1 de setembro de 2010

Para ler: A Floresta de Mãos e Dentes



"No momento entre a morte de minha mãe e seu Retorno, eu deixei de acreditar em Deus."

Já escrevi extensamente sobre o assunto dos zumbis aqui no Coruja, traçando suas origens folclóricas, seu desenvolvimento na literatura até a entronização pop com George Romero – fora o nosso pequeno debate sobre como se livrar dos zumbis e os erros que você deve evitar cometer se quiser sobreviver ao cenário pós-apocalíptico em que hordas de mortos vivos perambulam por aí.


Fiz isso com todo o meu senso de humor bizarro – primeiro, em homenagem ao estilo “filme B” que imperou na concepção do arquétipo e segundo porque... bem, porque meu senso de humor é realmente algo absurdo.

Assim é que fui ler A Floresta de Mãos e Dentes com expectativas de riso porque, vai se saber o motivo, na minha cabeça, zumbis sendo desmembrados me fazem rir. E terminei estupefata... quase às lágrimas, para ser sincera.

Nesse livro vivemos o já conhecido cenário pós-apocalíptico em que hordas de "Não Consagrados" (como são chamados os zumbis) passam sua existência procurando brechas na cerca que protege o vilarejo em que vive nossa protagonista, Mary. Tal cerca, feita de metal, está lá desde tempos imemoriais e é dever dos Guardiães e da Irmandade cuidar para que elas continuem protegendo sua cidade.

Eu passei algum tempo refletindo se o metal seria apenas uma barreira física ou se haveria algo mais nessas cercas que impediriam os zumbis de simplesmente passarem por cima delas e atacarem a vila. Considerando o viés religioso dado pela presença da Irmandande e das explicações de irmã Tabitha, em que os "não consagrados" são uma resposta, um castigo divino à arrogância humana, faz bastante sentido, já que o ferro, o metal, tem uma função de prender e purificar dentro da idéia de exorcismo, da mesma forma que o sal, aliás.

Considerações histórico-religiosas de lado, essa cerca protege a vila, mas representa também - e especialmente para Mary - uma prisão. E assim é que, a despeito do terror que aguarda do outro lado da cerca, na floresta de mãos e dentes, ela anseia por deixar a vila e viajar até um lugar intocado pelo Retorno (como é chamado o momento em que os zumbis voltam à existência): o oceano.

Até aí, nada de terrivelmente novo. Qualquer um que vivesse cercado por cadáveres putrefatos que passam sua inteira existência tendo por único impulso a busca por alimento - carne humana - sonharia com um lugar onde estivesse livre desse pesadelo.

O que me impressionou na Carrie Ryan, contudo, foi a maneira como ela construiu e desconstruiu a identidade de seus não consagrados. Diferente do grosso de livros e filmes sobre o assunto, em que os zumbis não são mais que alvos que caminham; somos lembrados a cada passo da jornada de Mary - que poderá ou não levá-la ao oceano - que aquela turba incansável e insensível já foi seres individuais, pessoas que um dia tiveram sonhos, amores, uma inteira história.

O curioso é que de todas as criaturas sobrenaturais, os zumbis deveriam ser uma das que nos despertam mais compaixão e não apenas instintos de sobrevivência estilo rambo. Eles não têm a forma animalesca de um lobo e não são necessariamente estranhos a nós - como um conde de presas afiadas que conhecemos ao viajar para um país minúsculo e quase esquecido. Pelo contrário: eles são nossos vizinhos, nossos amigos de infância, nossos irmãos, nossos pais, nossos amores. Eles possuem um rosto que nos é conhecido e, um dia, foram entes queridos e estimados.

Esse princípio é angustiante e terrível e não é à toa que Mary jamais consegue esquecer ou substituir seu anseio pelo mar - nem mesmo pelos vínculos com as pessoas que ama. No final, mais que as pessoas que a cercam, ela está completamente envlvida pelas histórias que, no fundo, representam sua única e febril esperança.

E aqui se lança mais uma vez a questão religiosa ou talvez, não tanto religiosa, mas mais política - porque na vila, o poder político e religioso se confundem na figura da Irmandade - é certo as irmãs controlarem o vilarejo da forma como o fazem, guardando segredos, mantendo todos na ignorância, sacrificando inocentes em nome de um "bem maior"?

Li A Floresta de Mãos e Dentes quase que de uma sentada só (em algum momento tive de parar e ir dormir, porque já começara a cabecear contra a parede) e acho que nunca torci tanto por uma heroína tão intrinsecamente egoísta ou fiquei com o coração mais partido à morte de... bem, de um morto-vivo.

Dou um destaque especial à irmã Tabitha. Passei a primeira parte da história tentando entender a mulher, porque, ao menos na minha cabeça, ela parecia uma contradição, um mistério, um enigma. Para mim, a história, o passado da irmã Tabitha será uma das grandes chaves para entender aquele mundo cercado pela floresta de mãos e dentes. Por isso que eu fucei e fucei pelo google afora, até descobrir que existe um conto da Carrie Ryan na antologia Kiss me Deadly, que retrata a irmã Tabitha quando ela tinha a idade da Mary.

Tudo bem que terei de esperar até outubro para deitar as mãos na bendita cópia que encomendei, mas até lá vou lendo os outros livros da série - que, aliás, está sendo traduzida aqui no Brasil pela Editora Underworld.

Enquanto espero, vou tecendo mil teorias, tentando descobrir, no final das contas, o que ocasionou o Retorno. E o que vai acontecer daqui para frente, claro. Volto quando chegar a alguma conclusão. Até lá, leiam também; tenho certeza que vão gostar.


A Coruja


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