4 de julho de 2015

Livros para Ler no Inverno


Moro num lugar onde não existe mudança visível nas estações – aqui é seco ou chuvoso, com calor o ano todo. Mas algumas coisas (para além do noticiário mostrando povo só de nariz de fora lá para o sul) me fazem perceber que, sim, estamos no inverno: os dias estão um pouco mais curtos e anoitece mais cedo; a chuva traz consigo um vento mais frio e dá até para usar um cardigã leve para sair; e meu consumo de leite quente com canela acompanhando um prato de cookies quentinhos aumentou.

Feitas essas constatações, fiquei pensando com meus botões: que tipo de livro é ideal para se ler no inverno? Livros para aqueles dias em que não dá a menor vontade de sair de debaixo do cobertor, com o vento uivando contra a janela, acompanhados de uma boa xícara de sua bebida quente preferencial?

O inverno nos força a nos voltar para dentro: para dentro de casa e para dentro de nós mesmos. É uma boa época para os clássicos, que nos convidam à introspecção; para mundos distantes de fantasia e para os arrepios de um bom suspense.

Pensei em três leituras relativamente recentes que poderia indicar nesse espírito invernal – ainda que você, como eu, esteja próximo aos trópicos.

Ficou imaginando se haveria amor entre seres humanos que não se baseasse em alguma forma de auto-ilusão. Gostaria simplesmente de levantar-se e sair antes que as coisas acontecessem, mas não poderia fazer isso. Preocupou-se com Guillam, de um jeito muito paternal, e imaginou como ele aceitaria as últimas tensões dessa etapa, antes de tornar-se um adulto. Lembrou-se novamente do dia em que sepultara Control. Pensou nas traições e ficou indagando a si mesmo se acaso haveria traições involuntárias. Preocupou-se por sentir-se tão fracassado: todos os preceitos intelectuais ou filosóficos que ele sustentava agora desabavam por completo, quando, diante dele, apresentava-se uma situação humana.
O Espião que Sabia Demais foi transformado em um excelente filme em 2011, com Gary Oldman no papel do protagonista, George Smiley. A história se passa no período da Guerra Fria e segue os passos de Smiley, um agente aposentado do serviço secreto britânico (MI6 ou Circus), enquanto ele tenta lidar com o abandono da esposa e encontrar um agente russo infiltrado na agência.

A escrita de le Carré é simples, mas elegante. A história é contada de forma fragmentada, entre lembranças, interrogatórios e investigações, que casam muito bem com o quebra-cabeça que o leitor junta com Smiley; o prosaico do cotidiano de uma agência governamental, com sua rotina burocrática e intrigas internas se contrapõe a alguns poucos e bem escolhidos momentos de tensão dramática.

A atmosfera do romance é muito bem construída e autêntica – não à toa, já que le Carré trabalhou tanto para o MI5 (que cuida de assuntos internos) quanto o MI6 (voltado para a política internacional). É um ritmo mais lento e mais crível que o do mundo de ‘Bond, James Bond’, então, não vá para ele pensando em explosões, mulheres, carros e martinis.


Estou aqui em casa com O Espião que Saiu do Frio, também dele, e vai ser o próximo volume para o próximo dia chuvoso livre que eu tiver.

In my old age, I see that life itself is often more fantastic and terrible than the stories we believed as children, and that perhaps there is no harm in finding magic among the trees.
The Snow Child, de Eowyn Ivey, foi indicado em 2012 numa das categorias do Goodreads Choice e chamou minha atenção por misturar folclore com a realidade brutal do desbravamento da região do Alasca.

Inspirada num conto de fadas russo, ele traz um casal que acaba de se mudar para o Alasca acreditando poder construir uma vida melhor. Mas, na verdade, eles estão pouco a pouco se distanciando: Jack, arrebentado pelo trabalho pesado nesse lugar de ninguém e Mabel, sucumbindo à depressão advinda de sua incapacidade de engravidar e quase à beira do suicídio.

Tudo parece caminhar para a tragédia quando, numa brincadeira, os dois fazem uma criança de neve... e, no dia seguinte, seu boneco de neve se foi e no lugar dele há uma menina de carne e osso.

