19 de agosto de 2011

Na sua estante: e aí você acorda no meio da noite e...





#078: E aí você acorda no meio da noite e...
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Ele acordou quase como se tivesse levado um choque, a dor na nuca dando-lhe a impressão que a qualquer momento, seu crânio implodiria. Por alguns instantes, André permaneceu paralisado, até sentir a pressão diminuir, pouco a pouco.

Respirando fundo, ele primeiro mexeu a mandíbula, fazendo-a estalar dolorosamente nos ouvidos. Finalmente, sentou-se na cama, esfregando os olhos.

Era a segunda vez que acordava daquela maneira. E ele não duvidava que fosse continuar daquele jeito por algum tempo. Talvez devesse marcar algum médico, embora ele não precisasse de nenhum exame para saber que aquelas dores eram puramente coisa de sua cabeça, do estresse e problemas acumulados nos últimos dias.

Algo vibrou contra a madeira do criado-mudo e ele se virou ao mesmo tempo em que o visor do celular começava a piscar. O rapaz suspirou. Mariana não cessara de tentar ligar para ele, dia e noite, desde a cena no apartamento dela.

Ele não atendera nem uma vez. Sinceramente, ele não acreditava que conseguisse juntar boa vontade suficiente para ouvir qualquer mentira que ela quisesse que ele engolisse dessa vez.

Fora um idiota por tempo suficiente. Não cairia naquela tentação novamente.

Mas como alguém pode se enganar tanto? Ou como alguém pode ser tão bom ator? Por que Mariana mentira daquela forma, porque o manipulara daquele jeito? Isso era algo que, definitivamente, ele não conseguia entender.

Desistindo de tentar dormir, André finalmente se levantou. Passava da meia-noite pelo visor do celular; era um bom horário para fazer um lanche e, quem sabe, assistir algum filme idiota que o fizesse esquecer por algum tempo o resto do mundo. Abstrair: essa era a chave para todos os seus problemas.

Para sua surpresa, contudo, tão logo abriu a porta do quarto, o barulho de televisão fê-lo perceber que não era o único acordado.

Bia estava na sala, os olhos pregados na televisão com atenção incomum, o braço numa tipóia simples junto ao corpo. Considerando a forma como ela era estabanada, a tipóia era o mínimo necessário para impedir que ela saísse batendo o braço nas portas e paredes em seu caminho.

Sem dar tempo para que ela notasse sua presença, André deixou-se desabar no sofá ao lado dela.

- O que você está assistindo?

Ela piscou os olhos, desviando-os rapidamente da tela para colocá-los sobre ele.

- Estou fazendo uma maratona de séries policiais. Agora fique quieto que quero descobrir quem é o assassino.

Ele cruzou os braços, voltando a atenção para o filme, observando a aparição de um ridículo personagem de bigodes e chapéu coco.

- Isso é Hercule Poirot? – ele perguntou, fazendo um esforço de memória.

Bia deu um meio sorriso.

- Você ainda se lembra?

- Claro. A mãe despejou a coleção inteira de livros dele nas nossas cabeças quando éramos crianças, embora, francamente, eu não consiga atinar com o que ela estava pensando.

- Me parece bastante óbvio que ela queria dividir conosco algo de que gostava e não que estivesse nos treinando para ser detetives... ou criminosos, como, acredito, seja sua teoria.

- Não consigo creditar à mãe razões simples para qualquer coisa, Bia. – André deu um meio sorriso – Tanto ela quanto o pai estão longe de serem convencionais. Eu tenho firme convicção disso desde que eles nos levaram àquela peregrinação religiosa para que pudéssemos decidir se queríamos seguir alguma religião.

- Você até gostou da sinagoga. – ela também riu – Só desistiu dela quando ouviu a história da circuncisão. E aquela mesquita foi interessante. O templo budista também.

André não chegou a responder, pois nesse instante o telefone vibrou mais uma vez em sua mão. Beatriz fechou a cara ao ver o nome que piscava no identificador de chamadas.

- Você só pode estar brincando comigo.

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A Coruja


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