31 de maio de 2009
Qual a sua identidade?
Meio mundo deve saber de tanto que eu resmungo que estou para apresentar minha monografia de final de curso com o tema de "Direito de Guerra: a evolução do conceito de guerra no Direito Internacional".
Por esses dias, assistindo TV porque tinha nada melhor para fazer - já tinha espremido meu cérebro até o limite e precisava urgentemente de uma dose de programação imbecilizante para me anestesiar do resto do mundo - caí em um filme com a Scarlett Johansson, numa cena em que a personagem dela estava fazendo uma entrevista de emprego.
A entrevistadora pediu que ela se definisse em uma palavra. E, após alguns minutos tentando encontrar uma resposta, tudo o que ela conseguiu foi uma língua travada.
Não cheguei a muito mais do filme, já que apaguei no sofá alguns minutos depois. Em todo caso, isso não é realmente importante.
Em filosofia, meu professor passou para a gente os primeiros capítulos de um dos livros de Zygmunt Bauman, autor, sociólogo e filósofo de que gosto muito. De todas as coisas que a faculdade me fez ler nos cinco anos que passei lá dentro, Bauman e Umberto Eco foram, sem dúvida, os melhores e, apesar dos pesares, agradeço aos meus professores por, ao menos, esse favor.
À primeira vista, parece que estou falando nada com nada, não é? Mas estamos chegando lá, vocês logo entenderão minha linha de raciocínio aqui...
Conceitos, definições, identidade. Por mais abstrato que seja um determinado objeto, nós sempre iremos buscar dotá-lo de significado. Essa é, aliás, uma das funções do dicionário - listar palavras e suas significações.
Uma das conclusões a que chego na minha monografia é que um conceito não é estático; possui uma carga emocional e muda junto com a sociedade. Em suma, conceitos não são absolutos.
Definir uma pessoa é algo ainda mais complicado que definir uma idéia. Cada pessoa é um ser único, com suas peculiaridades, seus gostos, suas qualidades e defeitos. Cada fragmento de sua história compõe aquilo que se torna a definição dela. A tarefa de se auto-definir pode parecer muito fácil e óbvia, como a personagem da Johansson acredita a princípio, mas não tem nada de simples.
Tente resumir em uma palavra toda a sua personalidade. Vou dar o exemplo. Se eu fosse me conceituar de alguma forma, com uma única palavra - ou, no caso, uma única expressão (ou vai ficar sem sentido) - eu me definiria como uma "contadora de histórias".
Contudo, a pessoa que é Luciana não é apenas isso (até, porque seria muito triste se fosse assim e eu não sentisse nenhuma emoção ou não tivesse outros gostos e hobbies). Há pessoas que, se perguntadas, dirão que sou uma menina meiga, muito doce e outras que sabem que quando fico de cabeça quente - e isso não é difícil de se conseguir - posso ser um bocado violenta e irracional.
Sou brasileira (e não desisto nunca!). Sou paulista, mas cresci no centro-oeste e minha família é toda do sertão nordestino. Partes do que sou estão ligadas a cada uma das culturas a que pertenço; as coisas que vi e vivi se misturam na formação daquela que é minha identidade, mas nenhuma delas, sozinha, pode explicar o fenômeno por inteiro.
Identidade é, portanto, a palavra-chave desse artigo. E assim chegamos ao Bauman.
A idéia da modernidade líquida caracteriza toda a obra de Bauman, desde sua análise dos relacionamentos afetivos às relações de consumo, passando pelo grande debate que é sua marca registrada: a questão da identidade.
A “liqüidez” dos tempos modernos estaria ligada a uma cultura de rapidez, em que nada é sólido o suficiente, nada é suficientemente perene. O mundo da modernidade líqüida é o mundo do fugaz, dos relacionamentos pela internet, do lixo, do desperdício, da necessidade de sempre possuir o “mais novo”.
A vida líqüida é um reflexo da era da informação, em que somos bombardeados o tempo inteiro com notícias, mas não temos tempo para digeri-las. Há sempre uma novidade e, no momento em que a adquirimos, outra já surgiu e tomou seu lugar como objeto de desejo.
