19 de novembro de 2010
Meme Literário: Dia 19 – um livro que mudou a tua cabeça sobre um determinado assunto
Eu creio que esse vá ser, em todo o Meme, o tema mais difícil de responder...
Tenho opiniões muito arraigadas sobre muitas coisas. Em outras palavras, sou uma criatura extremamente teimosa. Para completar, não me satisfaço em pesquisar uma única fonte – se quero saber sobre um determinado assunto, eu vou atrás do maior número de informação que eu possa achar sobre para poder então determinar o que penso.
Claro que eu tenho aquelas fontes que foram os marcos iniciais para certas formas de pensar, mas elas estão tão enterradas lá atrás, com pilhas e pilhas de bibliografia por cima que é difícil distingui-las.
Eu pensei inicialmente em citar O Túmulo do Fanatismo de Voltaire aqui; porém, antes de ter lido esse livro, já tinha opiniões muito próximas àquelas que mestre Voltaire expõe ali. Saí olhando a estante, entre títulos de História, Política, Filosofia e finalmente decidi que não ia encontrar ali uma obra que, sozinha, realmente tivesse mudado minha cabeça sobre um determinado assunto.
Foi quando me deparei com um livrinho de capa vermelha espremido entre Huntington e Bobbio. E encontrei minha resposta.
Já contei essa história antes. Quando era pequena e metida a criança precoce, decidi ler O Nome da Rosa de Umberto Eco e absolutamente detestei. Eu tinha recentemente terminado o Dom Quixote e a Odisséia e nem os dois juntos me deram tanto trabalho para compreender o texto (ou tantas idas ao dicionário), de forma que declarei Eco um pedante odioso, devolvi o livro e evitei o autor por anos a fio.
Até que, no terceiro período, na cadeira de hermenêutica jurídica, o professor indicou a leitura de Interpretação e Superinterpretação, e disse que ia ser o único assunto a cair na prova do primeiro semestre.
Surtei, é claro. Se Eco tinha sido ‘odioso’ como ficcionista, ele seria abismal como filósofo e, ainda por cima em direito.
*Kelsen, meu caro, a culpa é sua por ter me deixado traumatizada. Ou talvez seja culpa de Adeodato que soltou você nos coitados dos alunos do primeiro período, que, vamos encarar, nunca tinham se interessado ou estudado filosofia na vida. E começar logo com Kelsen???*
Resignada com meu triste destino, pedi encarecidamente à minha mãe que comprasse o instrumento de tortura e preparei-me para ginásticas mentais exaustivas.
Comecei a ler.
E li... e li... e quando terminei de ler, reli... aí fui atrás de pesquisar outros títulos de Eco... aí li O Pêndulo de Foucault e comecei a declarar em alto e bom som minha profunda e completa devoção a Eco.
Em alguma parte da história, eu disse que queria casar com ele.
O que um livro não faz...
Até hoje, não tive coragem de pegar O Nome da Rosa para reler; mas imagino que passados uns dez anos desde aquela primeira vez, eu seria capaz de apreciar bem mais o livro. Em compensação, li todos os outros livros de Eco em que pude colocar as mãos ao longo dos anos e acredito que ele seja um dos autores de quem mais tenho livros aqui em casa.
Só perde para Gaiman e Pratchett (isso é uma surpresa???).
Interpretação e Superinterpretação é uma coletânea de palestras dadas por Eco e outros acadêmicos sobre os limites da interpretação de um texto – sobre como um texto tem sempre, e pelo menos, três intenções: a do autor, a do leitor e a do próprio texto, que correspondem estes aos próprios limites interpretativos.
Isso quer dizer que você pode ler O Corvo de Poe e fazer conjecturas mil acerca dos sentidos do poema, interpretações que, inclusive, escaparam ao próprio Poe enquanto escrevia. Independentemente, contudo, de como você leia O Corvo, dificilmente você poderá ver ali uma metáfora dos, digamos, valores intrínsecos do mercado de ações. Isso extrapolaria os limites do texto, seria uma superinterpretação, que não caberia ali.
O melhor de tudo é que o Eco professor, ensaísta, filósofo, ele não é um pedante que escreve da forma como se falava na Idade Média. A impressão que você tem é que ele está falando diretamente contigo, de uma forma tão clara, tão gostosa... Especialmente quando fala sobre livros, signore Eco é imbatível: você percebe a paixão dele pelo assunto, você vai atrás dos títulos de que ele fala com tanta veemência, tanta empolgação – mesmo que seja coisas assim como Finnegans Wake, de James Joyce, que é um livro assim, pensado para (1) fazer caça-palavras, (2) usar como instrumentos de previsões cabalísticas ou (3) mandar você para um hospício.
Pois é, ele é bom assim... e tudo começou com um livrinho vermelho...
E aproveitando o ensejo já que estamos por aqui, não deixem de participar da pesquisa de opinião para o balanço de final de ano de D. Lulu!
A Coruja
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Olá Lulu!
ResponderExcluirLi o nome da Rosa e gostei, mas é mesmo um livro difícil. Com seu artigo fiquei com vontade de ler os livros não fictícios do Eco, já havia ouvido falar muito bem do Pêndulo de Foucault, este da Interpretação não conhecia, mas são duas boas opções para começar.
Beijos!