30 de abril de 2021

Conversas sobre o Tempo #01 - Aquele em que somos um tanto caoticamente metanarrativos


“Por onde devo começar?” - faço-me a pergunta de sempre. A resposta óbvia, é claro, é o começo. Mas qual o começo, o ponto de partida, o início de tudo, a gênesis da questão? Descobrir por qual começo começar não é tão fácil quanto aparenta, isso para não falar daquelas inspirações transgressoras, que insistem em pós-modernismo, fluxo de consciência e a esplêndida noção de começar pelo meio... Ou pelo final, e assim tornar tudo cíclico e perfeito, um ouroboros, um significado em si mesmo.

Não estou fazendo muito sentido, não é mesmo? Bem, confesso que não parti nessa empreitada pensando em fazer sentido. Que sentido, afinal, tem a vida? Essa pergunta reverbera por milênios e até hoje a resposta mais próxima que conseguimos chegar (segundo o Douglas Adams) foi… 42. E olhe lá se realmente fizemos a pergunta certa.

Muito bem, decidi por onde começar. Vamos falar… do tempo. Afinal, é do tempo que vem o título desta newsletter e, ainda que eu já tenha escrito sobre o assunto antes, não o exauri (fora que há razoáveis probabilidades de você não ter me lido ou ouvido discorrer prolixamente acerca dele, o que significa que posso bem me parafrasear e até duplicar).

Leitores de romances de época que se passam na Inglaterra (puxando a memória agora, não consigo me lembrar de nenhum que se passe em outro país… que coisa...) são familiares com a expressão. Muitas vezes, dois personagens que não têm nada de concreto para dizer um para o outro acabam, para não ficarem embaraçosamente em silêncio olhando para as paredes, puxando conversa sobre o tempo. Eles então se descobrem com bastante assunto sobre as mudanças repentinas do clima e as constantes chuvas, e podem assim, confortavelmente, fingir que não estão desejando se livrar do outro o mais brevemente possível.

A ironia desses romances, claro, fica pelo fato de que os integrantes de tal conversa costumeiramente estão destinados a chegar ao final do livro num relacionamento romântico. Aparentemente, não há uma forma melhor de você se aproximar do seu interesse amoroso. Fale sobre o clima, fale sobre as rosas, fale sobre a família real, e logo depois você estará declarando seu amor eterno. Mas não nos atenhamos aos detalhes, não é mesmo?

O resumo da ópera aqui é que, quando uma conversa chega no tópico "tempo", no sentido meteorológico da palavra, isso significa que os participantes do diálogo não têm nada para dizer um ao outro. A não ser, é claro, que um deles seja meteorologista, ou more num local de constante instabilidade climática, como no Reino Unido.

Digo isso porque encontrei uma reportagem da BBC falando que, de fato, britânicos são obcecados em falar do tempo. Morando no Recife, gostaria de observar que os recifenses também o são, especialmente quando chega o período das chuvas. Nas últimas semanas, é quase só sobre o que escuto aqui em casa.

Enfim, à reportagem. Ela trata de um estudo (!) a respeito da tendência dos britânicos - inclusive comparados a outras nacionalidades (!!) - , de falar acerca do clima. Minhas exclamações ficam por conta de descobrir que há gente que trate isso como objeto de estudo, e que ainda o faça de forma comparada. Porque, veja bem, isso foi realizado com pesquisadores espreitando para ouvir por acaso a conversa de passantes (!!!), o quê, ok, faz sentido… Afinal, ninguém vai convidar pessoas para vir para sua sala de estudo e esperar que elas comecem a falar espontaneamente sobre o tempo com um monte de gente observando-as e anotando tudo sobre o que elas conversam.

Ainda assim, você consegue imaginar a cena? Cientistas basicamente bisbilhotando a conversa de pessoas aleatórias por aí, para então concluir que elas passam um tempo desmesurado trocando impressões sobre o clima?

Teoricamente, acho que uma boa forma de iniciar uma conversa - depois de dizer ‘olá’ - seria perguntar o que a pessoa está lendo (aliás, o que você está lendo, já que chegamos a esse ponto da nossa conversa? Estou sempre à procura de indicações para a minha lista). Digo isso ‘na teoria’ porque, primeiro, como se pode ver da minha verborragia caótica ora presente, só me lembrei de fazer a pergunta mais pelo meio da história e, segundo, nem todo mundo tem o hábito de estar sempre lendo alguma coisa, o que significa que, apresentada a questão, você pode encontrar apenas o vácuo como resposta.

