21 de julho de 2017
Seis Lições que Aprendi com Jane Austen
Essa semana tivemos por todo o mundo eventos para marcar a data do bicentenário de morte de Jane Austen, uma das maiores autoras de língua inglesa. Apesar de ter produzido relativamente pouco - são apenas seis romances completos, além de algumas obras de sua juvenilia - sua obra entrou para o cânone ocidental, ressoando ao longo desses dois séculos em todos os cantos do mundo.
Já li e reli todos os livros de Austen, palestrei, debati no clube do livro, apresentei a amigos ou conheci pessoas que se tornariam grandes amigos meus por causa... dela. Nos últimos quinze anos (considerando que meu primeiro contato com a autora foi por volta dos meus quatorze), Austen foi uma companheira constante e uma fonte de conforto. Independente dos romances e dos finais felizes, os personagens de Austen sempre foram uma inspiração em seu humor, sua força e independência - e essas são as lições que aprendi com eles ao longo de todo esse tempo.
1. Vaidade e Orgulho são Pecados Capitais
Orgulho e Preconceito é o mais famoso dos romances de Austen, sem sombra de dúvidas. É a história que nos deu Lizzie Bennet, talvez uma das mais cativantes heroínas de um romance, bem como Mr. Darcy, por quem quase toda leitora suspira. Sob o verniz do romance de costumes, contudo, Austen nos apresenta a uma sociedade bastante hipócrita e orgulhosa - e são esses conceitos abstratos, de vaidade e orgulho, que são os grandes vilões da história.
Por mais que haja o oleoso Mr. Collins para nos causar calafrios de repulsa com sua calculada subserviência misturada a uma ideia de si mesmo que está bem longe da realidade; Lady Catherine de Bourgh com sua noção que berço e classe são tudo e o que basta e o melífluo Mr. Wickham perfeitamente satisfeito em arruinar a vida de qualquer moça inocente em sua ambição, o que realmente separa Elizabeth e Darcy por boa parte do enredo são eles mesmos, e as primeiras impressões que cada um deles formou levado por seus próprios preconceitos. Darcy insulta Lizzie mais de uma vez, mesmo quando pede sua mão; Lizzie se deixa levar pelas mentiras de Wickham muito mais pelos elogios que ele lhe faz que pela lógica das afirmações do soldado.
Para que o final possa ser alcançado, ambos são forçados a confrontar a realidade de seus erros e falhas com uma verdadeira lição de humildade. Ao reconhecer suas deficiências, eles amadurecem, encontrando-se assim no meio do caminho ao tornarem-se dignos um do outro.
2. Comunicação é Essencial
De todos os romances de Austen, confesso logo que Persuasão é meu favorito. Considero-o o mais passional, mais intenso de todos os romances, o que é curioso, considerando que sua heroína é a mais velha e mais madura das protagonistas austenianas - todas adolescentes ou jovens adultas e muitas vezes inclinadas aos arroubos da idade.
Embora haja quem condene Anne por ter se deixado persuadir a não casar com Wentworth no passado antes do começo da história, eu concordo com Lady Russell de que isso era o melhor para a moça àquela época. Por mais que Wentworth tenha se saído muito bem em sua profissão como capitão da marinha, considerando que a história se passa no período das guerras napoleônicas, era também bastante provável que ele terminasse morto no fundo do mar, deixando uma esposa sem dinheiro (porque ele não tinha nada à época do primeiro noivado, tendo colocado tudo fora provavelmente com vinho e cavalos…), sem família (porque os Elliot não iam querê-la de volta) e sem perspectivas (lembrando que carreira e profissão não era algo que estava aberto às mulheres da época).
O problema dos dois, bem mais que a influência externa de outros personagens é sua incapacidade de se comunicar - Wentworth, quando voltou a pisar em terra como um capitão de sucesso e numa posição que proporcionaria segurança a Anne, preferiu ficar em silêncio; Anne se martiriza e guarda seus sentimentos na presença dele e ele acha que ela não sente mais nada e em vez de conversarem entre si, os dois têm de se virar com ficar escutando a conversa do outro com outros personagens.
Claro que quando eles finalmente começam a se comunicar, passando por cima de todas as falhas de mensagem (Wentworth crente que Anne está comprometida com Mr. Elliot; Anne achando que ele se casou com Louisa…), temos uma das mais belas cartas de amor da literatura. O “sou parte agonia, parte esperança” do Capitão sempre faz com que eu me derreta na cadeira. E essa é outra lição importante a se tirar de Persuasão: apaixone-se por alguém que te escreve cartas de amor, mesmo que elas sejam, como Pessoa muito bem dizia, “ridículas”.
