12 de janeiro de 2013
Projeto Pratchett: Snuff
Continuando minha tradição de ano novo de anos passados, comecei 2013 lendo Pratchett – e vocês não têm idéia de como foi difícil me segurar por tempo suficiente para só começar Snuff agora em janeiro... eu cheguei a ler as duas primeiras páginas em meados de dezembro e aí me forcei a colocá-lo de volta na estante – 2014 será o ano de começar releituras se ele não lançar nada esse ano, de forma que vamos aproveitar o fato de ter um livro inédito e cheio de expectativas para iniciar o ano com o pé direito."É uma verdade universalmente aceita que um policial de férias mal terá tempo de desfazer as malas antes de encontrar seu primeiro cadáver."
Problema é que depois das festas do dia 31, acordei tarde no dia 01, passei a manhã meio que fora do ar e quando afinal peguei o livro para valer, já era hora do almoço. Deu a hora de dormir e eu estava chegando na metade. Todo mundo em casa foi se deitar, especialmente depois da ressaca, e eu dizia para mim mesma ‘só mais uma cena, só mais uma cena’. Resultado da ópera? Fui dormir às 01:15 da manhã do dia 02 e às sete eu tinha de acordar para me arrumar e ir para o trabalho.
Mas valeu à pena. Livros que te prendem dessa forma a ponto de te fazer perder a hora e virar a noite lendo sempre valem à pena.
O engraçado é que comecei Snuff ligeiramente enganada. Por conta da frase na contracapa com que abri essa resenha, pensei com meus botões: vai ter Lizzie Bennet e Darcy, Vimes vai arranjar confusão com Mrs. Bennet, mas se dar muito bem com Mr. Bennet e Lady Catherine provavelmente será a assassina... ou responsável por qualquer que seja o crime que ocorrerá na narrativa.
Há um esbarrão tangencial com a versão do Disco das Irmãs Bennet, mas é apenas um esbarrão e Pratchett realmente revirou do avesso as meninas (creio eu que Lizzie seja representada aqui por Hermione, a irmã ‘estranha’ que gosta de machados). Quem realmente aparece na história é uma escritora que bem poderia ser irmã de Miss Jane... e que termina o volume lançando um certo livro...
Snuff é um romance não sobre Orgulho e Preconceito, mas sobre orgulho e preconceito. Sobre como a arrogância de possuir um título e dinheiro faz com que certos tolos se acreditem acima da lei, acima da própria idéia de dignidade humana (ou o equivalente a isso num mundo em que convivem humanos, anões, trolls, orcs, vampiros, lobisomens e agora, goblins). Sobre como o preconceito é capaz de tornar as pessoas cegas, mesquinhas; como ele está na base de um sistema de exploração e morte, de crime e inércia.
Dos muitos volumes que já li do Pratchett, esse é o mais sombrio. Mais, até, do que Night Watch. Não há passagens que te fazem rolar de rir para fora da cama, o que é algo que mais ou menos costumo esperar de todo livro do homem de chapéu. É um livro maduro, cínico em sua forma de ver o mundo. Sim, Vimes, com ajuda de Lady Sybil (uma das melhores personagens femininas do Pratchett, sério, a mulher nasceu para a diplomacia!), conseguem fazer uma verdadeira revolução na forma como o mundo vê os goblins, na necessidade de reconhecer que eles não são ‘vermes’ (e é para dar náuseas o fato de que mais de um ‘homem bom’ no universo que se desenrola a história sugira simplesmente abandonar as criaturas à própria sorte, à própria morte), mas seres dotados de consciência, de uma cultura; tão acostumados a apanhar do mundo que a essa altura são incapazes de reagir, mas nem por isso menos dignos de compaixão, de um mínimo senso de respeito. Contudo, essa mudança repentina é causada por algo como um choque e não significa que vá permanecer.
São os goblins enfiados num porão escuro de navios cargueiros, morrendo aos poucos, de tristeza, viajando para outro continente, onde trabalhariam de sol a sol (quando são acostumados a viver em ambientes frio e no fundo de cavernas) em plantações de tabaco (e outros empreendimentos mais... questionáveis), sujeitos a todo tipo de tortura, vistos pelas próprias autoridades como mercadoria... são os humanos, arvorando-se magistrados, acreditando-se acima da lei, acima das pessoas comuns... e é a escuridão, que a tudo preside, tudo vê e que testemunha para abrir os olhos de Vimes para o que está acontecendo.
Eu gostei imensamente do livro. Mas Snuff, para ser sincera, não me passou a sensação de ter sido escrito pelo Pratchett. Não é necessariamente uma coisa ruim e deve-se levar em consideração que por conta do Alzheimer com que está lutando, Pratchett já não consegue mais escrever sozinho. Pela doença – que certamente não o deixou particularmente ‘rainbows and sunshine’ – ou pelo fato de haver outras pessoas correndo interferência, o fato é que o livro tem um ritmo, um tom diferente.
Último comentário: quero ter um valete que nem o Willikins – o cara é, com o perdão da palavra, um filho da puta, mas é um filho da puta que você definitivamente quer ter do seu lado.
A Coruja
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Uau! Você falou desse livro com tanto amor que estou sentindo vergonha por não conhecê-lo e tê-lo lido, mas vou providenciar tais coisas!
ResponderExcluirParabéns, linda resenha!
Tudo o que é do Pratchett me provoca essa paixão, Camila... e eu realmente recomendo que você corra atrás de qualquer um dos livros dele em que consiga colocar a mão, é tudo excelente!
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