quer dizer com isso?

– Quero dizer que nem tudo que reluz é ouro. Quero dizer que, embora aquela moça seja rica, bela e amada,
alguma coisa não está bem.

Publicado originalmente em 1937, Morte no Nilo é um dos mais célebres romances da Agatha. Inspirado em suas próprias viagens pelo Egito, e aproveitando o embalo da ‘egiptomania” que tomara o mundo - especialmente após a descoberta por Howard Carter do túmulo de Tutancâmon em 1922 -, o livro traz em seu âmago um triângulo amoroso fatal e um elenco de personagens repleto de segredos e agendas próprias, muitos ligados ao crime que acaba sendo cometido.

Interessante observar que Christie já utilizara o título numa história curta, com Parker Pyne como o detetive no centro do caso. Fora o cenário, contudo, o conto de 1933 não tem nada a ver com esse livro; que, por outro lado, foi transformado em peça de teatro pela autora em 1944 - com um elenco mais enxuto de personagens e sem Poirot no papel de detetive, com diferentes títulos, desde Assassinato no Nilo, Lua no Nilo ou ainda Horizonte Oculto. Engraçado que, em seus cadernos, o plano original era ter Miss Marple como investigadora.

Linnet Ridgeway e Jacqueline de Bellefort foram melhores amigas… até Linnet se apaixonar perdidamente por Simon Doyle, noivo de Jackie. Acostumada a ter tudo o que deseja, Linnet não hesita em roubar Simon para si. Após o casamento, ela embarca numa lua-de-mel que terminará em tragédia. Pelo meio do caminho há um colar de pérolas, fraude financeira, identidades disfarçadas, agitadores políticos e chantagistas. O que é ótimo para confundir a cabeça do leitor, vez que não faltam criminosos e delitos sendo cometidos ao longo do cruzeiro.

Claro que nenhum deles contava com Hercule Poirot que, para variar, está de férias no lugar errado… ou certo, a depender do ponto de vista, considerando que toda vez que ele sai de férias, um crime ocorre em suas proximidades. Ao lado do detetive na investigação está o coronel Race, que já encontráramos antes em O Homem do Terno Marrom.

Christie está em sua melhor forma aqui. Ela começa nos entregando o perfil dos personagens, construindo uma rede de relacionamentos entre os diferentes personagens e tudo se encaixa milimetricamente. Tem detalhes que são óbvios - a subtrama em torno das pérolas era previsível do momento em que elas primeiro apareceram na página -, mas toda a construção dos álibis em torno do crime principal é tão ousada que você realmente acredita na impossibilidade do criminoso ser quem é. Morte no Nilo é, sem dúvida, um dos melhores títulos da Rainha do Crime.

Escolhi o título para o tema desse mês no Read Christie 2022 - uma história contendo viagem e romance - no embalo da adaptação para os cinemas, que estreia hoje. Curiosamente, Morte no Nilo tem bem mais casais se formando no cruzeiro, para além do triângulo Linnet-Simon-Jackie, com Poirot até dando uma mãozinha num dos romances que acontecem ali. Enfim, ainda não estou com coragem de sair para ir ao cinema, então aguardarei até ele aparecer em algum streaming.


Sendo bastante sincera, contudo, não consigo olhar para o Branagh e enxergar Poirot. Vou sempre associar o detetive ao David Suchet, que tem sua própria adaptação dessa história, com Emily Blunt no papel de Linnet. Confesso também que fiquei bem curiosa para assistir a versão de 1978 com Peter Ustinov no papel do belga - mais pelo resto do elenco, que conta com Bette Davis e Maggie Smith, que pelo próprio Ustinov.

Como essa foi uma releitura e não faz assim tanto tempo desde que o li, eu me lembrava de quem era o assassino, então não posso dizer que levei uma surpresa. Mas, tirada de campo a urgência em saber a solução final, creio que aproveitamos muito mais os detalhes costurados no enredo, reconhecendo as pistas que a autora foi deixando no caminho e que, no mais das vezes, acabamos por deixar passar batido.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: Morte no Nilo
Autor: Agatha Christie
Tradução: Newton Goldman
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2014

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