31 de dezembro de 2021
Conversas Sobre o Tempo #09 - Aquele em que falamos de previsões e resoluções
Levanto os olhos do teclado e olho um tapete verde se descortinar pela janela. De todas as vantagens de trabalhar de casa, a melhor é a possibilidade de me acomodar na varanda, e esquecer por alguns instantes que estou na cidade grande. Meu prédio é estrategicamente posicionado próximo a uma área de conservação de mangue, de tal forma que há horas em que se ouve apenas os pássaros e, em dias de neblina, outros espigões desaparecem da vista. Se morasse num andar mais baixo, poderia até fingir estar de fato no meio do mato.
Respiro fundo e sinto o cheiro de terra molhada. Mas esse vem das plantas aqui de casa, aguadas agora no início da manhã. Mexo num ramo de hortelã para espalhar o perfume nas mãos (se esfregar uma folha entre os dedos, eles ficam cheirando por tempos).
É verde a cor da esperança, não é? Posso compreender a conexão sem precisar pesquisar as razões exatas, então, acho que vou me vestir de verde hoje para a virada (pijama verde, para ser exata).
Ou não… Segundo um e-mail que recebi hoje, a minha cor para o ano novo deveria ser azul índigo, por alguma razão misteriosa que tem a ver com o número especial que 2022 representa para mim. Bem, azul é minha cor favorita, mas ainda estou tentando entender o que isso tem a ver com o número aleatório que aparentemente representa um ano bastante social para mim (o que faço eu com meus instintos antissociais???).
Uns meses atrás comecei a escrever um conto que me exigiu alguns conhecimentos de astrologia. Li um livro, pesquisei pela internet, testei até fazer meu mapa astral (pelo menos, a parte gratuita que o site permitia fazer) e, desde então, volta e meia recebo uma comunicação sobre o que os astros andam reservando para mim. O que é um tanto hilário, considerando minha incredulidade no assunto.
Apesar disso, afirmo que ler previsões do horóscopo é um exercício interessante de interpretação. Do meu ponto de vista, uma previsão bem feita é aquela aberta o suficiente para que o leitor encaixe nela qualquer significado - especialmente se a posteriori, ele possa dizer “bem que me avisaram”. Nada como uma boa coincidência para acreditar no destino.
O Oráculo de Delfos entendia muito bem do assunto. Heródoto em sua História conta que o ambicioso Creso, rei da Lídia, decidiu invadir o Império Persa e, como preparação, mandou consultar o oráculo sobre o que aconteceria se seguisse com seus planos. A resposta foi que, se ele empreendesse a guerra, um grande império seria destruído. Animado, ele mandou seu exército em frente… e o império destruído foi o dele mesmo.
Melhor que isso, só Édipo e seus pais, que, na ânsia de fugir das palavras da pitonisa, acabaram por concretizá-las. Profecias auto-realizáveis são uma deliciosa ironia.
Enfim, sempre que reflito sobre tal assunto, pergunto-me que tipo de formação tem a pessoa responsável por escrever a coluna de horóscopo em qualquer periódico - e não falo aqui de publicação especializada. Duvido muito que elas contratem um astrólogo profissional para escrevê-la. Então… Será que deixam tudo nas mãos de algum jornalista que tenha interesse pelo assunto? Ou os editores fazem reuniões de pauta para debater os possíveis vaticínios? Ou simplesmente colocam a cargo do mais imaginativo da redação?
Como disse antes, sou bastante incrédula na efetividade de previsões; não consigo concordar com a ideia de que a posição das estrelas num determinado momento de nossas existências é capaz de escrever nosso destino. Prefiro acreditar na possibilidade de escolhas - e em suas consequências. Afinal, se fulano ou sicrano são capazes de ver com exatidão o que acontecerá no futuro, por qual razão ainda não se tornaram bilionários aplicando na bolsa?
O que 2022 nos reserva ficará a cargo das escolhas que fizermos - de forma individual e coletiva. Sem esperar pelo destino (mas podendo seguir nossas superstições tradicionais, pois toda ajuda é bem-vinda), espero que possamos trabalhar nesse próximo ano para construir o futuro que desejamos. Que tomemos por resolução ter mais empatia, solidariedade; sermos mais críticos, formando opiniões por nós mesmos, sem seguir o rebanho. Um tanto mais céticos, mas sem com isso perder a esperança. Que saibamos construir pontes - ou detoná-las sem lamentos se assim for necessário. Que cuidemos de nós, dos nossos, mas também do mundo.
E assim, despeço-me por hoje, dando adeus a 2021. Um feliz ano novo pra todos nós! E até 2022!
No Escaninho. Amanhã, 1º de janeiro, é o Dia do Domínio Público e o The Public Domain Review fez um calendário interativo apresentando algumas das obras que vão entrar na roda desta vez. Lembrando que o Brasil segue a regra dos 70 anos após o falecimento do autor. O Book Riot também trouxe uma lista sobre o assunto - para quem lê em inglês, uma boa alternativa é procurar as novidades no Project Gutenberg. E, do Brasil, tem o site oficial do Domínio Público.
Na retrospectiva da BBC, há um post muito legal com as mais impactantes fotografias do ano, comparando ainda com obras de arte famosas. Para não esquecer que uma imagem vale mais que mil palavras (mas as palavras também são importantes, ou eu não estaria aqui, não é mesmo?).
A plataforma de financiamento coletivo Catarse completou 10 anos, e publicou uma série de posts especiais para celebrar o marco. Vale a pena dar uma olhada e - porque não? - procurar um projeto para apoiar e assim participar dessa História.
Terminando por hoje, no blog do Neil Gaiman, tem uma tag para acompanhar todas as mensagens de ano novo que ele escreve sempre no final do ano. Como eu poderia resistir a colocar ele aqui?
Previsão do Tempo para Hoje. Call us what we carry, da Amanda Gorman, foi meu último livro do ano. Assim termino 2021 com uma tradução livre do poema que ela leu na posse de Joe Biden em janeiro, The Hill We Climb - palavras que, espero, possamos fazer nossas em 2022:
"E então nós levantamos o olhar
não para o que está entre nós,
mas para o que está diante de nós.
Nós reparamos a divisão,
porque sabemos que colocar nosso futuro em primeiro lugar
implica antes deixar nossas diferenças de lado.
Depusemos nossas armas
para que possamos estender nossos braços uns para os outros.
Desejamos mal a ninguém e harmonia para todos.
Deixe o mundo, se nada mais, dizer que isto é verdade:
Que mesmo enquanto nos afligíamos, crescíamos
Que mesmo sofrendo, tínhamos esperança
Que mesmo cansados, tentávamos
Que estaremos para sempre unidos. Vitoriosos.
Não porque nunca mais conheceremos a derrota,
mas porque nunca mais semearemos a discórdia."
A Coruja
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