24 de janeiro de 2012

Clube do Livro (Booktour) - Clube Dumas



Como pode ver, o tema é um pouco erudito e um pouco infantil ao mesmo tempo, um jogo literário e nostálgico que resgata algumas velhas leituras e nos faz voltar a ser como éramos, com nossa inocência original. Depois que amadurecemos, tornamo-nos flaubertianos ou stendhalianos, pronunciamo-nos por Faulkner, Lampedusa, García Márquez, Durrell ou Kafka... Tornamo-nos diferentes uns dos outros, até mesmo adversários. Mas todos damos um piscar de olhos cúmplice ao nos referirmos a certos autores livros mágicos, que nos fizeram descobrir a literatura sem nos amarrar a dogmas, nem nos ensinar lições errada. Esta é a nossa autêntica pátria comum: narrativas fiéis não ao que os homens vêem, mas ao que os homens sonham.

A Tábata, do Happy Batatinha, que é membro do nosso Clube do Livro, sugeriu pelo final do ano passado que organizássemos entre os membros da trupe um booktour. O primeiro livro escolhido foi O Clube Dumas, de Arturo Pérez-Reverte, que já viajou de Santa Catarina para Ceará, para Pernambuco e para Bahia, com próxima parada em Minas Gerais.

Claro que depois de passar pela minha mão, ele foi com um peso extra, cheio de post-its. Mas como não poderia? O Clube Dumas é um prato cheio para qualquer bibliófilo - especialmente para alguém que gosta de folhetins, Dumas e... Umberto Eco XD

Sim, porque esse livro me parece uma grande, enorme homenagem ao Umberto Eco - e metade da graça de lê-lo talvez seja perdida para quem não conheça a obra do italiano.

Para começar, o clima dele me fez pensar constantemente em O Pêndulo de Foucault - teorias da conspiração; mentiras, livros e baboseiras (ao menos para os protagonistas) místicas são a receita dos dois e ambos terminam de forma parecida também: com uma interpretação errada.

Este é o cerne do livro. Toda a história de O Clube Dumas pode se resumir nas interpretações que Lucas Corso faz dos fatos que estão ocorrendo ao seu redor. Ele relaciona o manuscrito que supostamente seria de Os Três Mosqueteiros com todo o mistério por trás do Nove Portas. Ora, só com esse ponto, eu poderia escrever um mini-tratado sobre como suas conclusões estão intimamente relacionadas às idéias de interpretação e superinterpretação do Eco.

Segundo Eco, todo texto tem três 'intenções': a do autor, a do leitor e a do próprio texto. O leitor pode ultrapassar os limites das intenções do autor sem grandes problemas - suas experiências pessoais é que vão ditar a forma como se relaciona com o livro e influenciar em sua interpretação final. Mas o leitor não pode ultrapassar as intenções do próprio texto. Ele pode ver uma placa de "não pise na grama" e atravessar o gramado rolando ou de joelhos - e estará dentro dos limites de interpretação do texto (mas muito além dos limites de interpretação interpostos pelo autor, no caso, o legislador). No entanto, não há como ler um artigo sobre economia como uma declaração de amor. A partir do momento em que o leitor ultrapassa as intenções do texto, ele está fazendo uma superinterpretação.

Deu para entender?

O que o Corso faz no livro é um superinterpretação dos fatos - ele relaciona o manuscrito de Dumas com o Nove Portas e assim entende duas histórias que correm paralelas como uma única história entrelaçada - quando tudo o que elas têm em comum é a sua própria presença nelas.

A forma como Pérez-Reverte utilizou esse conceito foi genial. Não gostei muito do estilo pesado dele, excessivamente 'adjetivesco', mas a inteligência, as roldanas, os mecanismos que ele utiliza para fazer funcionar a história fizeram com que eu perdoasse esse pecadillo, que, ao final das contas, é uma questão puramente de estilo.

Isso para não falar das inúmeras citações diretas - você tem uma biblioteca incendiada, a busca de um livro proibido, Guilherme de Baskerville, uma série de mortes nos rastros de um livro... quer dizer, OLÁ, O Nome da Rosa!

Na verdade, o próprio Eco aparece. Gente, eu quase caí da cama rindo quando vi isso!
Pág. 383 - "Olhe quem está chegando. Conhece-o, não é?... Professor de semiótica em Bolonha..."
Resumo da história... eu gostei. Algumas partes me deixaram um pouco com pé atrás - como as explicações mais sobrenaturais da coisa... - mas de uma forma geral, o livro se sustenta. E tem a homenagem a Eco, então não é como se eu pudesse reclamar.

Há também um filme inspirado no livro, chamado Nove Portas, com o Johnny Depp fazendo o papel de Lucas Corso e que até tive uma vontade inicial de ver.... Mas aí li uma sinopse dele e acho que o Polanski - que é o diretor - não se dignou a ler o livro, porque numa sinopse de umas dez linhas eu achei umas duzentas contradições com o livro. A começar do fato de que o mistério da história é justamente a ligação do manuscrito de Dumas com o livro medieval que supostamente tem encantos e rituais para chamar o diabo e não apenas a questão do ritual demoníaco.

Vou pensar no caso... se chegar a assistir o filme, dou notícias por aqui.



A Coruja


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Um comentário:

  1. Já li a resenha da Tábata e estou morrendo de curiosidade...

    O Clube é de encontros "ao vivo"? Se não, tem como entrar? Se for, tem como entrar só na "Booktour?"

    ResponderExcluir

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