4 de novembro de 2021

A Terra Inabitável: Uma História do Futuro


Um modo de ver basicamente deliberado, ainda que com frequência travestido de impotência, é o tema da formidável obra em duas partes de William Vollmann, Carbon Ideologies [Ideologias do carbono], que abre—fora a epígrafe, “Um crime é algo que algum outro comete”, de Steinbeck—da seguinte forma: “Um dia, num futuro talvez não muito distante, os habitantes de um planeta mais quente, mais perigoso e biologicamente diminuído do que esse em que vivi talvez se perguntem o que você e eu tínhamos na cabeça, se é que havia alguma coisa”. Na maior parte do prólogo, ele escreve sobre o passado de um futuro imaginado e devastado. “Claro que fizemos isso conosco; sempre fomos intelectualmente preguiçosos e quanto menos era exigido de nós, menos fizemos”, escreve. “Vivemos todos em função do dinheiro e foi em seu nome que morremos.”

Esse livro me chamou a atenção pelo título, que é uma daquelas sacadas que te pega numa passada de olho nas estantes da livraria. Ele nasceu como um ensaio para a revista New York, publicado em julho de 2017. Para quem lê em inglês, é possível ver a íntegra de forma gratuita e ter uma boa ideia dos argumentos do autor. O livro, contudo, não apenas expande o artigo, como traz uma rica bibliografia. Pelo conteúdo e pela coleção de notícias e outras obras de estudo, A Terra Inabitável é um bom volume de referência para se ter a mão.

Trata-se de uma não ficção sobre a questão do aquecimento global, mas poderia ser lido como uma história de terror. Wallace-Wells escreve sem meios termos sobre as consequências do aquecimento global. Sobre o que já está acontecendo, sobre as estimativas do que nos espera no virar da esquina, sobre a irreversibilidade de certas mudanças e sobre como tudo isso é muito mais imediato do que esperamos.

Passei boa parte da leitura sentada na varanda, olhando pela janela e me perguntando o que aconteceria primeiro aqui em Recife: ficaremos todos debaixo d'água ou as ondas de calor cada vez mais violentas tornarão impossível sair de casa em alguns vários momentos do dia? E que outros desastres esperam nosso país - que já estão ocorrendo, com estiagens cada vez mais prolongadas provocando crises de abastecimento de água, energia, alimentos; desertificação de áreas antes extremamente produtivas; períodos de queimadas mais duradouros e intensos.

Uma cultura urdida em pressentimentos do apocalipse deveria saber como receber notícias das ameaças ambientais. Mas reagimos aos cientistas que dão voz aos gritos de socorro do planeta como se fosse alarmismo. Nossos filmes são apocalípticos, mas quando se trata de contemplar os perigos do aquecimento na realidade, sofremos de uma incrível falta de imaginação.

Ele não entra a fundo nas evidências científicas, e nem apresenta sugestões de como podemos fazer "a nossa parte" - mesmo porque, à altura que nos encontramos, soluções que tenham impacto real dependem de atitudes concretas dos governos. Minha maior crítica, contudo, fica ao fato de que ele foca muito nas ações e omissões americanas. É compreensível, considerando seu público alvo inicial, mas considerando o trabalho de expansão do artigo, podia haver uma pesquisa mais global. O Brasil até é mencionado - de forma vergonhosa para nós, claro - e na parte das previsões, ele não restringe nacionalidades ao tratar da catástrofe que nos espera, mas não há como negar que o resto do mundo é meio que segundo plano na obra.

Em compensação, a forma sem rodeios com que Wallace-Wells fala em perdas e custos, numa linguagem crua, com números de mercado, causa impacto. É curioso pensar que ele meio que usa como credencial ser não um especialista, ativista ambiental ou coisa parecida; mas alguém que se beneficia com as regras do capitalismo, que come carne e não abre mão de seu carro - que pode falar e se identificar com o homem médio, que costuma estar muito distante do debate sobre o aquecimento global, achando que não tem nada a ver com sua vida e sua geração.

Seja como for, é um bom livro para leigos, para compreender em termos práticos as consequências de viver em um planeta que está se aquecendo, quem já está pagando essa conta, e a urgência nas ações para conter a escalada da temperatura em tempos de mudanças climáticas.

Nota:
(de 1 a 5, sendo: 1 – Decepção; 2 – Mais ou Menos; 3 – Interessante; 4 – Recomendo; 5 – Merece Releitura)

Ficha Bibliográfica

Título: A Terra Inabitável: Uma História do Futuro
Autor: David Wallace-Wells
Tradução: Cássio de Arantes Leite
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2019

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