3. Cuide da Própria Vida e do Próprio Coração
Se eu gostasse de gente me dizendo como devo viver minha vida, contrataria um life coaching. Talvez por isso, a protagonista que dá seu nome ao título em Emma não seja das minhas personagens favoritas… A verdade é que a primeira vez que li Emma - por volta da época em que entrei na faculdade, porque me lembro de ter pego o livro na biblioteca -, terminei o livro na marra. Foi só anos depois, ao assistir a adaptação com Romola Garai como Emma Woodhouse que minha péssima primeira impressão começou a se dissipar, porque ela emprestou à personagem uma leveza e vulnerabilidade que minha primeira leitura não conseguiu enxergar.
O que prova que uma boa adaptação não copia simplesmente uma história para uma nova mídia, mas te permite enxergar detalhes, nuances que a linguagem apenas escrita nem sempre é capaz de passar.
Fato é que Emma é garota-propaganda para a lição de cuidar da própria vida. Como ela mesma reconhece, ela passa tanto tempo cuidando da vida dos outros que não reconhece os próprios sentimentos e se deixa levar por fantasias mais que pela realidade - até se ver correndo o risco de perder o que realmente deseja e não conseguira enxergar, preocupada que estava com administrar todo mundo ao seu redor.
Então, conhece-te a ti mesmo e pare de dar palpite na vida dos outros e tudo vai dar certo pra você também.
4. Seja Fiel aos seus Princípios
Fanny Price parece à primeira vista tímida e submissa, mas se tem uma coisa que Mansfield Park prova é que não importa o quanto as aparências digam, ela tem uma vontade inquebrantável e permanece fiel aos seus princípios até o fim - ainda que isso possa significar ser mandada para longe de casa a fim de dominar sua suposta teimosia.
No final das contas, quem ri por último ri melhor e Fanny bem demonstra que ter se mantido leal àquilo em que ela acreditava ser correto foi não apenas sua salvação das garras do dandy Mr. Crawford, como também lhe proporcionou (após muita espera) a sincera afeição do seu primeiro o único amor, Edmund Bertram.
Afinal, o certo é o certo, não importa o que os outros digam ou o quanto você possa ganhar (ou ascender socialmente) aceitando o contrário.
5. Esteja sempre Aberto a Aprender Coisas Novas
Eu adoro Catherine Morland, a protagonista de A Abadia de Northanger. Acho-a simplesmente adorável: ela é uma lufada de ar fresco com sua incrível capacidade de se maravilhar com o mundo ao seu redor, de mergulhar em suas histórias, de errar e reconhecer seus erros e aprender com eles, e de perdoar sem guardar mágoas. Tudo para ela é uma grande aventura e ela não tem vergonha nenhuma de reconhecer a própria ignorância, estando sempre disposta a ouvir e aprender.
Claro que boa parte do charme desse aprendizado vem do fato de que Henry Tilney é o professor… mas o que importa aqui é que Austen criou uma heroína livre de preconceitos, que encara tudo ao seu redor com olhos ingênuos e com genuína excitação. Que tivéssemos todos a mesma euforia em lidar com o mundo ao nosso redor...
6. Mantenha a Cabeça no Lugar, mas Não se Reprima
Marianne e Elinor Dashwoods, as irmãs de Razão e Sentimento, são um estudo em contrastes. Uma é toda emoção e outra, razão. Uma encara o mundo com olhos românticos e sonhadores; a outra é prática e pé-no-chão. Ambas se apaixonam por homens que não estão ao seu alcance - elas são pobres demais para eles - na opinião do próprio Willoughby, em se tratando de Marianne ou da família Ferrars, com exceção do mais interessado no enlace, no caso de Elinor.
As atitudes de ambas, no final das contas, são errôneas. Marianne se deixa cair numa depressão profunda e quase morre, causando aflição à toda família com seu amor egoísta por Willoughby; Elinor sofre em silêncio, torturada pelas insistentes confissões de Lucy, e se reprime e se cala até explodir. No fim das contas, um meio termo entre as duas irmãs me parece a melhor lição a se tirar de Razão e Sentimento.
Poderia citar muitas outras lições a serem tiradas de Jane Austen, mas como decidi me restringir a uma lição por romance, ficamos por aqui. Certo é que toda nova leitura de sua obra traz novos detalhes, pontos de vista e interpretações, detalhes que passaram despercebidos antes. Conheci ela quando era ainda adolescente e em mais de uma década de releituras, Austen é um conforto e também um desafio, um estudo em expansão.
E o melhor de tudo, a maior lição que aprendi em todos esses anos lendo e relendo essa brilhante criatura é que ser um janeite não é apenas se deleitar com suas histórias, mas participar de uma comunidade animada, sempre disposta a compartilhar conhecimento e a receber novos e antigos leitores. Pelos amigos que fiz pelo mundo e cujo único ponto em comum no começo de nossa convivência era o gosto pela autora inglesa, só posso dizer a Austen ‘muito obrigada’.
A Coruja
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