12 de julho de 2012
Para ler: O Livro das Coisas Perdidas
Tive uma tarde de folga que acabei passando numa livraria – o que não é nenhuma novidade – e da torre de livros com que me sentei no colo, esse estava na privilegiada posição de topo da pilha, de forma que comecei a folheá-lo e quando me dei conta, a tarde já tinha se ido embora e eu estava quase terminando o volume.Como a mãe lhe dissera certa vez, o mundo das histórias antigas, dos clássicos contos de fadas, existia paralelamente ao nosso, mas, às vezes, o muro que separava os dois mundos se tornava tão fino e frágil que eles começavam a se fundir.
Foi assim que toda a confusão começou.
Tudo começa com a morte da mãe do protagonista, o jovem David. Por tempos ela foi sendo consumida pela doença, enquanto que o menino tentava desesperadamente se prender a pequenos rituais que ‘assegurariam’ a salvação da mulher – o TOC que David desenvolve nesse ponto me faz lembrar um pouco da mãe do Will na trilogia Fronteiras do Universo.
A despeito de seus esforços, a mãe morre e David se sente terrivelmente culpado, acreditando que foi alguma falha que cometeu em seus pequenos rituais – escovar os dentes contando até 20, tocar maçanetas e torneiras um determinado número de vezes, colocar as coisas sempre no mesmo lugar, sempre do mesmo jeito – que terminou por matá-la.
Perdido e culpado, ele se volta para os livros, que sempre tinham sido a principal ponte entre ele e a mãe. Só que agora que ela se foi, ele não apenas relê os contos favoritos que ela lhe apresentou, mas passa a ouvi-los conversando entre si na estante. Os livros sussurram ao seu redor, onde quer que ele esteja, chamando-o.
Enquanto David tenta se adaptar ao mundo vazio sem a presença de sua mãe e a repentina capacidade dos livros de lhe falar (uma das cenas que mais achei divertida foi ele no consultório de um terapeuta, ouvindo os livros diagnosticando-o e xingando o médico ao mesmo tempo...), seu pai começa um romance com Rose, a diretora do hospital em que a mulher ficou internada e não demora muito para que o pai e Rose decidam ficar juntos por definitivo, mudem-se para a mesma casa e avisem o garoto que um novo bebê está a caminho – o que não deixa o garoto muito satisfeito.
Desde o princípio, David não tem uma boa relação com a madrasta, evitando tanto Rose quanto seu meio irmão quando ele nasce. Ele nunca chega a ser abertamente hostil, preferindo se isolar da mulher e, aos poucos, de todo o resto do mundo.
Nesse meio tempo, David começou a ter crises convulsivas em que se vê em outro mundo – um mundo que parece exatamente ecoar as velhas e queridas histórias que a mãe lhe contava.
E finalmente, em meio à possibilidade de um bombardeio – estamos na Londres da Segunda Guerra Mundial e a guerra se infiltra discretamente pela história, com especialistas em criptografia e sirenes para alertar a chegada de aviões – David acaba encontrando uma passagem, levado pela voz da mãe, para o outro mundo que estivera vendo o tempo todo e do qual os livros lhe vinham falando.
Lá ele cruza com muitos personagens nossos velhos conhecidos – a Chapeuzinho Vermelho, a Branca de Neve, lobos que querem nada menos que devorá-lo, bruxas e, acima de todos eles, o sombrio Homem Torto.
A despeito da imersão nos contos de fadas, O Livro das Coisas Perdidas está longe de ser um livro infantil. Ele trata de temas bastante dolorosos – perda, solidão, rejeição, tudo temperado por aquela angústia típica do limiar entre criança e adulto, do momento em que perdemos a inocência ao nos darmos conta de verdade do que está acontecendo ao nosso redor.
A jornada de David em meio a esses personagens clássicos não é uma negação da necessidade de amadurecer e aceitar as mudanças que ocorreram em sua vida, mas uma verdadeira jornada de auto-conhecimento – ele cresce durante a história, moldando-se pelas escolhas que faz.
Não pude, em nenhum momento da história, me desvincular de um certo senso de melancolia. Nem sempre aquilo que perdemos é possível recuperar, e temos não apenas que aceitar esse fato como nos arranjarmos o melhor possível com o que a vida nos joga no final das contas – e às vezes, ela nos dá exatamente aquilo de que precisamos, ainda que não sejamos capazes de compreender isso quando a coisa está acontecendo.
Um livro para ler, reler e pensar.
As histórias queriam ser lidas, dizia, num murmúrio, a mãe de David. Precisavam disso, era por isso que forçavam passagem do seu mundo para o nosso. Queriam que as fizéssemos viver.
A Coruja
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Nossa, achei esse livro bem forte. Entretanto, talvez por esse motivo fiquei tão tentada a buscá-lo e lê-lo...
ResponderExcluirParabéns, como sempre, pelo blog lindo! Sou frequentadora assídua (e tímida) e adoro suas resenhas ^^
Beijoos!
Obrigada, Mi, e seja sempre bem-vinda!
ExcluirEu realmente recomendo o livro, embora ele tenha seus momentos de tristeza, é uma bela história, que vale à pena conhecer.
Gostei também, apesar de não ser muito chegada numa melancolia, essa mistura com os contos torna ele mais atraente.
ResponderExcluirAcho que cada um tem seus momentos... tem horas que preciso ler livros mais introspectivos, em outros tudo o que quero é sangue e destruição, mais vezes que posso contar preciso de uma boa dose de açúcar concentrada...
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