3 de julho de 2009

Vampiros Por Trás da Máscara || Parte III - Quando o Real se Torna Folclórico


Existem milhares de dezenas de relatos medievais sobre julgamentos de bruxas, lobisomens, demônios e, é claro e mais que óbvio, vampiros. Se interpretássemos isso de uma maneira literal, chegaríamos à conclusão de que, “é, pois é, cara, essas coisas exissssssstem” e depois voltaríamos para qualquer que fosse a substância ilícita com prazo de validade vencido que estivéssemos consumindo.

A ‘Caça às Bruxas’ existiu , em primeiro lugar, não porque existiam bruxas (mesmo que, eventualmente, você seja um adepto da Wicca e acredite piamente em duendes e gnomos), mas como uma forma de assegurar e manter o poder da Igreja, ameaçando qualquer um que fosse de encontro aos seus dogmas e mantendo o populacho – a plebe rude e ignara – dócil aos desígnios de seus governantes, fossem eles senhores feudais ou reis absolutistas.

Em segundo lugar, devido justamente ao obscurantismo resultante da censura e castração a novos estudos e novas descobertas (‘pfft... quem precisa saber que a terra é redonda e gira em torno do sol? Tudo o que eles precisam saber é que EU sou o centro do Universo deles’ – diria Madame Inquisição), doenças e acontecimentos naturais eram tratados como ‘coisa do demo’.

É interessante notar que muitos dos “surtos” de vampirismo e licantropia na Europa Medieval coincidem com surtos de pestes e doenças pulmonares – em particular, a pneumonia, cujos sintomas, com febres e suores noturnos, aliados à palidez e fraqueza do paciente, além do sangue expelido na tosse ou no catarro, não estão muito longes das características atribuídas às vítimas dos vampiros.

Sem saber que estavam doentes e sem um tratamento correto, não era raro que toda a família pegasse a doença e morressem, um a um, alimentando a história de que o primeiro – que teria se transformado em vampiro, estava vindo buscar os outros.

Eu imagino o pânico generalizado que não seria à época se a turma do “bota para queimar” vivesse no Deserto do Atacama...

Esse foi, aparentemente, um comentário absolutamente sem noção, a não ser que o caro leitor seja, como a doida que escreve, fissurado em programas sobre múmias que passam no Discovery. Ou não tão sem noção se o caro leitor entender algo de biologia, química e processo de decomposição.

O caso é o seguinte... além de perseguir vampiros entre os vivos, nesse preciso momento histórico em que o vampirismo foi encarado mais que como realidade, mas quase como pandemia, as pessoas também perseguiam os vampiros entre os mortos. Traduzindo, elas iam para os cemitérios, violavam os túmulos (não sei se na época já existia o crime de violação de sepultura, mas na legislação brasileira, está tipificado no art. 210 do Código Penal) e, a depender do estado do cadáver, enfiavam uma estaca no peito, cortavam a cabeça, colocavam fogo no corpo...

Por vezes, quando abriam estes túmulos, eles davam de cara com corpos extremamente bem conservados, cujas unhas e cabelos pareciam ter crescido depois do morto estar... hã... morto, manchas de sangue na região da boca e do nariz e mesmo expressões de horror e choque.

Tudo isso se explica cientificamente. A menção à Atacama se refere ao fato de que as condições de clima e solo desta região são perfeitas para preservar corpos; existem muitas múmias encontradas nesta região em perfeitas condições e elas não passavam por qualquer processo de embalsamamento como no Egito (que, aliás também tinha um clima propício à mumificação natural).

Em algumas regiões da Europa, isso também poderia acontecer; territórios altamente salinizados, por exemplo, permitiriam uma maior conservação dos corpos. As pessoas não sabiam disso, contudo, e tomavam estes acontecimentos como sobrenaturais.

Quanto às unhas e cabelos crescendo, isso é uma ilusão de ótica causada pela retração da pele após a morte. O sangue expelido também seria uma reação normal do defunto, nada de outro mundo.

A questão das expressões de terror e até mesmo de marcas de unha na tampa dos caixões somam-se com relatos de gritos abafados vindos de dentro da terra. Eu me lembro de ter visto em algum lugar, quando criança, sobre um homem, aqui no Brasil, que fora enterrado vivo por engano. O médico que o examinara estava sendo indiciado por imperícia e negligência: o homem tinha narcolepsia, também conhecida como síndrome do sono.

Se já na década de noventa, com tantos avanços na medicina, um cara foi dado como morto quando estava dormindo, porque isso não aconteceria também na Idade Média?

