O outono não é apenas uma estação: é um estado de espírito. Rilke escreveu sobre a estação “Em nenhuma outra época (além do outono) a terra se deixa inalar por um cheiro, a terra madura; num cheiro que em nada é inferior ao cheiro do mar, amargo onde faz fronteira com o gosto, e mais doce-mel onde se sente tocar os primeiros sons. Contendo dentro de si profundidade, escuridão, quase algo do túmulo.”

Há algo de melancólico, mas também esperançoso no ar outonal. É um tempo de finais, dos últimos suspiros do verão, de se preparar para os silêncios do inverno - mas é também uma época de fartura, de colheita.

Em termos de leituras, acho que livros pequenos e curtos, daqueles com que dá para andar no bolso e folhear numa sentada de um banco num parque ou num café observando o movimento da rua são perfeitos (ler acompanhado de uma xícara de sua bebida quente de preferência é sempre muito bom). Livros mais reflexivos, ou com um toque de magia, ou mesmo poesia. Eis então minhas recomendações deste ano para leituras outonais!


Encaixotando minha Biblioteca, de Alberto Manguel

Eu já tinha lido esse livro antes, mas aí ele foi traduzido em português e, sendo um dos volumes de ensaios do Manguel, fui atrás da versão física para minha própria biblioteca. Aliás, a edição brasileira dele ficou uma delicadeza…

Enfim, gosto demais do Manguel, da forma como eles encadeia ideias, personagens, autores, viagens, indo e voltando por tangentes que parecem completamente aleatórias, mas fazem sentido no final - afinal, eu me identifico demais com essa prolixidade digressiva que costura referências apaixonadas a uma genealogia de histórias que, de alguma forma, tocaram-me como leitora.

Júlio César, de William Shakespeare

"Teme os idos de março" diz o vidente a César - e assim coloco essa peça como uma leitura perfeita para o primeiro mês da estação. Um assassinato político ou fruto de vaidades? É curioso perceber o quanto Shakespeare tem a nos dizer aqui sobre política, tirania e populismo.

Tive oportunidade de assistir a peça no palco alguns anos atrás e vou dizer que eu mesma fiquei surpresa ao perceber que estava chorando com o discurso de Marco Antônio. Mesmo já tendo antes destrinchado o caráter demagogo da cena, a força das palavras e da atuação nos movem de formas inexplicáveis. Eis aí o poder do bardo para vocês.

Reli já a peça esse ano e está nos meus planos escrever um ensaio sobre os tiranos de Shakespeare e o que eles têm a ver com a política dos dias de hoje. Vejamos quando conseguirei fazer isso sair…

Coisas Frágeis, de Neil Gaiman

Essa antologia de contos do Gaiman foi publicada por aqui pela Conrad em dois volumes, mas está há tempos fora de catálogo (dá para encontrar em sebos, contudo). Seja como for, ela reúne vários dos melhores contos do autor e, do título às capas, combina muito com o clima dessa estação.

Bem, contos, de uma maneira geral, parecem-me sob medida para tardes de outono passadas ao ar livre. As histórias de Coisas Frágeis, com um pé no fantástico e outro no horror, fazem esse um casamento realmente perfeito. Se tiver dificuldade em encontrar essa edição mais antiga e não for fluente na leitura em inglês (ao contrário do Brasil, há uma miríade de diferentes edições disponíveis no original, em vários formatos e capas), Alerta de Risco, também do Gaiman, tem maior disponibilidade e também entra na categoria das leituras outonais.


A Coruja