22 de janeiro de 2010

Meu autor, meu herói: Umberto Eco


Finalmente tive uma folga do trabalho, passou o efeito do antialérgico (e por isso, não estou mais bêbada de sono) e eu consegui me concentrar por tempo suficiente em uma única coisa para sentar e escrever.

Assim, decidi começar a cumprir minha promessa de meses, e explicar o porquê dos meus autores favoritos estarem na minha lista de autores favoritos, começando numa ordem não alfabética e totalmente aleatória por um dos meus grandes amores literários: Umberto Eco.

Da minha lista anterior, Eco é o único autor por quem não me apaixonei à primeira vista. E isto merece que eu conte a história.

Meu primeiro contato com o senhor Eco foi através do filme O Nome da Rosa, que o professor de história nos indicou. Eu tinha uns treze anos à época e lembro de ter tido sentimentos ambíguos em relação ao filme: por um lado, o enredo me fascinou; por outro, algumas cenas me deixaram com o estômago revoltado ao mostrar uma faceta mais... animalesca do ser humano.

De uma forma ou de outra, eu estava suficientemente impressionada com a idéia de um frade metido a Sherlock (eu estava justamente na minha fase de ler romances policiais) investigando mortes misteriosas num mosteiro, todas elas ligadas a um manuscrito misterioso.

Guilherme de Baskerville (no filme, interpretado por Sean Connery) não demorou a entrar na minha galeria de detetives iluminados. Por este motivo, é claro, após assistir o filme, eu consegui colocar as mãos no livro.

E o detestei. Profundamente também.


O Nome da Rosa foi o terceiro livro (de uma lista de três) que tive de ler acompanhada, o tempo todo, de um dicionário - os outros foram A Odisséia, de Homero e Dom Quixote, de Cervantes - e, mesmo com a ajuda do dicionário, às vezes eu me perdia completamente.

Em outras palavras... eu me senti estúpida. Eco deu um imenso golpe no meu ego de criança precoce. E assim, do alto da minha arrogância intelectual de treze anos de idade, decidi que Umberto Eco era um pedante e jurei nunca mais ler nada dele.

Ok, a coisa não aconteceu bem assim. Do jeito que acabo de falar, dá a impressão de que eu fui uma criança convencida e insuportável.

Na verdade, mudar constantemente de Estado e escola faz com que você tenha uma vida social meio irregular, e eu passei boa parte dessa fase da minha vida com o nariz enfiado em livros, no mais das vezes, alternando entre Monteiro Lobato e A Biblioteca do Escoteiro Mirim.

Foi por causa de Monteiro Lobato que fui atrás de ler Cervantes no texto integral, sem adaptações (e como Emília já tinha feito todas as necessárias perguntas e eu sempre podia ir à Dona Benta caso não entendesse alguma passagem...).

Homero, por sua vez, me foi presenteado pelo dono da 'Livro 7' quando comprei Dom Quixote, um simpático velhinho que eu adorava. Eu o tinha conhecido no meu aniversário, quando passara mais de hora tentando decidir qual livro de Júlio Verne levar (no final das contas, decidi-me por Da Terra à Lua); e no dia das crianças, quando voltei para clamar Cervantes, ele me deu o volume da Odisséia, que, aliás, também li com a ajuda de Emília, Pedrinho e o Visconde de Sabugosa.

Mas Lobato não tinha escrito nenhuma adaptação de Eco, então, não pude recorrer à turma do Sítio para me ajudar a entender o livro. Tudo bem que eu podia entender a história pelo filme, mas não contava muito.

Vejam bem... eu podia aceitar que sentisse uma certa dificuldade com Homero e Cervantes, porque eles tinham escrito em épocas diferentes daquela que eu vivia e suas obras guardavam as peculiaridades lingüísticas de suas épocas. Fora que eu sempre me diverti com a lança em cabide de Dom Quixote. Mas Eco era um autor contemporâneo. Por que cargas d'água ele estava escrevendo um livro no vernáculo da época em que a história se passava?

Entenderam agora porque eu o classifiquei de pedante?

Mais de uma década depois, eu não me sinto particularmente tentada a reler O Nome da Rosa,, ainda que eu ache a história simplesmente genial.

Neste ponto, você poderá estar se perguntando "mas porque diabos Eco está na lista de favoritos então???". Tenha calma, que vou chegar nessa parte.

Aconteceu no segundo ano da faculdade. O professor de hermenêutica, em uma das exatas três aulas em que ele apareceu ao longo do semestre (uma das vantagens de se estudar na Federal, claro...) nos mandou ler Interpretação e Superinterpretação, livro que era uma compilação de uma série de palestras das quais Eco havia participado, avisando que aquilo seria todo o conteúdo da prova da primeira unidade.

Quase entrei em depressão. Se eu não entendera lhufas quando li uma obra de ficção do cara, eu estava era bem ferrada com uma obra de não-ficção; pior ainda, de filosofia. Assim, preparando-me mentalmente para uma final em hermenêutica, peguei o livro - um volume até surpreendentemente fininho - na biblioteca.

