22 de agosto de 2011
Desafio Literário 2011: Agosto - Clássico da literatura brasileira || O Juiz de Paz na Roça
Já tinha lido antes algumas peças de Martins Pena e foi por me lembrar delas que acabei colocando esse título na minha lista do Desafio Literário 2011.ESCRIVÃO, lendo - Diz João de SAMPAIO que, sendo ele "senhor absoluto de um leitão que teve a porca mais velha da casa, aconteceu que o dito acima referido leitão furasse a cerca do Sr. TOMÁS pela parte de trás, e com a sem-cerimônia que tem todo o porco, fossasse a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. JUIZ, que o leitão, carece agora advertir, não tem culpa, porque nunca vi um porco pensar como um cão, que é outra qualidade de alimária e que pensa às vezes como um homem. Para V.S.ª não pensar que minto, lhe conto uma história: a minha cadela Tróia, aquela mesma que escapou de morder a V.S.ª naquela noite, depois que lhe dei uma tunda nunca mais comeu na cuia com os pequenos. Mas vou a respeito de dizer que o Sr. TOMÁS não tem razão em querer ficar com o leitão só porque comeu três ou quatro cabeças de nabo. Assim, peço a V.S.ª que mande entregar-me o leitão. E.R.M."
JUIZ - É verdade, Sr. TOMÁS, o que o Sr. SAMPAIO diz?
TOMÁS - É verdade que o leitão era dele, porém agora é meu.
SAMPAIO - Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou, nem eu lho dei, como pode ser seu?
TOMÁS - É meu, tenho dito.
SAMPAIO - Pois não é, não senhor. (Agarram ambos no leitão e puxam, cada um para sua banda.)
JUIZ, levantando-se - Larguem o pobre animal, não o matem!
TOMÁS - Deixe-me, senhor!
JUIZ - Sr. ESCRIVÃO, chame o meirinho. (Os dous apartam-se.) Espere, Sr. ESCRIVÃO, não é preciso. (Assenta-se.) Meus senhores, só vejo um modo de conciliar esta contenda, que é darem os senhores este leitão de presente a alguma pessoa. Não digo com isso que mo dêem.
TOMÁS - Lembra Vossa Senhoria bem. Peço licença a Vossa Senhoria para lhe oferecer.
JUIZ - Muito obrigado. É o senhor um homem de bem, que não gosta de demandas. E que diz o Sr. SAMPAIO?
SAMPAIO - Vou a respeito de dizer que se Vossa Senhoria aceitar, fico contente.
JUIZ - Muito obrigado, muito obrigado! Faça o favor de deixar ver. Ó homem, está gordo, tem toucinho de quatro dedos. Com efeito! Ora, Sr. TOMÁS, eu que gosto tanto de porco com ervilha!
TOMÁS - Se Vossa Senhoria quer, posso mandar algumas.
JUIZ - Faz-me muito favor. Tome o leitão e bote no chiqueiro quando passar. Sabe aonde é?
TOMÁS, tomando o leitão - Sim senhor.
JUIZ - Podem se retirar, estão conciliados.
A peça é, infelizmente, tão curtinha – acho que não levei 20 minutos para ler até o fim – que não oferece muito em termos de enredo. Contudo, como recorte de época, é muito interessante.
É bom notar que essa peça é considerada a primeira comédia de costumes brasileira. Sua ação se desenrola em 1834, período da Revolução Farroupilha – motivo pelo qual é preso o José, noivo de Aninha, que tentava fugir de ser convocado para o exército.
A história se transcorre principalmente em virtude das decisões do juiz de paz do título, corrupto e arbitrário, um verdadeiro Salomão às avessas, como se pode ver da decisão que ele dá no caso do leitão com que abri a resenha.
Curta, mas divertida e extremamente atual, O Juiz de Paz na Roça é uma leitura curiosa e que eu gostaria de ver encenada numa versão moderna – não tenho quaisquer dúvidas que ela é de facílima adaptação para nossos dias...
Nota: 4
(de 1 a 5, sendo: 1 – Péssimo; 2 – Ruim; 3 – Regular; 4 – Bom; 5 – Excelente)
Ficha Bibliográfica
Título: O Noviço/O Juiz de Paz na Roça/Quem casa quer casa
Autor: Martins Pena
Editora: Martin Claret
Ano: 2001
Número de páginas: 111
A Coruja
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Ah, momento nostalgia agora... :) Foi encenando essa peça no colégio que eu conheci o maridão... E lá se vão 18 anos! :)
ResponderExcluirTambém tive um momento nostálgico! Li essa peça há uns seis anos, e nem lembrava, isso porque gostei muito na época.
ResponderExcluirAcho que lerei novamente!
Como sempre uma dica instigante. Já tá anotada. Bjs
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