13 de novembro de 2010
Meu novo credo: "Notas para uma definição do leitor ideal"
Eu preciso dar mais algum motivo para explicar porque Alberto Manguel entrou na minha lista de autores favoritos de todos os tempos?
Amanhã estarei na Fliporto logo de manhã cedo para assistir a palestra do Maguel! Uhu!!!
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E aproveitando o ensejo já que estamos por aqui, não deixem de participar da pesquisa de opinião para o balanço de final de ano de D. Lulu!
O leitor ideal é o escritor no exato momento que antecede a reunião das palavras na página.
O leitor ideal existe no instante que precede o momento da criação.
O leitor ideal não reconstrói uma história: ele a recria.
O leitor ideal não segue uma história: participa dela.
Um famoso programa da BBC sobre livros infantis começava, invariavelmente, com o animador perguntando: "Vocês estão sentados confortavelmente? Então vamos começar". O leitor ideal é também o sentador ideal.
Representações de são Jerônimo mostram-no debruçado sobre sua tradução da Bíblia, ouvindo a palavra de Deus. O leitor ideal deve aprender a ouvir.
O leitor ideal é o tradutor. Ele é capaz de dissecar o texto, retirar a pele, fazer um corte até a medula, seguir cada artéria e cada veia e depois dar vida a um novo ser sensível. O leitor ideal não é um taxirdemista.
Para o leitor ideal todos os recursos são familiares.
Para o leitor ideal todas as brincadeiras são novas.
"É preciso ser um inventor para ler bem." Ralph Waldo Emerson.
O leitor ideal tem uma aptidão ilimitada para o esquecimento. Ele pode afastar de sua memória o conhecimento de que Dr. Jekill e Mr. Hyde são a mesma pessoa, que Julien Sorel terá sua cabeça cortada, que o nome do assassino de Roger Ackroyd é Fulano de Tal.
O leitor ideal não está interessado nos escritos de Brett Easton Ellis.
O leitor ideal sabe aquilo que o escritor apenas intui.
O leitor ideal subverte o texto. O leitor ideal não pressupõe as palavras do escritor.
O leitor ideal é um leitor cumulativo: sempre que lê um livro ele acrescenta uma nova camada de lembranças à narrativa.
Todo leitor ideal é um leitor associativo. Lê como se todos os livros fossem obra de um autor intemporal e prolífico.
O leitor ideal não pode expressar seu conhecimento por meio de palavras.
Depois de fechar o livro, o leitor ideal sente que se não o tivesse lido o mundo seria mais pobre.
O leitor ideal tem um senso de humor perverso.
O leitor ideal jamais contabiliza seus livros.
O leitor ideal é ao mesmo tempo generoso e ávido.
O leitor ideal lê toda literatura como se fosse anônima.
O leitor ideal gosta de usar dicionário.
O leitor ideal julga um livro por sua capa.
Ao ler um livro de séculos atrás, o leitor ideal sente-se imortal.
Paolo e Francesca não eram leitores ideais, pois confessaram a Dante que depois de seu primeiro beijo pararam de ler. Leitores ideais teriam se beijado e continuariam lendo. Um amor não exclui o outro.
O leitor ideal não sabe que é o leitor ideal até chegar ao final do livro.
O leitor ideal compartilha a ética de Dom Quixote, o desejo de Madame Bovary, a luxúria da esposa de Bath, o espírito aventureiro de Ulisses, a integridade de Holden Caufield, ao menos no espaço textual.
O leitor ideal percorre as trilhas conhecidas. "Um bom leitor, um leitor importante, um leitor ativo e criativo é um leitor que relê." Vladimir Nabokov.
O leitor ideal é politeísta.
O leitor ideal assegura, para um livro, a promessa da ressurreição.
Robinson Crusoé não é um leitor ideal. Lê a Bíblia para encontrar respostas. Um leitor ideal lê para encontrar perguntas.