Li as cento e poucas páginas de uma sentada só. No dia seguinte, li de novo. Fui pesquisar na internet a bibliografia e, da minha visita seguinte à biblioteca, voltei com todos os livros de Eco que eu conseguira encontrar.

O cara era brilhante!

Então, li O Pêndulo de Foucault... e, ao final, estava completamente enamorada. Creio que eu cheguei a afirmar que iria me casar com Eco.


Hum... foi uma época assim, meio estranha... mas tudo bem.

Tenho muitos livros favoritos de Eco, mas O Pêndulo de Foucault está no topo da lista. Antes, contudo, que eu possa adentrar nos méritos desta história, acho que devo explicar como cargas d'água eu passei do ponto A ao ponto B; isto é, de torcer o nariz a sair devorando tudo o que o cara já tinha escrito.

Em primeiro lugar, eu amadureci (ou, pelo menos, gosto de pensar que sim). Há coisas que sei hoje, aos vinte e três que não sabia aos treze. Eu estou, por assim dizer, melhor equipada para apreciar as ironias de Eco hoje. Aos treze, eu era uma fã de História, mas nunca tinha estudado filosofia, só para ficar no óbvio.

Em segundo lugar, ao redescobrir Eco na faculdade, descobri que ele era um especialista em semiótica, um estudioso da linguagem; assim, fazia sentido que ele escrevesse na linguagem da época em que a história se passava. Não era simples pedantismo, para mostrar que "eu sou o cara, eu sei mais que você", mas era parte dele mesmo, parte do que ele fazia e gostava de fazer.


Quer dizer, eu nunca tinha encrencado com Tolkien porque ele escrevia em quenya; porque diabos eu continuaria resmungando com o que Eco escrevia numa cadência medieval? Aliás, é engraçado que, embora não tenha tido ânimo para reler O Nome da Rosa, li A Ilha do Dia Anterior, que se passa no século XVII e passei boa parte do tempo encantada com Roberto, mesmo quando se iniciou um verdadeiro curso sobre metáfora no meio da história.

Em terceiro lugar, eu mesma tinha descoberto um certo fascínio no estudo da linguagem e da comunicação, resultado de ter uma professora maravilhosa em Teoria da Comunicação. Maria Eduarda, onde quer que você esteja, saiba que você foi um exemplo e uma inspiração como professora; um dos raríssimos casos que encontrei na faculdade que não apenas me fizeram aprender, como também me encorajaram a ir atrás de saber mais.

Em suma... semiologia tinha se tornado um assunto extremamente interessante para mim e Eco escrevia sobre isso.

Em quarto lugar e, talvez, mais importante... o Eco professor de semiologia é claro, conciso, ainda que extremamente elegante na construção de seus argumentos, além de ter um tom ligeiramente irônico (e, vocês irão notar à medida em que avancemos nessa série que a maior parte dos meus autores favoritos são autores que gostam de usar a ironia e o sarcasmo em suas obras); diferente do Eco romancista medieval que usava o vernáculo da época em que a história se passava.

Essa clareza com que Eco escreve seus textos de não-ficção foram como a última coca-cola gelada no deserto de idéias prolixas que os professores de filosofia do direito empurravam pelas nossas goelas abaixo: Kant, Kelsen, Alexy...

Esse é um problema muito comum na área de Direito. Temos um dialeto todo próprio - como a Régis gosta de chamar, o jus esperniandi. Basicamente, nós enrolamos o máximo possível, com os termos mais incompreensíveis que encontrarmos, de forma a mascarar a falta de idéias com uma pretensa sabedoria transcedental. E todo mundo acha que falamos grande coisa, quando, na verdade, de trinta páginas, dois parágrafos é tudo que há de aproveitável.

Resumindo: eu chegara à conclusão que Eco era o cara. E não fiquei na final em hermenêutica (na verdade, tirei nota máxima. Juntei Eco com Habermas e... é, nada como umas inserções sobre esfera pública para ajudar na nota...)

Agora, vamos à Foucault. Eco cita várias vezes O Pêndulo de Foucault ao longo de Interpretação e Superinterpretação, ao explicar como o leitor pode ler além das intenções de um texto.

Em termos bem simplórios e rapidamente para vocês entenderem a idéia central desse livro: para Eco, um texto tem três possíveis interpretações; três intenções: a do autor, a do leitor e a do próprio texto.

O texto limita as possibilidades de interpretação em si mesmo. Quando o leitor ultrapassa estes limites impostos pelo texto; isto é, quando vê dois chifres em cabeça de unicórnio, ele está fazendo uma superinterpretação.

A história de O Pêndulo de Foucault é uma história de superinterpretação épica da intenção do texto original, que termina em verdadeiro caos e tragédia.

Basicamente, o enredo envolve três amigos: Belbo, Diotallevi e Casaubon, todos eles editores. O trabalho deles é ler todos os manuscritos que chegam à pequena editora em que trabalham e separar "o joio do trigo". Os bons livros, aqueles que eles acreditam que podem gerar lucros, são lançados pela casa, de forma séria. Os livros... não tão bons, são separados para serem lançados às custas dos autores e vendidos por eles mesmos - livros encomendados.

