18 de outubro de 2012
Desafio Literário 2012: Outubro - Graphic Novel || Persépolis
Não conheço muito da história contemporânea do Oriente Médio, exceto, talvez pelo fato de que eles parecem viver em constante pé de guerra uns com os outros. A questão é que boa parte do nosso conhecimento histórico vem da escola e fora uma breve menção à criação do Estado de Israel, o Oriente só veio aparecer nas nossas vidas após os atentados de 11 de setembro nas aulas de redação para o vestibular.Marjane Satrapi tinha apenas dez anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita - apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa. Vinte e cinco anos depois, com os olhos da menina que foi e a consciência política à flor da pele da adulta em que se transformou, Marjane emocionou leitores de todo o mundo com essa autobiografia em quadrinhos, que só na França vendeu mais de 400 mil exemplares. Em Persépolis, o pop encontra o épico, o oriente toca o ocidente, o humor se infiltra no drama - e o Irã parece muito mais próximo do que poderíamos suspeitar.
Quero crer que hoje a história e geopolítica da região sejam tratadas com um pouco mais de atenção nas salas de aula, considerando o quanto ela tem estado nos noticiários. Melhor ainda seria descobrir que existem trabalhos envolvendo História e Literatura usando livros como Persépolis.
A esperança é a última que morre...
Diariamente vemos notícias daquele recanto do mundo – a Primavera Árabe, a guerra civil na Síria e os protestos por causa de um filme que ataca e ridiculariza a figura do profeta Maomé têm sido algo constante. E aí balançamos a cabeça, estreitamos os olhos e começamos as platitudes: ‘tempestade em copo d’água’; ‘cada povo tem o governo que merece’, ou ingenuamente partindo do princípio que liberdades fundamentais podem ser relativas dentro de termos culturais (e logo estaremos justificando caçadas humanas e canibalismo como relatividades culturais).
Polariza-se Ocidente e Oriente e o Oriente nos parece tão diferente em seus costumes, princípios, moral, que é quase como estarmos diante de um alien.
Eu acredito em uma única palavra: tolerância. Mas deixemos essa polêmica para outro dia.
Porque estou dizendo tudo isso? O que tem a ver com a resenha de hoje? Ora, tudo, eu respondo. Persépolis - que é uma narrativa autobiográfica da autora nos tempos da Revolução Islâmica de 1979 – me fez enxergar o mundo por trás do véu, por trás do peso da religião e das tradições.
Ela fala sobre sua cultura, sobre o Irã, sobre sua (riquíssima) história, dos Persas aos aiatolás, da brutal revolução, das perdas e experiências trazidas por ela. Ela fala sobre como é ser vista como uma estrangeira – primeiro na Europa, depois em sua própria terra. Fala do que é ser mulher em uma cultura essencialmente machista e repressora. Isso com humor, de forma direta, sem dramatizar ou açucarar demais.
Satrapi nos aproxima desse mundo que, por vezes, nos parece tão distante. Leva a nos identificarmos – são os mesmos anseios, as mesmas dúvidas, os mesmos sonhos. E também a entender um pouco mais em vez de apenas julgar do conforto de seu sofá, engessado por anos de uma cultura onde o preconceito é uma regra, não exceção.
Aliás, após terminar Persépolis, tirei da estante Orientalismo, de Edward Said (o próximo da lista agora vai ser o História dos Povos Árabes) e muitos dos conceitos que ele trabalha no livro me fizeram lembrar da obra de Satrapi. Vemos o Oriente através de um véu de noções pré-concebidas herdadas do período colonialista. Entre o exótico das Mil e Uma Noites, interpretações fundamentalistas do Alcorão e o trauma das invasões otomanas até o fim do século XVII, esquecemos que boa parte de nossa cultura clássica (grego-romana) só sobreviveu por causa de orientais como Avicena e Averróis.
Excelente leitura e uma boa porta de entrada para pararmos de olhar apenas para nossos eurocêntricos umbigos e entender um pouco mais - de forma bastante humana - o mundo para além de nosso quintal.
Nota: 5
(de 1 a 5, sendo: 1 – Péssimo; 2 – Ruim; 3 – Regular; 4 – Bom; 5 – Excelente)
Ficha Bibliográfica
Título: Persépolis
Autor: Marjane Satrapi
Tradutor: Paulo Werneck
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2007
Número de páginas: 352
A Coruja
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Quero muito esta graphic novel! Já vi o filme, que é ótimo também... mas desejo muito todas as graphic novels da Marjane.
ResponderExcluirMas se livros já são caros, graphic novels então!!
Eu fiquei fascinada com ela... é mesmo uma pena que esses livros estejam tão caros... no meu caso, peguei emprestado, mas se encontrasse em promoção, não hesitaria em levá-lo...
ExcluirÉ muito bom ter contato com leituras que descortinam a situação e a condição de um mundo que desconheço. Esse tá na estante. Agora com o status "para ser lido com urgência".
ResponderExcluirSim, pois é, esse contato com a história oriental não é apenas importante, mas fundamental. Erramos muito por desconhecimento, preconceito e pedantismo. Temos de entender que o Ocidente e sua história eurocêntrica não estão sós no mundo.
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