Muito bem, agora que já resolvemos a questão da praga de vampiros e outros demônios e bruxas que assolou a Europa medieval, vamos para personagens históricos reais que, por um ou outro motivo, gostavam de beber sangue...

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Vlad Teppes

Eu nunca entendi muito bem porque nosso amigo Vlad foi dito vampiro. Que ele era cruel, disso não tenho dúvidas – dar banquetes enquanto assiste sessões de empalamento não é exatamente o que eu tenho como divertido... Mas os imperadores romanos crucificavam seus inimigos e não me consta que Augusto ou qualquer de seus sucessores fosse taxado de vampiro (ainda que entre Nero e Calígula, temos umas criaturinhas bem pouco simpáticas).

Não existe nada na história de Vlad que diga expressamente que ele bebia sangue ou que não saísse durante o dia ou ainda que tivesse medo de alho e crucifixos. Vlad Teppes era um governante numa época de crise, em plena guerra contra os turcos; aos treze anos, foi raptado pelos inimigos de seu pai e foi lá que aprendeu a “fina arte” do empalamento.

Não era apenas um guerreiro feroz, mas também um fervoroso – acreditem se quiser - defensor da lei e da religião – construiu muitos mosteiros e pertencia à Ordem do Dragão (de onde vem seu epíteto, Dracula), instituição católica criada para impedir a invasão dos turcos otomanos no Leste Europeu.

Apesar disso, Vlad Dracula passou à literatura não como um símbolo de atrocidades ou como o herói nacional que é considerado na região que governou, mas sim como o maior de todos os vampiros.

A história aqui, se deve toda à obra de Bram Stoker e não a particulares apetites hematófagos do personagem histórico.

Elizabeth Bathory

Essa condessa húngara, que nasceu em 1560, tinha um comportamento tão ou mais sádico do que o do nosso amigo Vlad.

Elizabeth sentia um especial prazer em torturar mulheres jovens – numa época em que o comportamento cruel com os servos era algo comum, ela se destacava. Alfinetes sob as unhas como forma de tortura, morte por congelamento – ela mandava despir suas vítimas e as fazia andar pela neve no Inverno, despejando água gelada nelas até que morressem congeladas – e por picadas de inseto – novamente, despia-se a vítima e untava-se seu corpo com mel, deixando depois a mercê de formigas, marimbondos, vespas, abelhas e o que mais houvesse.

Bem, até aí é tudo mais ou menos conhecido pela história; desse ponto em diante, as coisas ficam mais nebulosas. Diz-se que após a morte do marido, Elizabeth passara a ter horror a ideia de envelhecer e morrer e, seguindo-se sabe-se lá que receita, começou a tomar banhos de sangue para rejuvenescer.

O caso é que, em dezembro de 1610, ela foi presa e julgada por estes crimes com base apenas em testemunhos e num suposto diário escrito com sua própria letra, onde listava o nome de mais de 650 vítimas. Não houve provas materiais dos crimes. E ninguém disse também que ela se banhava em sangue.

Detalhe importante da história: o rei húngaro Matias II devia dinheiro a Elizabeth, um empréstimo que tomara do falecido conde.

Ela foi condenada à prisão perpétua, e morreu, aos 54 anos, no quarto solitário em que fora trancafiada.

Peter Kürten

Kürten ficou conhecido como O Vampiro de Düsseldorf durante as investigações; alcunha essa dada pela mídia quando descobriu que a polícia desconfiava que o agressor estava bebendo o sangue de suas vítimas. Na verdade, ele foi um serial killer que atuou na Alemanha, em especial na região de Düsseldorf, entre fevereiro e novembro de 1929 – o ano da grande Crise que levaria, algum tempo depois, à II Guerra.

Suas primeiras vítimas foram suas irmãs – repetindo o comportamento do pai, alcoólatra, abusou sexualmente delas. Aos nove anos, matou, afogados, dois outros garotos – as pessoas acreditaram que tinha sido um acidente, mas ele afirmou que segurara a cabeça dos dois debaixo d’água até que sufocassem. Em seu prédio, conheceu um funcionário da carrocinha e com ele tomou gosto por matar e torturar os cães abandonados.

Não demorou para que transferisse esse hobby para seres humanos. Entre estupros e assassinatos, ele sentia especial prazer em martelar ou apunhalar suas vítimas; a visão de sangue sendo necessária para estimulá-lo sexualmente.

