16 de dezembro de 2009
Creepy Fairytales - Parte 2
Continuando com o desmembramento dos contos de fadas...
Chapeuzinho Vermelho
Na minha lista de contos de fadas tenebrosos, Chapeuzinho Vermelho está absolutamente empatada com a Bela Adormecida. Não porque eu não goste da Chapeuzinho Vermelho que pela estrada afora anuncia que vai bem sozinha levar doces para a vovozinha (falando sério, ela passa metade da história pedindo para virar ração lupina), mas sim porque...
Bem, você vai entender porque num minuto...
Nossa amiga, a Chapeuzinho Vermelho, é incumbida por sua mãe a levar uma cesta de doces para a vovó, que está doente. Antes que a jovem saia, a mãe ainda a lembra de não sair da trilha da floresta, não importa o quão tentador sejam outros atalhos; e em hipótese alguma, conversar com estranhos.
Lá vai então Chapeuzinho, cantando para todo mundo ouvir "pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar esses doces para a vovozinha..." quando dá de cara com... O Lobo.
Chapeuzinho pára para conversar com o Lobo, ainda que ele seja um lobo estranho, não domesticado, que nunca dantes lhe fora apresentado (contrariando assim sua mamãe) e o Lobo a convence - depois de descobrir sobre a visita à vovó - a entrar por um atalho na floresta onde há flores particularmente belas, que ela poderá levar para a vovó e assim fazê-la mais feliz.
E, enquanto Chapeuzinho perde tempo nos atalhos (contrariando todos os conselhos de mamãe), o Lobo corre para a casa da vovó, onde mata a velha, faz uma sangria, come parte da carne e assa os outros quartos... e depois, se transveste com as roupas da moribunda e toca a esperar pela Chapeuzinho.
Finalmente, depois de recolher muitas flores pelo caminho, Chapeuzinho chega à casa da vovó, onde é gentilmente convidada para o jantar. "Vovó" lhe serve um apetitoso assado e um pouco de vinho e temos então Chapeuzinho praticando canibalismo.
Alguém mais percebeu como o canibalismo está presente nos contos de fadas? É a terceira vez em que o povo aparecendo comendo partes de outras pessoas (contando a versão em que os filhos da Bela Adormecida são assados e servidos à mãe).
Terminado o jantar, "vovó" convida Chapeuzinho a se aproximar, mas antes, porque ela não tira aquelas roupas pesadas e calorentas? Assim, à cada uma as famosas frases da Chapeuzinho (mas vovó, que orelhas grandes a senhora tem!), uma peça de roupa vai para a lareira.
Porque ela joga as roupas no fogo e não simplesmente dobra para vestir depois, eu não sei responder. Talvez a Chapeuzinho esperasse que vovó se levantasse da cama a qualquer momento e a acompanhasse para a floresta, onde as duas dançariam nuas em honra da lua - e ela voltaria para casa nua em pêlo e mamãe certamente ficaria muito satisfeita. Ou talvez Chapeuzinho usasse o mesmo número da vovó e tivesse decidido que podia se livrar das roupas velhas e usar um dos vestidos da boa velhinha.
O caso é que, uma vez terminada a strip-tease, Chapeuzinho Vermelho se mete na cama com o Lobo. E aí termina a história. Nada de caçadores salvando o dia e de velhinhas recuperadas milagrosamente do estômago de um lobo.
Eu ainda estou tentando decidir qual exatamente é a moral desse fim.
João e Maria
João e Maria são irmãos, cujos pais são muito pobres. A mãe deles decide que para sobreviver, devem abandonar seus filhos na floresta, de modo que ou eles que se virem sozinhos, ou que sejam comidos por animais selvagens.
E isso é o que eu chamo de instinto maternal!
Por duas vezes, os pais largam os filhos na floresta e, por duas vezes, os meninos conseguem voltar para casa, graças a uma trilha de pedrinhas que João vai jogando atrás deles à medida que vão caminhando.