Em um dos seus livros, Bauman dá como exemplo da descartabilidade que caracteriza a vida líqüida uma cidade criada por Ítalo Calvino em que, todos os dias, os habitantes começam adquirindo os últimos produtos da moda, usando-os até irem dormir, quando jogam no lixo para, no dia seguinte, terem espaço para os produtos mais recentes, mais novos e modernos.
O lixo acumulado forma montanhas do lado de fora dos muros da cidade, sendo essas montanhas a única constante na vida dessas pessoas.
O exemplo pode parecer meio extremo, mas não está longe da metáfora de Gulliver em Lilliput, com que Swift criticou ingleses e franceses, sempre em guerra. A idéia do lixo como nossa única constante num mundo descartável não está muito longe de ser um retrato perfeito da nossa contemporaneidade.
O descartável aqui não se refere apenas aos objetos, aplicando-se também aos relacionamentos humanos. O contato real foi substituído pelo virtual, as pessoas temem investir em um único relacionamento e “fechar a porta para outros” – esse é o conselho dos chamados especialistas que em colunas de relacionamento em grandes jornais, falam de companheirismo como de ações no mercado das bolsas.
Há uma mercantilização da vida humana, e não apenas no que se relaciona ao consumo de bens e serviços. O mercado da contemporaneidade é também o mercado dos nossos afetos fugazes e virtuais, que apenas esperam pelo novo e melhorado para descartar o antigo, ainda que este esteja funcionando perfeitamente.
Essa cultura do descartável relaciona-se à busca pela identidade – e assim fechamos o ciclo, chegando ao nosso assunto principal -, busca essa intimamente ligada à procura da felicidade.
A posse do objeto de desejo, da “moda” é o que possibilita ao indivíduo o reconhecimento de um certo grupo, da posse de uma identidade. Identidades postiças, que se sobrepõem e são usadas e descartadas de acordo com a conveniência da pessoa ou que estão tão arraigadas em seu ser que são impossíveis de serem rejeitadas.
O “pertencer” ao grupo é o que chamamos de felicidade – ou, ao menos, de sucesso – dentro da sociedade líqüida.
Despeço-me hoje com uma pergunta: e você? Qual a sua identidade?
Por esses dias, assistindo TV porque tinha nada melhor para fazer - já tinha espremido meu cérebro até o limite e precisava urgentemente de uma dose de programação imbecilizante para me anestesiar do resto do mundo - caí em um filme com a Scarlett Johansson, numa cena em que a personagem dela estava fazendo uma entrevista de emprego.
A entrevistadora pediu que ela se definisse em uma palavra. E, após alguns minutos tentando encontrar uma resposta, tudo o que ela conseguiu foi uma língua travada.
Não cheguei a muito mais do filme, já que apaguei no sofá alguns minutos depois. Em todo caso, isso não é realmente importante.
Em filosofia, meu professor passou para a gente os primeiros capítulos de um dos livros de Zygmunt Bauman, autor, sociólogo e filósofo de que gosto muito. De todas as coisas que a faculdade me fez ler nos cinco anos que passei lá dentro, Bauman e Umberto Eco foram, sem dúvida, os melhores e, apesar dos pesares, agradeço aos meus professores por, ao menos, esse favor.
À primeira vista, parece que estou falando nada com nada, não é? Mas estamos chegando lá, vocês logo entenderão minha linha de raciocínio aqui...
Conceitos, definições, identidade. Por mais abstrato que seja um determinado objeto, nós sempre iremos buscar dotá-lo de significado. Essa é, aliás, uma das funções do dicionário - listar palavras e suas significações.
Uma das conclusões a que chego na minha monografia é que um conceito não é estático; possui uma carga emocional e muda junto com a sociedade. Em suma, conceitos não são absolutos.
Definir uma pessoa é algo ainda mais complicado que definir uma idéia. Cada pessoa é um ser único, com suas peculiaridades, seus gostos, suas qualidades e defeitos. Cada fragmento de sua história compõe aquilo que se torna a definição dela. A tarefa de se auto-definir pode parecer muito fácil e óbvia, como a personagem da Johansson acredita a princípio, mas não tem nada de simples.
Tente resumir em uma palavra toda a sua personalidade. Vou dar o exemplo. Se eu fosse me conceituar de alguma forma, com uma única palavra - ou, no caso, uma única expressão (ou vai ficar sem sentido) - eu me definiria como uma "contadora de histórias".