Todo livro, bom ou ruim, tem seu leitor ideal.
Para o leitor ideal, cada livro é lido, até certo ponto, como sua própria autobiografia.
O leitor ideal não tem uma nacionalidade precisa.
Às vezes, um escritor pode esperar muitos séculos para encontrar seu leitor ideal. Blake demorou 150 anos para encontrar Northrop Frye.
O leitor ideal de Stendhal: "Eu escrevo para apenas cem leitores, para serem infelizes, amáveis, encantadores, nunca moralistas ou hipócritas, aos quais eu gostaria de agradar; só conheço um ou dois deles".
O leitor ideal conhece a infelicidade.
Os leitores ideais mudam com a idade. Aquele que aos catorze anos foi o leitor ideal dos Vinte poemas de amor de Neruda já não o é aos trinta. A experiência apaga o brilho de certas leituras.
Pinochet, que proibiu Dom Quixote por pensar que esse livro incitava à desobediência civil, foi seu leitor ideal.
O leitor ideal jamais esgota a geografia do livro.
O leitor ideal deve estar disposto não apenas a suspender a incredulidade, mas a abraçar uma nova fé.
O leitor ideal nunca pensa "Se ao menos...".
Anotações nas margens indicam um leitor ideal.
O leitor ideal faz proselitismo.
O leitor ideal é volúvel e não sente culpa disso.
O leitor ideal é capaz de se apaixonar por um dos personagens do livro.
O leitor ideal não se preocupa com os anacronismos, com a verdade documentada, com a exatidão histórica, com a precisão topográfica. O leitor ideal não é um arqueólogo.
O leitor ideal é um cumpridor implacável das regras e normas que cada livro cria para si mesmo.
"Há três tipos de leitor: um, que aprecia o livro sem julgá-lo; três, que o julga sem apreciá-lo; outro, no meio, que o julga enquanto o aprecia e o aprecia enquanto o julga. O último tipo verdadeiramente reproduz uma obra de arte novamente; seus exemplos não são numerosos." Goethe, em carta a Johann Friedrich Rochlitz.
Os leitores que cometeram suicídio depois de ler Werther não eram ideais, mas simplesmente leitores sentimentais.
Os leitores ideais quase nunca são sentimentais.
O leitor ideal quer chegar ao final do livro e ao mesmo tempo saber que o livro jamais terminará.
O leitor ideal nunca se impacienta.
O leitor ideal não liga para gêneros.
O leitor ideal é (ou parece ser) mais inteligente do que o escritor; o leitor ideal não usa isso contra ele.
Há um momento em que cada leitor se considera o leitor ideal.
Boas intenções não são suficientes para produzir um leitor ideal.
O Marquês de Sade: "Só escrevo para quem é capaz de me entender, e eles me lerão sem perigo".
O Marquês de Sade está errado: o leitor ideal está sempre em perigo.
O leitor ideal é o personagem principal de um romance.
Paul Valéry: "Um ideal literário: saber, enfim, não dispor na página nada além do 'leitor'".
O leitor ideal é alguém com quem o autor não se importaria em passar uma noite bebendo uma taça de vinho.
Um leitor ideal não deveria ser confundido com um leitor virtual.
Um escritor nunca é seu próprio leitor ideal.
A literatura não depende de leitores ideais, mas apenas de leitores suficientemente bons.
Alberto Manguel – À Mesa com o Chapeleiro Maluco: ensaios sobre corvos e escrivaninhas
Amanhã estarei na Fliporto logo de manhã cedo para assistir a palestra do Maguel! Uhu!!!
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A Coruja
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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
Eita, desanimei depois de ler isso. =P Eu me achava um leitor tão bom... Não sou nem metade disso aí! XD
ResponderExcluirOk, falando sério agora: Adorei o texto. Vai colocar mais coisas do Manguel aqui, não é? =D
Nem que seja só um resumo ou impressões sobre a palestra...