18 de fevereiro de 2019
Um Império de Gelo: a Idade Heroica da Ciência na Antártica
Wilson era tão decidido quanto Scott e juntos eles ditavam o tom da expedição. Um dia depois que a equipe Crozier partiu, Scott abriu um caderno novo citando Thomas Henry Huxley: "O maior objetivo que os seres humanos podem determinar para si mesmos não é a busca de nenhuma quimera como a aniquilação do desconhecido, mas é simplesmente a tentativa incansável de mover suas fronteiras um pouco adiante". Alguns dias depois, acrescentou seu próprio aforismo: "O fato é que a ciência não pode ser servida por métodos 'diletantes', mas exige uma mente estimulada pela ambição ou pela satisfação de ideais". Essas palavras refletiam tanto a visão de Scott sobre a Jornada de Inverno de Wilson quanto uma perspectiva sobre a ciência, a exploração e a vida que esses dois camaradas compartilhavam.
Tempos atrás, lendo Ex-libris: Confissões de uma Leitora Comum, deparei-me com um capítulo em que a autora falava de sua devoção a histórias acerca de expedições polares. Lembro de ter ficado impressionada com a empolgação dela e de me decidir a procurar também livros no tema. Foi assim que cheguei a No Reino do Gelo, que me deixou impressionada e foi por isso também que Um Império de Gelo entrou na minha lista de desejados. Acabei ganhando ele de presente da Tatá, lá do Randomicidades, no fim do ano passado e o resto, como se diz por aí, é história.
Um Império de Gelo se concentra na corrida ao Polo Sul, dividindo-se entre as expedições de três personagens: os britânicos Robert Falcon Scott e Ernest Henry Shackleton, e o norueguês Roald Amundsen. Amundsen foi o primeiro a chegar ao Polo, mais interessado no recorde que em fazer ciência pelo caminho. Eficiente, soube se utilizar muito bem dos trenós de cães e, por sua ousadia em chegar até onde homem nenhum chegara antes de um dos membros ligados à Sociedade Real de Geografia inglesa, foi menosprezado por estes, embora celebrado pelo resto do mundo.
Para além de ter roubado a glória de um explorador compatriota, os membros da RSG não concordavam com os métodos de Amundsen. Para eles, as explorações polares deveriam ter um objetivo científico, bem como serem enfrentadas segundo os padrões de masculinidade vitorianos. Em outras palavras, homens, e não cães, deveriam puxar os trenós por quilômetros e quilômetros de território desconhecido, sob temperaturas que chegaram por vezes a sessenta graus abaixo de zero. Pode parecer bastante tolo, quase suicídio, na nossa visão de mundo moderna, mas havia todo um contexto histórico que justificava os sacrifícios que membros das expedições Discovery, Terra Nostra (as duas capitaneadas por Scott) e Nimrod (chefiada por Shackleton) estavam dispostos a fazer.
Ilustração do diário de Edward Wilson, médico e biólogo das duas expedições de Robert Scott |
Estamos no período antes da Primeira Guerra, a Belle Époque européia, de euforia com progresso tecnológico, uma era de excessos, mas também de preocupações com o declínio do Império Britânico. Nesse contexto, havia muitas razões para que os ingleses se fizessem ao mar e tentassem preencher o mapa múndi: sua vocação para exploração - e o papel de David Livingstone e Richard Burton no desbravamento da África tem um capítulo inteiro do livro -, sua rivalidade com uma Alemanha que se estabelecera como potência no continente; o medo de ter alcançado o máximo de seus limites e entrar num processo de decaída e, por consequência, a necessidade de formar heróis nacionais que respondessem a esses anseios.
Um Império de Gelo consegue estabelecer muito bem esse contexto, e também apresentar os personagens e egos que se arriscaram de maneiras extremas para alcançar um ponto abstrato em meio a um continente de gelo. Fosse por promoção pessoal e progresso na carreira, por crenças religiosas ou pelo desenvolvimento da ciência, é impressionante o que esses homens fizeram. Fiquei com muita vontade de procurar os diários das expedições - trechos dos escritos de Scott e Shackleton pontuam a leitura e me deram a impressão de que além de exploradores aventureiros, eles eram ótimos contadores de histórias.
Para uma leiga como eu, as partes mais interessantes do livro foram exatamente as que trataram dos obstáculos a que os personagens se propuseram e do contexto social e político que deu oportunidade às expedições acontecerem. A parte das descobertas científicas é interessante, mas algumas questões - como detalhes de pesquisas sobre geomagnetismo, oceanografia e geologia - me passaram batidas pela falta de conhecimento na área.
Por outro lado, a forma como o livro é montado às vezes faz perder o fio da meada. Os capítulos são completamente independentes - num se fala sobre a chegada de Amundsen no polo, em outro se pula para expedições na África, em outro ainda fala-se de peixes de regiões abissais, vamos aos pinguins, rivalidades políticas entre sociedades científicas -, indo e voltando no tempo de tal maneira que a narrativa se torna fragmentada. Eu estava fazendo anotações enquanto lia e por vezes tinha que sair voltando no que tinha anotado para entender de que forma uma informação se ligava ao fluxo narrativo. Não é que fiquem pontas soltas: as informações estão todas lá. Mas elas não se articulam da melhor forma possível. Esse tipo de divisão por capítulos episódicos funciona melhor na ficção; num livro de não ficção, uma sequência cronológica dos fatos faria mais sentido.
A despeito disso, Um Império de Gelo é um livro interessante, que abriu ainda mais meu apetite para conhecer outras expedições de exploração e não apenas para os territórios gelados dos extremos polares do planeta. A contextualização é excelente, assim como as reflexões de desfecho. Para quem se interessa por ciência ou quer conhecer um pouco da história da conquista do Polo Sul - uma conquista que se revelou tarefa quase sobre-humana -, dos esforços e sacrifícios para preencher espaços em branco nos mapas e na História do mundo, esse título é uma boa pedida.
Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Não Gostei; 2 – Mais ou Menos; 3 – Gostei; 4 – Gostei muito; 5 – Excelente)
Ficha Bibliográfica
Título: Um Império de Gelo. Scott, Shackleton e a Idade Heroica da Ciência na Antártica
Autor: Edward J. Larson
Tradução: Camila Werner
Editora: L&PM
Ano: 2015
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