10 de junho de 2021

Projeto Agatha Christie: Assassinato no Campo de Golfe


Eu já descrevi Hercule Poirot em outras ocasiões. Um homenzinho extraordinário! (...) "Ordem" e "Método" eram seus deuses. Tinha certo desdém por evidências tangíveis, como pegadas e cinzas de cigarro, e sustentava que, por si só, nunca permitiriam que um detetive resolvesse um problema. Então batia em sua cabeça com formato de ovo com uma complacência absurda e comentava com grande satisfação: "O verdadeiro trabalho, é feito aqui dentro. Na massa cinzenta - lembre-se sempre da massa cinzenta, mon ami!"

Segundo romance protagonizado por Hercule Poirot, Assassinato no Campo de Golfe foi publicado inicialmente de forma serializada na Grand Magazine, de dezembro de 1922 a março de 1923, com outro título: A Garota de Olhar Ansioso. Em maio de 1923 o volume saiu como livro, pela editora The Bodley Head, já com o título atual, tendo sido bem recebido pela crítica.

Christie afirmou que a inspiração para esse livro veio de O Mistério do Quarto Amarelo, de Gaston Leroux (sim, o mesmo autor de O Fantasma da Ópera) - mais pela ambientação que pela linha narrativa propriamente dita. O curioso é que é impossível deixar de comparar Giraud, o detetive francês designado para o caso, com Sherlock Holmes. Poirot o contrasta com um cão farejador, uma imagem que Watson utiliza também para caracterizar seu amigo detetive. A fixação com cinzas de tabaco de Giraud também me fez rir loucamente, porque Holmes tem uma inteira monografia escrita sobre o assunto.

Do meu ponto de vista, Assassinato no Campo de Golfe opõe os métodos de investigação da já renomada criação de Conan Doyle (que continuava à época a publicar os contos de Sherlock Holmes na Strand), firmado no estudo das evidências e avanços científicos, com o ainda recém-criado detetive belga, mais dado ao estudo psciológico dos investigados. Pessoalmente, acho uma competição sem sentido; ambos os métodos têm seu lugar, mas entendo aqui que a ideia seria satirizar um determinado arquétipo. Considerando que o próprio Poirot é pintado como ligeiramente ridículo em suas manias, não vou me doer pelas ironias com Holmes.

Enfim, com narração em primeira pessoa por Hastings, nossa aventura começa com uma viagem pelo expresso de Calais e termina em casamentos. Poirot é chamado para a França por um potencial cliente, mas, antes que possa se colocar a par do mistério, seu correspondente é encontrado morto, apunhalado num campo de golfe. Pelo caminho há ainda uma Cinderela em perigo, detetives rivais com métodos antagônicos, muitas conversas importantes ocorrendo em lugares nos quais podem ser convenientemente entreouvidas, e uma abundância desconcertante de pistas.

A despeito de tantos engodos bem embrulhados, quando você volta no tempo e enxerga como as coisas se encaixam, faz sentido e é, sim, crível, por mais que o crime se sustente em uma cadeia de coincidências quase inacreditáveis. Você pode interpretar tais acasos como licença autoral, coincidências que fazem o enredo funcionar. No grande esquema das coisas, porém, não seria de todo errado encarar a sorte de se descobrir vizinho da última pessoa que você gostaria de rever na vida como justiça divina.

Enfim, eu acertei em parte a importância de algumas pistas e o papel de certos personagens. Mas me deixei enganar pelas circunstâncias, de forma que errei completamente meu palpite de quem seria o assassino. Quando se revelou a verdade, quase caí para trás na cadeira, eu não esperava nem de longe. Eu me daria meio ponto por ter sido mais esperta que Hastings (o que não é muito difícil…), e compreendido a relevância do sobretudo, do destinatário da carta ciumenta, a ausência de pegadas num canteiro e a adaga desaparecida, não fosse o detalhe de que nenhuma dessas pistas teria me impedido de condenar a pessoa errada.

São muitas reviravoltas, o que torna essa mais uma daquelas leituras que não queremos largar. Devo dizer, contudo, que tenho um pé atrás com a narrativa em primeira pessoa, especialmente por não gostar muito do Hastings - nunca entendi a razão de Poirot tolerá-lo. Se entre Holmes e o belga, não sou capaz de escolher um favorito, em termos de associados, o bom doutor Watson ganha de lavada.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: Assassinato no Campo de Golfe
Autor: Agatha Christie
Tradução: Marcelo Barbão
Editora: Globo
Ano: 2014

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