Voltando ao que estávamos falando ali em cima... entre as conclusões do já citado estudo estão os seguintes fatos: (1) o clima britânico é extremamente imprevisível; (2) as pessoas especulam e anseiam por um clima mais severo (talvez porque isso lhes dará ainda mais assunto sobre o qual falar, reclamar e se lamentar?); (3) elas se sentem nostálgicas pelo clima de antigamente (eu poderia ter dito isso sem precisar ficar ouvindo a conversa dos outros por aí, mas tudo bem…); e (4) falar sobre o tempo é um ‘código’ que construímos “para nos ajudar a superar inibições sociais e realmente conversar um com o outro”.

Em outras palavras, falar sobre o clima é tanto uma maneira de quebrar o gelo quanto de preencher silêncios desconfortáveis.

Claro que, hoje em dia, falar sobre o clima não é mais um assunto tão inofensivo. Não quando ele se encaixa em tangentes como aquecimento global, desmatamento, negacionistas e outras variantes. De repente, não mais que de repente, você pode se sair com um comentário totalmente inocente sobre como o verão anda mais quente do que nunca, e terminar no meio de um bate-boca infernal com aquele tio mala que acha que se botar abaixo todas as florestas, não vai fazer diferença nenhuma no grande esquema das coisas.

Sim, estou falando por experiência própria.

Lembra o velho ditado de “futebol, política e religião não se discutem”? Talvez o tempo (ou, de forma mais ampla, o meio ambiente) apareça mais cedo ou mais tarde na história. Não sei se devo considerar irônico ou trágico que o que tenha começado como um gancho para quebrar o gelo acabe se tornando pano para muitas polêmicas. Se bem que desconfio que parte do problema que estamos vivendo é justamente por evitarmos esses assuntos (bem, não posso dizer que me importo muito com futebol, mas há os apaixonados e talvez conversar um pouco ajudasse a cultivar mais tolerância).

Estou tergiversando, não é mesmo? Mas, bem, se você me conhece do Coruja, sabe que sou assim mesmo e já está acostumado com minha capacidade de sair completamente do assunto. Por que seguir um caminho em linha reta e cuidar logo do assunto se posso fazer vários desvios e visitar tópicos totalmente aleatórios? No final, esse é exatamente o sentido pelo qual tomo o “conversar sobre o tempo” - que inicialmente deu nome a uma coluna no blog na qual falava sobre o que quer que me viesse à cabeça no momento e agora batiza essa newsletter.

Comecei tentando decidir qual seria o começo, decidi-me explicar o porquê do título, entrei pelos romances de época, saltei para estudos comportamentais, peguei uma tangente nas alterações climáticas e… cheguei aqui. Posso começar filosofando e terminando em humor ou vice-versa. Espero não o ter perdido pelo caminho. Mas acho que isso resume muito bem o que esperar de mim por aqui, não é mesmo?

Tentarei manter a newsletter mensal, até porque uma das funções dela é te deixar informado sobre o que foi publicado ao longo do mês no Coruja. De mais a mais, acho que já deu a conta por hoje. Se quiser me mandar algumas linhas sobre como está o tempo por aí, pode responder diretamente neste e-mail! E até mês que vem!

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No Escaninho. Recomendo a leitura de duas matérias sobre ficção de gênero bombando nos tempos que vivemos: uma matéria do Globo, sobre por que a procura por livros de fantasia disparou na pandemia e outra do Nexo, sobre como a ficção científica ilumina a realidade pandêmica. Quase na mesma verve, um artigo do Tor.com sobre como o luto é retratado na ficção especulativa (em inglês).

E, para fechar com chave de ouro por hoje… tem a campanha de financiamento coletivo Farras Fantásticas, pelo Catarse, uma antologia de contos de autores nordestinos celebrando nossas festas populares com um toque de fantasia. Vamos apoiar?

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Previsão do Tempo para Hoje. Diretamente do primeiro ato de A Importância de ser Prudente, de Oscar Wilde:
JACK - Que tempo agradável fez hoje, não, senhorita Fairfax?

GWENDOLEN - Por favor, não fale comigo sobre o tempo, senhor Worthing. Sempre que as pessoas falam comigo sobre o tempo, tenho a nítida sensação de que elas querem dizer outra coisa, e isso me deixa muito nervosa.

JACK - Eu de fato quero dizer outra coisa.




A Coruja


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