No terceiro dia, a mãe mantém os filhos dentro de casa, uma vez que ficou meio desconfiada da coisa toda. João não tem como conseguir um refil de pedrinhas e dessa vez, tem de marcar a trilha com pedacinhos de pão, os quais são comidos por passarinhos.
Dessa vez, João e Maria ficam realmente perdidos quando seus pais os abandonam. Andando às cegas pela floresta, eles encontram uma casa feita de doces, onde vivem um casal de... demônios.
Bem, para fugir do casal, João e Maria tentam enganá-los. A história é mais ou menos a mesma da bruxa, com eles engordando para servirem de jantar, exceto pelo final - o demônio constrói um cavalete onde quer colocar as crianças para deixá-las sangrando até a morte. Os dois então, fingem não saber como usar um cavalete, pedindo à esposa do demônio que demonstre. No momento então que ela se deita, os dois cortam sua garganta e escapam.
Crianças espertas...
Cinderela
Na versão original do contos dos irmãos Grimm, as mui espertas "irmãs" da Cinderela cortam parte de seus pés - dedos e calcanhar - para que eles caibam dentro do sapatinho de cristal, torcendo para enganarem o príncipe (que, a se considerar que o decreto real dizia que o rapaz se casaria com quem quer que conseguisse usar o sapatinho, seria bígamo. Ou polígamo).
Elas não contavam, porém, com duas graciosas pombinhas, os símbolos da paz, que alertam o príncipe furando os olhos das duas...
Os três porquinhos
Então o lobo disse que ia soprar, soprar e soprar até que a casa do primeiro e segundo porquinhos - de palha e madeira - caíssem. Até aí, nada de novo... exceto pelo fato de que os dois primeiros porquinhos não conseguiram fugir para a casa de seu terceiro irmão e foram devidamente devorados pelo lobo, que, ao chegar na casa de tijolos do último porquinho, tem a brilhante idéia de entrar pela chaminé.
O terceiro porquinho, contudo, que era muito esperto, acendera o fogo e colocara uma tigela de água fervente sob a lareira... e então, o lobo caiu dentro da tigela e, naquela noite, o terceiro porquinho comeu cozido de lobo (com pedaços de porco não digerido).
Rapunzel
Eu gosto um bocado da versão original da Rapunzel, uma vez que ela é uma das poucas princesas dos contos de fadas que realmente come o pão que o diabo amassou mas dá a volta por cima (e não apenas dooooooooooorme à espera do príncipe). Bem, Rapunzel foi trancada numa torre pela bruxa que a cria desde bebê (os pais de Rapunzel a trocaram por repolhos - o nome rapunzel, aliás, deriva dessa verdura).
Só se pode entrar na torre pelo cabelo de Rapunzel (que deve sofrer de uma baita dor de cabeça e usar litros de xampu anti-queda). Um dia, um príncipe que estava passando pela vizinhança escutou a bruxa chamando Rapunzel e achou a coisa toda bastante pitoresca, de forma que, quando a bruxa foi embora, ele decidiu ver do que realmente se tratava a história.
Resumo da ópera: o príncipe se encanta com Rapunzel e, encontro após encontro, a jovem fica grávida. Só que ela é tão ridiculamente inocente que não tem idéia do que está acontecendo e pergunta à bruxa porque seus vestidos estão ficando apertados na cintura.
Furiosa, a bruxa corta o cabelo de Rapunzel e a manda (teletransporte?) para um deserto. Mais tarde, quando o príncipe chega para fazer sua visita e descobre que perdeu Rapunzel ao dar de cara com a bruxa, ele pula da torre, indo parar em um muito conveniente arbusto de espinhos, que fura seus olhos e o deixa cego.
