Sempre usamos narrativas como forma de passar a nossa História, como forma de explicar coisas da vida que não entendemos. Nós as usamos para nos fazer sentir conectados a tudo ao nosso redor e para nos ajudar a escapar para outro tempo ou lugar.

As livrarias de todo o mundo estão cheias dessas histórias.

De livreiros itinerantes e livrarias disfarçadas, a barracas desmontáveis e centros comunitários, entrar em uma boa livraria é como entrar em outra zona. Esses lugares são máquinas do tempo, naves espaciais, criadores de histórias, guardiões de segredos. Elas são domadores de dragões, caçadores de sonhos, descobridores de fatos e lugares seguros. Elas estão cheios de infinitas possibilidades e contos que valem a pena levar para casa.

Porque, quer estejamos no meio do deserto ou no coração de uma cidade, no topo de uma montanha ou num trem subterrâneo: ter boas histórias para nos fazer companhia pode significar o mundo inteiro.

Descobri esse livro por causa do Gaiman (típico, eu sei). Bem, na verdade, o Gaiman comentou que tinha lido para o filho The Sister Who Ate Her Brothers and Other Gruesome Tales e, para além da recomendação de um autor que adoro, o título me provocou risos nervosos. Coloquei na lista de desejos, fui à página da autora no Goodreads e acabei dando de cara com uma série de outros títulos que me fisgaram a atenção… incluindo The Bookshop Book.

Gosto de ler mais de um livro ao mesmo tempo, alternando ficção e não ficção; livros sobre livros costumam ganhar automaticamente prioridade quando entram na minha fila de próximas leituras, e assim é que comecei The Bookshop Book praticamente no momento em que ele entrou no kindle. E imediatamente me apaixonei por todo o conceito do livro.

O que Campbell faz aqui é nos levar a uma viagem ao redor do mundo por várias livrarias - o livro é dividido por continente, e lá estão elas, grandes ou pequenas, de rede ou independentes, especializadas em determinados gêneros ou público. Cada um dos locais citados recebe um pequeno perfil, às vezes apenas um parágrafo, em outros mais de uma página. Alguns dos perfis dão voz aos fundadores dessas livrarias para explicarem o que os levou a entrar no ramo e qual o seu diferencial.

Os perfis são intercalados com curiosidades sobre livros; citações literárias envolvendo livrarias e testemunhos de diversos autores respondendo sobre as livrarias que fizeram parte de sua história e como seriam suas próprias livrarias imaginárias. É assim, um misto de guia de viagem, memória, e ensaio em defesa da necessidade de livrarias físicas e independentes como parte importante de suas comunidades.

“É bastante perceptível a frequência com que um cliente chega em um momento crucial de sua vida: o momento em que as pessoas procuram livros para ajudá-las em uma crise. Então, eu me peguei falando com pessoas nos estágios iniciais do luto, passando por uma ruptura no casamento ou tendo grandes dificuldades na criação dos filhos; pessoas com problemas de saúde graves e aqueles com problemas psicológicos e sociais. As livrarias são lugares onde as pessoas se congregam."

Conheci algumas das livrarias sobre as quais ela escreve, afinal, toda viagem que faço tem um componente literário pelo meio. A Shakespeare and Company em Paris, a Blackwell’s em Oxford, a Slumberland, que fica dentro do Museus dos Quadrinhos em Bruxelas, a Bertrand de Lisboa, mais antiga em funcionamento no mundo, El Ateneo em Buenos Aires… Muitas outras entraram no meu radar e, enquanto lia, fiquei pensando em quantas dessas fecharam nesses dois últimos anos de pandemia e o quanto perdemos com isso.


Por essas curiosas coincidências, foi enquanto estava às voltas com The Bookshop Book que vi a notícia de que a última unidade da livraria Cultura aqui no Recife tinha fechado. Era uma das livrarias que eu gostava de frequentar, sentar nas poltronas ou pufes espalhados pela loja, e folhear vários títulos até escolher o que ia levar comigo aquele dia. Fez-me lembrar também da Livro 7, que fechou pouco tempo depois de eu ter me mudado pra cá, mas que deixou uma lembrança muito forte. E de todos os sebos que eu assombrava próximos da faculdade. Perdia a noção do tempo enquanto procurava um determinado livro e acaba descobrindo outros dez que queria ler também.

Como disse antes, o livro se divide entre continentes e é bem amplo em opções na Europa (especialmente a Inglaterra, onde a autora mora e trabalha em uma livraria) e na América do Norte. Mas deixa a desejar no resto do mundo. Compreensível que a Campbell não pudesse sair viajando pelo mundo inteiro para coletar os dados, mas poderia ter procurado colaboradores nos lugares que não conhecia pessoalmente. O Brasil, por exemplo, recebe duas menções de um único parágrafo - a Livraria da Vila e a Livraria Cultura em São Paulo.

Faltou também informações sobre a localização das livrarias citadas. Uma linha com o endereço ao final do perfil seria o suficiente. Afinal, algumas delas, segundo a própria autora, são difíceis de encontrar e não têm presença online. Entendo que elas podem fechar ou se mudar de lugar, tornando tal informação rapidamente desatualizada. Mas, bem, nesse caso, bem possível que o próprio perfil escrito delas ficaria desatualizado também. Efemeridades à parte, não deixa de ser um dado minimamente necessário.

Enfim, a despeito de tais detalhes, The Bookshop Book é uma leitura rápida e agradável, que te faz viajar pelos lugares citados, e que nos convida a reflexões interessantes sobre o papel do livro e das livrarias dentro de uma comunidade. Definitivamente, vale a curiosidade.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: The Bookshop Book
Autor: Jen Campbell
Editora: Constable
Ano: 2014

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