3 de março de 2022

Bellwether: romance, teoria do caos e comportamento de manada com Connie Willis


"Avanços científicos já foram desencadeados pelo mais ínfimo dos eventos: a visão da água do banho subindo, o movimento de uma brisa, a pressão de um pé em um degrau. Eu, contudo, nunca tinha ouvido falar de um deles ser desencadeado por um beijo. Mas esse foi um beijo com todo o peso de cinco semanas de turbulência caótica por trás dele, mudando os padrões de pensamento de suas posições habituais, agitando as variáveis, separando-as e misturando-as novamente em novas conjunções, novas possibilidades."

Sandra Foster, uma cientista social especializada em estatística, está examinando o modismo dos cabelos curtos, tentando descobrir como a mania começou e assim compreender os mecanismos de comportamentos de consumo e imitação. Bennet O’Reily está estudando teoria do caos - ou estava, até sua bolsa ser retirada e ele ir parar nos laboratórios da Hi-Tek, uma firma de pesquisa que é também um pesadelo em termos de administração e burocracia.

Eles se conhecem após uma entrega errada de correspondência, aproximam-se por uma consciência compartilhada do ridículo do ambiente que os cerca, acabam começando um projeto conjunto envolvendo ovelhas e, para além de grandes descobertas científicas envolvendo um prêmio cobiçado, também terminam por cair de amores.

Continuando meu projeto de ler a bibliografia completa da Connie Willis, peguei dessa vez Bellwether; uma referência à ovelha que lidera o rebanho, e também a ideia de um criador de tendências, duas imagens/conceitos que aparecem no enredo. Publicado em 1996, foi nomeado no ano seguinte ao Nebula de melhor romance, concorrendo com A Guerra dos Tronos (nenhum dos dois venceu, contudo).

É uma história leve, com bastante humor, previsível, mas confortável e bem típica da Willis considerando o que já li dela. A sátira a cultura de escritório, críticas a competitividade e hermetismo acadêmico e também a imitação de comportamentos sociais acríticos. Em muitos pontos, Bellwether me lembrou Interferências - ambos são ficção científica misturada com romance, ambientadas em ambientes corporativos em que a empresa é uma entidade comicamente gananciosa e incompetente, com uma heroína decidida e eficiente e um herói genial mas um tanto desconectado da realidade.

Interferências, contudo, funciona melhor tanto do ponto de vista do sci-fi, com sua pesquisa por uma tecnologia de telepatia, quanto do romance. Não que Bellwether não convença com seu casal de protagonistas, mas fato é que Sandra e Bennet não têm tanto tempo de cena juntos e passamos a maior parte do tempo seguindo Sandra atrás da nova mania a tomar corações e mentes do público - sejam barbies princesas, bebidas saudáveis, livros sobre anjos da guarda ou tatuagens faciais.

Embora a tecnologia mostrada ao longo das desventuras dos dois torne o livro bem datado - pagers e fax, e coisas do tipo - a sátira social por trás da narrativa é muito atual. Modismos, manias, influenciadores lançando tendências: em Bellwether há um exagero proposital para nos levar ao riso, mas não é algo tão distante da nossa realidade.
"Os avanços científicos envolvem a combinação de ideias que ninguém pensou em conectar antes, vendo conexões que ninguém viu antes. Os sistemas caóticos criam ciclos de feedback que tendem a randomizar os elementos do sistema, deslocá-los, sacudi-los para que fiquem ao lado de elementos com os quais nunca entraram em contato antes. Sistemas caóticos tendem a aumentar no caos, mas nem sempre. Às vezes, eles se estabilizam em um novo nível de ordem."

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: Bellwether
Autor: Connie Willis
Editora: Spectra Books
Ano: 1997

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