Daí por diante, ninguém sabe o que aconteceu com a bruxa (se ela só podia entrar na torre pelo cabelo de Rapunzel, como ela desceu depois? Amarrou o cabelo cortado na cama e o usou como corda? Mas se ela podia 'teletransportar' Rapunzel para um deserto, porque tinha de entrar na torre pela escada de cabelo?) ou com o bebê de Rapunzel, mas se sabe que um belo dia, Rapunzel e o príncipe se reencontram; ele a reconhece pela voz, ela chora sobre ele e suas lágrimas com propriedades miraculosas o curam da cegueira.
E todos vivem felizes para sempre.
Se vocês pesquisarem, provavelmente encontrarão outras obscuras versões dos seus contos de fadas favoritos - os que apresentei aqui são apenas alguns que me lembro agora de cabeça. Eles podem parecer bastante sangüíneos e virulentos, mas tentem se lembrar do contexto em que foram primeiro contados.
Por fim, aconselho a leitura de Psicanálise nos Contos de Fadas, de Bruno Bettelheim para quem quiser não apenas se aprofundar no assunto como também entender todos os signficantes mais ou menos ocultos dessas histórias. É uma leitura bem interessante, mesmo para quem não tem nada a ver com psicologia/psiquiatria.
E não me perguntem porque diabos eu li esse livro, porque nem eu mesma lembro qual exatamente foi o motivo para ir atrás dele. Muito provavelmente, eu estava pesquisando para escrever alguma coisa...
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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
Olha, Lulu... sem palavras para Cinderela (já conhecia a versão original) e Chapeuzinho Vermelho (idem)
ResponderExcluirMas vamos lá...
Os Três Porquinhos: essa turma adora mesmo canibalismo, hein? Ainda que por via indireta...
João e Maria: acho que o autor leu demais Dante Aligheri... e a versão dele para o Inferno é de arrepiar!
Rapunzel: realmente, essa menina é inocente demais... e o príncipe, muito espertinho... e o que será que aconteceu com a bruxa? quanto a essa, acho que não saberemos jamais...
fui!
Traumatizei... Nunca soube destes finais diferentes... Vou queimar minhs fitas vhs da disney...
ResponderExcluir=P
Lu, seguindo sua linha de coisas "fofas" da infância, que tal se adentrar nas nossas lindas musicas infantis. Boi da cara preta, Fui no tororó, O Cravo brigou com a rosa, e, a minha favorita, o anjo que mora no bosque que roubou meu coração.
Bjuuuuuuuuuuuus
Oi!
ResponderExcluirNa verdade eu conhecia a versão original da maioria das histórias que você comentou, (só não sabia da bela adormecida, é realmente estranho e macabro...) li em uma matéria da Superinteressante. Se não me engano, é citado no artigo o livro que você indicou... agora fiquei curiosa para ler... =D
Beijos!
É, a da Cinderela eu conhecia. Eu nunca fui com a cara da Rapunzel, porque eu não gostava que puxassem o meu cabelo porque doía, e ficava pensando como ela conseguia jogar suas longas tranças sem gritar de dor. Mas agora - tcharan! - o mesmo professor que passou um "conto de fada" na aula sobre narrativa nos ensinou, na aula sobre verossimilhança, o que é Suspension of Disbelief. E tome altas doses desse treco agora... hihihi
ResponderExcluirRepolhos???? Trocar a própria filha por... REPOLHOS?????
ResponderExcluirNinguém merece!!!!
Fui acometida de um ataque de riso com essa Chapeuzinho Vermelho erótica, hehehehehehehe! Eu não consegui deixar de imaginar Jacob Black no lugar do lobo!!!
Deus do céu, preciso de férias, definitivamente.
Beijocas procê!
Na verdade, eu ainda estou atrás desse livro XD Eu conhecia algumas das versões originais que você apresentou porque me contaram ou porque eu li em algum lugar... Aliás, quanto ao Príncipe Encantado... Você já leu a HQ Fábulas, Lulu? Lá tudo está explicado, rsrs
ResponderExcluirDesculpa pelo sumiço nos comentários... o fim de semestre me enlouqueceu ligeiramente, mas já li tudo o que perdi e os últimos posts estavam ótimos!