Foi preso em maio de 1930 e condenado à morte, sendo guilhotinado em julho de 1931. Nesse meio tempo, foi entrevistado diversas vezes pelo Dr. Karl Berg, que usaria estas conversas para escrever o livro O Sadista.

Além de servir de inspiração para filmes, Kürten ainda teve a cabeça dissecada e embalsamada, presentemente exposta num museu Wisconsin (porque alguém ia querer ver a cabeça desse cara é algo que eu não faço idéia, claro...).

John Haigh

Haigh é um dos poucos casos de “vampiros reais” que conheço que confessou ter bebido sangue. Esse cavalheiro inglês matou em Londres entre 1944 e 1949 seis pessoas – ou nove, de acordo com seus próprios relatos.

Os assassinatos de Haigh lhe trouxeram bons ganhos financeiros – ele não matava indiscriminadamente; exceto pelas três mortes nunca exatamente comprovadas, que teriam sido feitas para testar seu método de livrar-se dos corpos colocando-os em barris de ácido para que eles se dissolvessem.

Foi Haigh quem disse que bebia o sangue de suas vítimas antes de dissolvê-las, e seu diário pessoal corroboraria a história; contudo algumas das pessoas que trabalharam em seu julgamento afirmaram que ele era um homem frio e manipulativo e que o conto de sua família extremamente repressora, sonhos em que uma mão lhe entregava um cálice de sangue e que as mortes tinham ocorrido apenas para que ele pudesse matar sua sede por sangue não passariam de um esquema para que o júri o considerasse incapaz – algo como a instauração de incidente de insanidade mental que temos hoje (quando eu trabalhava na vara do júri, cheguei a conclusão de que todos os assassinos do mundo eram loucos... ou então os advogados achavam que nós éramos burros...).

Não me lembro onde exatamente foi que li excertos do diário de Haigh, mas ele descreve tudo nos mais minuciosos detalhes, incluindo como suas duas primeiras mortes teriam ocorrido de momento, forçando-o a usar um tanque normal para o ácido, o que teria irritado seus olhos e sua pele. Depois disso, ele teria adquirido os barris, de modo que não haveria problemas para colocar os corpos lá e fechar a tampa.

Antes de cometer a série de assassinatos pela qual ficou conhecida, Haigh foi preso por fraude e, após matar suas vítimas, exerceu seu talento para falsificação com grandes recompensas.

Em julho de 1949, foi julgado e condenado à morte por enforcamento. Sua defesa foi paga por um jornal, já que não tinha dinheiro para tanto, em troca de uma exclusiva em que ele contasse toda sua história. Em agosto ele foi enforcado. Antes disso, permitiu um molde de seu rosto para o museu de Madame Tussaud. Eu sinceramente não sei o que é pior, se a cabeça embalsamada ou a estátua de cera, mas deixa pra lá...

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Caso vocês se interessem um pouco mais pelas personagens dessa nossa pequena galeria dos horrores, ao menos para os dois últimos casos, eu recomendo uma visita ao Crime and Investigation Network

Estou para sair de viagem hoje, mas devo voltar segunda, junto com a provável última parte desse artigo, a parte que eu realmente queria escrever desde o começo, acerca do maniqueísmo e caráter das criaturas vampíricas do mito (não da literatura).

Até lá, deem parabéns para meu pai, que é um Nascido em 4 de Julho. HUAHUAHUAHUA... Bem, enquanto vocês estão aí lendo sobre vampiros, eu estarei em Gravatá, comendo churrasco.

A vida é bela...

Continua...


A Coruja


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4 comentários:

  1. só gente bem equilibrada hein! "fina arte" do empalamento foi o melhor.
    minha paixão por vampiros já antiga, muitos anos lendo Anne Rice, mas também adoro as versões mais monstruosas dos vampiros!

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  2. Desses vampiros de verdade eu não gosto, não. Já ando de pé atrás com a humanidade, ainda leio essas coisas...

    A cabeça dissecada do primeiro sujeito eu até compreendo, talvez uma tentativa de achar no cérebro dele alguma "Marca da Maldade". Mas, o Madame Tussaud... me inclui fora dessa :P

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  3. acho que a dissecação e o molde da cabeça destes assassinos se justifica porque antigamente acreditava-se que o formato da cabeça podia indicar alguma propensão para o mal

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    1. Sim, e não apenas o formato da cabeça, mas também comprimento de orelhas e nariz e outros sinais de nascença. Coisas do Lombroso... estudei ele na faculdade... muito bizarro...

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