Contudo, a pessoa que é Luciana não é apenas isso (até, porque seria muito triste se fosse assim e eu não sentisse nenhuma emoção ou não tivesse outros gostos e hobbies). Há pessoas que, se perguntadas, dirão que sou uma menina meiga, muito doce e outras que sabem que quando fico de cabeça quente - e isso não é difícil de se conseguir - posso ser um bocado violenta e irracional.
Sou brasileira (e não desisto nunca!). Sou paulista, mas cresci no centro-oeste e minha família é toda do sertão nordestino. Partes do que sou estão ligadas a cada uma das culturas a que pertenço; as coisas que vi e vivi se misturam na formação daquela que é minha identidade, mas nenhuma delas, sozinha, pode explicar o fenômeno por inteiro.
Identidade é, portanto, a palavra-chave desse artigo. E assim chegamos ao Bauman.
A idéia da modernidade líquida caracteriza toda a obra de Bauman, desde sua análise dos relacionamentos afetivos às relações de consumo, passando pelo grande debate que é sua marca registrada: a questão da identidade.
A “liqüidez” dos tempos modernos estaria ligada a uma cultura de rapidez, em que nada é sólido o suficiente, nada é suficientemente perene. O mundo da modernidade líqüida é o mundo do fugaz, dos relacionamentos pela internet, do lixo, do desperdício, da necessidade de sempre possuir o “mais novo”.
A vida líqüida é um reflexo da era da informação, em que somos bombardeados o tempo inteiro com notícias, mas não temos tempo para digeri-las. Há sempre uma novidade e, no momento em que a adquirimos, outra já surgiu e tomou seu lugar como objeto de desejo.
Em um dos seus livros, Bauman dá como exemplo da descartabilidade que caracteriza a vida líqüida uma cidade criada por Ítalo Calvino em que, todos os dias, os habitantes começam adquirindo os últimos produtos da moda, usando-os até irem dormir, quando jogam no lixo para, no dia seguinte, terem espaço para os produtos mais recentes, mais novos e modernos.
O lixo acumulado forma montanhas do lado de fora dos muros da cidade, sendo essas montanhas a única constante na vida dessas pessoas.
O exemplo pode parecer meio extremo, mas não está longe da metáfora de Gulliver em Lilliput, com que Swift criticou ingleses e franceses, sempre em guerra. A idéia do lixo como nossa única constante num mundo descartável não está muito longe de ser um retrato perfeito da nossa contemporaneidade.
O descartável aqui não se refere apenas aos objetos, aplicando-se também aos relacionamentos humanos. O contato real foi substituído pelo virtual, as pessoas temem investir em um único relacionamento e “fechar a porta para outros” – esse é o conselho dos chamados especialistas que em colunas de relacionamento em grandes jornais, falam de companheirismo como de ações no mercado das bolsas.
Há uma mercantilização da vida humana, e não apenas no que se relaciona ao consumo de bens e serviços. O mercado da contemporaneidade é também o mercado dos nossos afetos fugazes e virtuais, que apenas esperam pelo novo e melhorado para descartar o antigo, ainda que este esteja funcionando perfeitamente.
Essa cultura do descartável relaciona-se à busca pela identidade – e assim fechamos o ciclo, chegando ao nosso assunto principal -, busca essa intimamente ligada à procura da felicidade.
A posse do objeto de desejo, da “moda” é o que possibilita ao indivíduo o reconhecimento de um certo grupo, da posse de uma identidade. Identidades postiças, que se sobrepõem e são usadas e descartadas de acordo com a conveniência da pessoa ou que estão tão arraigadas em seu ser que são impossíveis de serem rejeitadas.
O “pertencer” ao grupo é o que chamamos de felicidade – ou, ao menos, de sucesso – dentro da sociedade líqüida.
Despeço-me hoje com uma pergunta: e você? Qual a sua identidade?
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Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.
Profundo,reflexivo e maravilhoso!!!
ResponderExcluirAcompanho o new dawn e vim aqui para bisbilhotar!
Amei seu texto,amei suas idéias e visões sobre a sociedade e o mundo q vivemos hj!
Super coerente e verdadeiro!
Espero ter o privilégio de ler mais textos atuais,verídicos e tão realistas e conscientes como esse!