2 de dezembro de 2020
A Jornada da Heroína: em busca de conexão
"To get us started on the right path, so to speak:
HERE IS THE HERO’S JOURNEY IN ONE PITHY SENTENCE:
Increasingly isolated protagonist stomps around prodding evil with pointy bits, eventually fatally prods baddie, gains glory and honor.
HERE IS THE HEROINE’S JOURNEY IN ONE PITHY SENTENCE:
Increasingly networked protagonist strides around with good friends, prodding them and others on to victory, together."
Descobri a Gail Carriger através da série O Protetorado da Sombrinha, lá nos idos de 2011 e, desde então, sou fã da autora. Carriger tem um humor que muito me agrada, de protagonistas deliciosamente sarcásticas e melhores amigos fabulosamente purpurinados (lá se vão quase dez anos e Lorde Akeldama ainda é um favorito); casais que começam a trama às turras, intrigas palacianas, inventores loucos, vampiros, lobisomens, tudo isso num cenário vitoriano steampunk. Assino a newsletter dela há tempos e vinha acompanhando seus comentários sobre estar escrevendo um livro de não ficção com extrema curiosidade. Mais ainda por se tratar de um livro com o esquema paralelo ao da Jornada do Herói.
Como Campbell, Carriger busca inspiração em personagens míticas - Ísis, Ishtar, Deméter - para demonstrar os pontos dessa estrutura. No entanto, ela está mais interessada em traçar estratégias narrativas que em elaborar um sistema espiritual; mais próxima de Vogler que de Campbell, portanto. Se há um público específico a quem interessaria A Jornada da Heroína esse seria formado por escritores - o que não significa que o texto não seja acessível a qualquer um que se interessa por entender os mecanismos de um conto.
Mesmo os termos herói e heroína são usados mais para diferenciar do que para determinar que cada tipo de história seja para um gênero específico - ou que o protagonista o seja. Carriger deixa isso explícito mais de uma vez, utilizando uma miríade de exemplos, advogando ainda por uma maior diversidade na criação dos personagens. Diversidade, aliás, é um dos pontos para os quais ela mais chama atenção, como contraponto ao que ela entende como o modo clássico de contar histórias. E ela até tenta dizer que uma jornada não é superior a outra, mas a verdade é que Carriger está longe de ser imparcial.
Em termos amplos, a jornada da heroína é uma busca por família e conexão, de resolução de conflitos através do diálogo. A jornada do herói, por sua vez, é uma busca por si mesmo, de encontrar a própria identidade, sendo fundamentalmente individual, com um fim quase em regra solitário, melancólico ou mesmo trágico. Se eu fosse resumir cada uma numa metáfora, a primeira seria a de found family, famílias de escolha; e a segunda o clássico coming of age, conto de amadurecimento.
"Many talk about the Hero’s Journey as a coming-of-age model – one of increased understanding of the world, separation from the safety of childhood and family, and development of solo personhood and self. To this end, a Hero’s Journey is one of self-actualization and increased isolation, and the hero rises above obstacles and slays enemies and better understands himself. The hero must, eventually, go it alone. He finds his strength from within in order to conquer his enemies."
Gosto de ambos, mas, pessoalmente, tenho paixão pelo tema das famílias de escolha, personagens que começam sozinhos e que ao longo da história agregam outros ao seu redor, encontrando assim seu lugar na comunidade de que fazem parte. Se eu pensar rapidamente em quais foram os meus livros favoritos desse ano, todos se encaixam à perfeição nesse tropos. Assim, embora eu nem sempre concorde com a Carriger - algumas passagens me pareceram um pouco forçadas no encaixe que ela queria fazer -, o que ela escreve aqui faz muito sentido para mim.
"I wanted to read and write about family (found or otherwise) and go questing in the company of others. By all means, let’s do the thing! But let’s do that thing together. Learning to compromise might seem boring, but frankly, it also seems a darn sight more sensible and mature – and certainly more applicable to my own life."
Carriger desenvolve também questões sobre romance, o gótico, preconceito literário e misoginia. São várias questões interessantes, que me deram perspectivas diferentes - achei muito interessante a ideia de que o desprezo por romances românticos deriva do gótico como literatura de massa no século XIX -, mas que essencialmente se alinham com pontos que eu já concordava.
O tom do livro é bem informal, marcado por uma certa oralidade - o que é de se esperar, considerando que ele nasceu de conversas e palestras. A leitura é fluida, didática, às vezes um tanto repetitiva (de novo, marca da oralidade), repleta de gracejos e anedotas. Vale à pena refletir sobre A Jornada da Heroína e a necessidade de pluralidade das histórias que consumimos - que é, ao final, o grande cerne da questão.
Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)
Ficha Bibliográfica
Título: The Heroine's Journey: For Writers, Readers, and Fans of Pop Culture
Autor: Gail Carriger
Editora: Publicação independente
Ano: 2020
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Parece muito bom, a Gail é ótima! E, sim, Lord Akeldama é muito loosho nessa vida eterna ??
ResponderExcluirAkeldama é o máximo... e sim, o livro é bem divertido, embora tenha um bom tanto de revolta em seu âmago. Eu gosto da defesa que Carriger faz de romances, dos tropes que os romances herdaram dos góticos. A ideia da jornada da heroína em si, me deu muito em que pensar, porque eu realmente me identifiquei - todas as minhas leituras favoritas desses últimos anos (e desse ano em particular) seguem essa ideia dela da busca por conexão e finais felizes. Nada contra tragédias, mas de amargos tá bastando o noticiário, né?
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