31 de julho de 2021
Conversas Sobre o Tempo #04 - Aquele em que falamos de heróis
Fui dormir ontem e acordei hoje no sentido de escrever essa crônica. Pensando, escolhendo e descartando ideias. O que é um tanto irônico, a se considerar que desde o mês passado eu estava firmemente decidida a escrever sobre as Olimpíadas… e aí perdi a vontade.
Bem, entre Olimpíadas e a “segunda temporada” da CPI da Pandemia, que retorna os trabalhos essa semana, não se fala em muito mais coisa no noticiário. E o que posso escrever que já não foi repetido mil vezes por esses dias?
Bem, tentemos… Começarei com minha experiência pessoal, observando que nunca tinha parado para prestar atenção em Olimpíadas até a sediada em Londres, em 2012. Não sou particularmente ligada a esportes (realmente detestava aulas de Educação Física nos tempos de escola), e minhas referências olímpicas tinham mais a ver com uma fascinação desde os tempos de infância pela mitologia greco-romana. A razão para a mudança de interesse talvez seja algo meio cômica: eu estava fazendo um intercâmbio na França e, sozinha num dormitório estudantil, o único programa que encontrei na TV em inglês (meu francês não era nem de longe fluente para que eu pudesse acompanhar qualquer outra coisa) era a abertura das Olimpíadas daquele ano.
Aquela abertura me deixou absolutamente, perfeitamente fascinada. Sério, como eu poderia resistir, quando tantas das minhas referências preferidas estavam presentes ali? E depois, quando não estava estudando as lições do curso, acabava sintonizando nos Jogos - na falta do português, o inglês servia para dar alguma familiaridade e descansar a cabeça.
Os Jogos seguintes foram no Brasil. A essa altura, eu já tinha sido fisgada, e para além do interesse nas festas, competições, as quebras de recordes e criações de narrativas - lembro muito da entrada da Equipe Olímpica de Refugiados e como aquilo me tocou - havia a questão política, as manifestações, um estouro de revoltas cujas consequências sentimos ainda hoje.
E aí, quem diria, cinco anos depois, olharíamos para 2016 e muitos de nós estaríamos cantarolando baixinho Ataulfo Alves, “eu era feliz e não sabia…”
Assisti à abertura das Olimpíadas de Tóquio com um nó na garganta. Por um lado, não creio que fosse o momento de um evento dessa magnitude acontecer. O aumento no número de casos de Covid-19 no Japão já são uma clara consequência dessa escolha. Aliás, durante a cerimônia, era possível por vezes ouvir as manifestações contrárias do lado de fora do estádio quase vazio. Pergunto-me inclusive se vai se tornar um padrão olímpico, essa coisa dos Jogos acontecerem seguidos de manifestações contrárias a eles - afinal, sempre haverá quem questione o custo e o benefício real que eles trazem para suas sedes.
Por outro lado, há algo nas histórias de superação e resiliência revelados neles que nos trazem algo de esperançoso. Veja-se a reação do Brasil às vitórias de Rayssa Leal e Rebeca Andrade. Eu também me arrepiei com a vitória completamente inesperada do nadador tunisiano Ahmed Hafnaoui e a vulnerabilidade que a Simone Biles se permitiu expor. Sinceramente? Não me lembro de ter chorado em qualquer outro evento esportivo como chorei nesses dias.
Lembro de ter participado de algum debate do clube do livro em que se levantou a questão da nossa carência de heróis, e como especialmente o pessoal do esporte acaba ocupando esses papéis hoje em dia. Há de fato algo heroico na dedicação, na persistência, nas tentativas de ultrapassar não apenas os outros competidores, mas os seus próprios limites. Não à toa as Olimpíadas têm por fundador Hércules, aquele que foi considerado o maior de todos os heróis mitológicos.
Pensei muito nisso nos últimos dias. Criação de mitos, quebra de paradigmas, simbologia. Sobre legado, sobre fazer algo tão extraordinário, que parece tão acima do que a experiência humana comum traduz, que seu nome acaba por ser imortalizado. O que significa ser um herói e talvez, mais importante, por que precisamos de heróis.
A resposta, ao final, é muito simples e, ao mesmo tempo, muito complexa: heróis nos dizem aquilo que queremos ser. Os heróis e mitos que escolhemos para nós definem nossos ideais e, num certo sentido, nossos ideais nos definem. São eles que estão no topo das nossas aspirações. De quebrar a cabeça, não? Confesso que quando me sentei para escrever hoje, não fazia ideia do que ia sair. Mas esse tipo de exercício acaba nos forçando a enxergar as correntes subconscientes que nos levam a agir de tal e tal maneira.
No Escaninho. Agora, dos links que andaram se empilhando aqui no meu escaninho… Primeiro, em inglês, um artigo sobre como militares pelo mundo procuram ideias de cenários e tecnologias na ficção científica, mas ignoram comentário social do gênero. Tenho quase certeza de que já tinha escrito alguma coisa sobre o assunto - a ideia de ter escritores de sci-fi empregados nas forças armadas me parece genial e hilária -, mas o artigo da vez vai um pouco além na reflexão sobre o assunto. E do Tor.com, um ensaio brilhante sobre do que estamos falando quando apontamos nossas histórias favoritas.
No Book Riot tem uma análise rápida de um estudo sobre como pessoas que pirateiam livros também… compram mais livros? Achei uma estatística curiosa e vale a reflexão. E, se você é um fã do Miyazaki, aqui vai um ensaio sobre como o cineasta explora relacionamentos parentais.
Em português, no Quatro Cinco Um tem um artigo bem legal sobre ETs e o consenso científico. E ainda, uma daquelas histórias reais que parece roteiro de filme: Hitler aparentemente roubou a tumba de Dante Alighieri, mas foi enganado, porque um grupo de italianos já tinha trocado a ossada de lugar. Adoro quando os nazistas saem por baixo...
Fechando por hoje, se você está lendo essa newsletter antes do dia 04 de agosto, recomendo assistir a aula inaugural ministrada pela maravilhosa Marina Colasanti para o Instituto Estação das Letras, com o tema “Ler e Escrever são fragatas para terras distantes” - inscrições gratuitas aqui.
Previsão do Tempo para Hoje. Estou num humor épico hoje, então embora seja um dia de sol, partamos para as aventuras tempestuosas relembradas no poema de Alfred Tennyson, Ulysses:
"Ainda que muito esteja perdido, muito nos resta;
Não somos mais aquela força que nos velhos dias
Moviam céus e terras; somos o que somos
Corações heroicos em igual temperamento
Débeis pelo tempo e pelo destino, mas persistentes na vontade
Para lutar, buscar, achar, e jamais se render."
A Coruja
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