A história é bem, bem devagar, mas dolorosamente bela – perfeita para dias de inverno. Eu quase abandonei o livro mais de uma vez e penso que, qualquer dia desses, devo voltar a ele num estado de espírito mais calmo do que quando o li primeiro. Ainda assim, recomendo a história, que pega ritmo a partir do momento em que Faina aparece.

Agora, para completar a lista...

Havia muitos fãs de O Senhor dos Anéis por aí. Pareciam se dividir entre amadores e obcecados. Os amadores em sua maioria eram garotos de 13 anos que não sabiam nem escrever direito, tinham visto os filmes e achavam os Balrogs bem legais.
Onde as Sombras se Deitam é um suspense com toques sutis de sobrenatural – há ambiguidade suficiente aqui para que você escolha se quer ou não acreditar em eventuais maldições e anéis mágicos. Seja como for, a história me impressionou o suficiente para eu ir atrás da fonte – a Saga de Njal, um dos principais textos folclóricos da Islândia.

Magnus Jonson é um detetive do departamento policial de Boston que, ameaçado de morte por ser testemunha de um caso de corrupção, é ‘emprestado’ por seu chefe à força policial islandesa num programa de intercâmbio especial. Afinal, Magnus é de descendência islandesa, nada acontece na Islândia e não existe lugar melhor para se esconder até o julgamento, não é verdade?

Exceto que Magnus chega exatamente quando um crime ‘de verdade’ acaba de acontecer: um professor especializado em sagas foi assassinado. E o tal professor estava envolvido com um manuscrito sobre um ‘anel de poder’, que teria inspirado nada mais nada menos que Tolkien a escrever o seu O Senhor dos Anéis – um manuscrito que sumiu após a morte do professor.

A sinopse pode parecer estranha e não particularmente plausível, mas a forma como Ridpath trabalha tudo isso faz com que a história funcione muito bem. Onde as Sombras se Deitam é um bom mistério, Magnus é um personagem com quem você consegue simpatizar e para quem torci desde o início e a conexão com Tolkien encheu meu coração nerd de amor (especialmente porque temos espaço para fanboys fuçando atrás do manuscrito e discutindo sobre as influências mitológicas usadas por Tolkien em seu trabalho).

Esse livro é o primeiro de uma série e eu gostei o bastante dele para querer dar uma olhada nas continuações. Mas, acima de tudo, eu terminei Onde as Sombras se Deitam querendo fazer as malas e ir atrás de comprar passagens para visitar a Islândia. E esse é o melhor elogio que posso fazer a ele.

Então... essa é minha breve lista de indicações invernais. E vocês, que livros têm para indicar para se ler na estação mais fria do ano?


A Coruja


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3 comentários:

  1. Correndo pra adicionar esse "Onde as Sombras se Deitam" na listinha de futuras aquisições!
    Pro inverno, escolhi começar a ler "An Assembly Such as This", da Pamela Aidan. Acho que não poderia ter escolhido melhor. Romancinho Austen, enfiada na cama e com barulhinho de chuva <3

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    Respostas
    1. Huhauhauhua... Acho que vais se divertir com Onde as Sombras se Deitam ;)

      An Assembly Such as This é realmente muito bom. O segundo volume era... dispensável - recomendo pular ele e ir direto para o terceiro. Depois diga o que achou!

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    2. Todos os lugares que encontrei falando sobre a trilogia dizem isso! xD
      Enfim, terminei "An Assembly Such as This". Tô aqui me coçando pra escrever minhas impressões sobre ele, que livro lindo!
      Resolvi seguir seu conselho e dei só uma sutil passada d'olhos por "Duty and Desire". O pouquinho que li foi realmente muito esquisito, só achei interessante o aprofundamento da Georgiana, todo o diálogo sobre ela precisar de um propósito para a vida e tal. Apesar de Fletcher ser hilário, não paga as cenas bizarras de Darcy com aquele povo todo...
      Agora vou esquecer o pouco que li e fingir que o segundo livro nunca existiu! "These Three Remain" me aguarda xD

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