18 de agosto de 2012
Do Gênesis ao Apocalipse: Cândido
Em qualquer lista que eu faça de livros favoritos, Cândido, ou o Otimismo certamente aparecerá entre os dez mais. Com esse livro, descobri a filosofia – muito antes de começar a faculdade e meu professor começar uma litania de nomes e nenhuma idéia – pois ao terminar este volume, fui atrás de xeretar mais Voltaire e acabei mergulhada até o pescoço no Iluminismo.
Sendo assim, era claro, óbvio e ululante que esse seria o livro escolhido para servir de marco nessa nova parada de nossa viagem literária pela história da civilização.
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Você pode ler Cândido de muitas formas, porque, como uma cebola, ele tem várias e várias camadas de interpretação. Tirado do contexto, é uma história recheada de humor, completa e totalmente sem noção, absurda e bizarra. Um episódio de Os Simpsons, se fosse para fazer uma comparação com a atualidade.“Você pensa”, diz Cândido, “que os homens sempre massacraram uns aos outros como nos dias de hoje? Eles sempre foram mentirosos, trapaceiros, traidores, fracos, covardes, glutões, bêbados, viciados, fanáticos, hipócritas e tolos?”
Mas a história não se restringe ao humor fácil. Ela é uma sátira e um tapa com luvas de pelica, uma ampla crítica social que trata de amor, religião, educação, poder, filosofia e claro, otimismo. Publicada em 1759, Voltaire a pretendia como uma resposta às teses do filósofo Leibniz.
Leibniz criara uma metafísica em que, uma vez que Deus criou o mundo, e Deus é perfeito, então o mundo é, por conseqüência ‘o melhor dos mundos possíveis’. É essa a lição que o Dr. Pangloss, personagem de Voltaire ensina a seu discípulo Cândido.
Cândido é expulso de casa por se apaixonar pela filha de seu protetor, o Barão. E aí começa um sem número de desgraças na vida do jovem – alistado à força no Exército onde é maltratado de forma francamente absurda; perde a amada, Cunegundes, assassinada junto com toda a família num ataque ao Castelo de onde ele foi expulso; reencontra o mestre Pangloss, sofrendo de sífilis; juntos os dois sofrem um naufrágio; salvam-se da morte no mar para enfrentar o Grande Terremoto de Lisboa; são perseguidos pela Igreja, fogem para Buenos Aires; reencontram Cunegundes; encontram El Dorado; são roubados de toda fortuna; escravizados, torturados, desmembrados... e ainda assim, ‘vivemos no melhor dos mundos’.
As desgraças que mais que se somam, multiplicam-se à décima potência, podem fazer por um momento perder o foco da história. O efeito que o amontoado de sofrimentos somado à filosofia de Pangloss é ridículo, bem certo, mas cada um desses marcos são verdadeiras análises sociais. Cândido é rico em polêmicas, numa análise criteriosa do mundo que Voltaire conhecia.
Mais que apenas criticar, contudo, é importante frisar que Voltaire desenvolve na história suas próprias convicções, princípios, moral – e, em especial da idéia de tolerância, que permeia muito de suas obras e é um dos meus pontos favoritos em seus livros.
Não, realmente não vivemos no melhor dos mundos. Mas, Voltaire nos ensina, como ensina a vida, que com sacrifícios, muito trabalho e um pouco de esperança, podemos ser felizes. E, no final, não é isso que realmente importa?
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A Coruja
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