Até aí, nada de particularmente interessante... até que o chefe deles descobre o filão de livros místicos e esotéricos.

São tantos livros cheios de teoria da conspiração envolvendo templários, cabala, a ordem Rosa e Cruz e outros ocultistas e loucos de todo gênero que, por brincadeira, os três começam a inventar "O Plano", com tudo o que eles encontram de mais absurdo em suas leituras dos manuscritos.

O problema é que "O Plano" acaba vazando nos ouvidos da turma de ocultistas que trabalhava com eles, e que envolvia inclusive um homem jurando que era o Conde de Saint-Germain.

Se você não sabe quem é Saint-Germain... bem, em resumo, ele é um personagem histórico da corte de Luís XV (ou será XIV? Não lembro agora... pesquisem no Google), suspostamente, um grande alquimista, mago e imortal, que desapareceu misteriosamente da corte e nunca mais foi visto.

Em todo caso... Esse pessoal acha que "O Plano" é verdadeiro, que envolve um grande segredo de uma grande fonte de poder guardada secretamente pelos templários. E assim, começa uma desesperada corrida para conseguir "O Plano", incluindo perseguições e assassinatos.

A maneira como Eco constrói todo esse enredo é fascinante. A pesquisa que ele desenvolveu para o livro, os detalhes históricos, e mesmo as mais viajadas teorias conspiratórias... tudo isso contribuiu para tornar O Pêndulo de Foucault um dos meus livros favoritos.

Acho que consegui justificar porque Eco entra na minha lista, não? Se não leram nenhum dos livros dele ainda, eu recomendo começar por A Misteriosa Chama da rainha Loana ou o próprio O Pêndulo de Foucault. E depois, vocês podem ler Entre a Mentira e a Ironia, Diário Mínimo (MUITO BOM!!!), Apocalípticos e Integrados, e assim por diante.

Na verdade, leia tudo de Eco. E não se deixe amedrontar pelo vernáculo. No final das contas, mesmo com um dicionário do lado... tenho certeza de que você terá lido uma boa história.



E até a próxima!


A Coruja


____________________________________

 

9 comentários:

  1. eu coloquei 'a chama da rinha loana' 3 vezes no carrinho de compra e desisti na 3 vezes. *ódio ódio ódio* da próxima não escapa!

    ResponderExcluir
  2. Lembro de ter visto o filme "o Nome da Rosa" ano passado, numa exibição particular que minha professora de história passou.
    Começou com umas 20 pessoas, mas eles foram saindo, saindo... Quando fui ver nem a professora tava mais na sala, só eu e uns 3 alunos ficamos, aceleramos o vídeo (era um vhs) e fingimos que tinhamos visto tudo.
    Até hoje não entendi as imagens da inquisição no final. :(
    .
    Lu, por acaso você lê os comentários?

    ResponderExcluir
  3. Sim, eu leio os comentários, Diego, todos eles. Eu os recebo por email, então, mesmo quem tenha comentado numa postagem antiga, que eu não fique fuçando diariamente, eu recebo no email e respondo se for alguma pergunta ou coisa do tipo.

    Ando meio enrolada e por isso não tenho respondido os comentários aqui direto no Coruja, mas isso não significa que tenha esquecido de vocês!

    Lembro da Inquisição no final, mas também não lembro o porquê dela... acho que por causa das mortes, não? Ou alguma coisa do tipo... Bem, em último caso, era simplesmente porque a Igreja gostava de ter lenha fresca para suas fogueiras...

    E, antes que eu me esqueça... por que medo???

    Ah, e, Naomi... Eu encontrei Rainha Loana em promoção por dez reais na Americanas à época em que comprei ;) Depois dá uma olhada lá. Digo que é um livro que vale muito à pena!

    ResponderExcluir
  4. Entao perguntei mais por medo disso mesmo, acompanho o blog desde o começo e fiquei preocupado pq vc ficou um bom tempo sem postar nem dar qualquer aviso no post anterior. (E juro que a perguntar não era tao grosseira na minha cabeça).
    E então, o medo é pela quantidade de ódio na frase dela O.O

    ResponderExcluir
  5. Meu desaparecimento se deve ao fato de estar uma loucura no trabalho... o mês de janeiro todo eu carreguei trabalho comigo para casa, a ponto de passar até uma da manhã resolvendo coisa para no dia seguinte estar às sete de novo no escritório... Ando, verdadeiramente, exausta...

    Mas não se preocupe, que não abandonei vocês. Tenho planos, muitos planos... hihihihi...

    ResponderExcluir
  6. Humberto Eco!

    *_____*

    Humberto Eco!!

    *_______*

    Humberto Eco!!!

    *____________________________*

    ResponderExcluir
  7. É, Régis, eu sei que você também nutre uma paixão secreta pelo tio...

    ResponderExcluir
  8. Mto bom o seu texto, passei por parecido e hj tb sou apaixonada por Umberto Eco.. ele e Italo Calvino dividem o podio na minha lista de autores favoritos. Parabéns pelo texto.

    ResponderExcluir

Sobre

Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.

Cadastre seu email e receba a newsletter do blog

powered by TinyLetter

facebook

Arquivo do blog