Depois dessa seção de originais, resolvi ler um livro q eu ganhei quando ainda tinha uns 10 anos ou talvez menos, 'Os contos dos irmãos Grimm'.
ResponderExcluirLá temos muitos originais, é um livro razuavelmente grosso....
E temos as histórias que vc contou aqui, exceto pelo 'Pequena Sereia', e eu descobri pq eu nunca li esse livro inteiro....
Mas le-lo agora é mais interresante e, definitivamente, eu vou ler 'Psicanálise nos Contos de Fadas', mais um livro pra minha lista....
Sim, rafa, eu li Fábulas! E, quando estava escrevendo esse artigo, só me lembrava do Encantado... e da versão da Branca de Neve de Gaiman.
ResponderExcluirNão existe nada mais sinistro que a versão da Branca de Neve de Gaiman...
Cathy, eu me lembro dessa matéria da Superinteressante - ela foi um dos fatores que me levaram a investigar essas histórias mais a fundo...
Elise... Você encontra a suspension of disbelief em Pratchett como a lei da causalidade narrativa. E num artigo brilhante de Tolkien que foi lançado aqui como livro "sobre histórias de fadas".
Juju... qual a verdadeira história por trás dessas cantigas de roda??? Essa, nem eu sei responder. O que é? Tem a ver com cultos demoníacos que sacrificam criancinhas e bebem seu sangue?
Régis... pois é, repolhos. A mulher estava com desejo de repolhos, por causa da gravidez. Não sabia dessa? Huahuahua... e mais, tinham que ser, especificamente, os repolhos da horta da bruxa.
E sem comentários para Jacob Lobo Mau e Chapeuzinho Vermelho...
Chapeuzinho dormiu com o Lobo. Que coisa perturbadora.
ResponderExcluirAINDA BEM que a Disney resolveu mascarar tudo isso e fazer a minha infância feliz. Acho que eu seria uma pessoa meio amarga hoje em dia se tivesse escutado histórias assim antes de dormir XD
Huahuahuahua... Mari, não foi nem a Disney que começou a mascarar (ela só fez terminar de fazê-los digeríveis para as crianças). Essas versões que postei aqui são as da cultura popular, anteriores às de Andersen, Irmãos Grimm e demais contadores de histórias dessa época.
ResponderExcluirPois é... Chapeuzinho Vermelho é uma história muito perturbadora, mesmo...
Jesus Cristo, me benze! Pelo amor de Deus, o que é isso? O coruja virou sanguinário? E maldoso? E sanguinário? Tô rosa chiclete ou roxa berinjela. Voti. Não sei mais que palavra utilizar. Eu queria colocar uma reza bem braba nesse comentário. ?%*&%* (censurado para as crianças)
ResponderExcluirA moral da história da chapeuzinho é que garotinhas ingênuas e desobedientes são devoradas por pedófilos que usam fantasias furry!
ResponderExcluirTENSO!!!
Vocês já viram a versão verdadeira de pinóquio? É muito assustador!!! Como é que o pinóquio é comido pela baleia? E como os meninos são transformados em burros? Não sei como as crianças gostam dessas coisas e não ficam assustadas. Acho que elas já devem ter um gênio maligno desde essa época.
ResponderExcluirEu vi a tradução que o Monteiro Lobato fez.
ResponderExcluirCara, muito estranho!
Deviam fazer uma versão fiel À história, ia dar um belo filme de, no mínimo, suspense.
Muito provavelmente eu concordo com a sua teoria do porquê leste o livro... LOL
ResponderExcluirAdorei relembrar esses contos. Engraçado, a maioria deles eu conhecia, mas peeeeeenseeee que eu não lembrava de jeito algum quem era quem, qual era o ~real~ etc? XP